07 abril 2017

A VITALIDADE INSTITUCIONAL

7 de Abril de 1977. Há precisamente 40 anos tomava posse no Palácio da Ajuda um novo vice-chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (VCEMGFA). Trata-se de um cargo da hierarquia militar que só intermitentemente é preenchido. O predecessor do então empossado fora o general António de Spínola, nomeado para uma espécie de prateleira dourada depois do seu regresso da Guiné no Outono de 1973 e até à sua demissão em Março de 1974, na sequência do episódio da vassalagem da brigada do reumático. Três anos depois, com uma Revolução e um Processo Revolucionário de permeio, as causas para a nomeação de um novo titular eram completamente outras. A começar pelo próprio nomeado, Loureiro dos Santos, um tenente-coronel de 40 anos especificamente graduado em general de quatro estrelas para a missão. Esta consistiria, para citar as palavras do presidente da República (e também CEMGFA) Ramalho Eanes durante a cerimónia, a recondução das Forças Armadas à sua condição natural de corpo coeso e disciplinado. A escolha do empossado resultara de convicção maduramente meditada e que ela responderia aos problemas técnicos e políticos que na função converg(iam). Mas era ainda o próprio orador, que assumira a presidência da República apenas nove meses antes, a confessar desejar que o próprio acto de posse pusesse termo à agitação levantada em torno do preenchimento do cargo. Por isso, era possível deduzir uma certa manu militari na convocatória, que se traduzia na composição recheada do elenco das individualidades que estiveram presentes na cerimónia, militares, desde os membros todos do Conselho da Revolução aos três chefes de Estado-Maior dos ramos (Souto Cruz, Rocha Vieira e Lemos Ferreira), acompanhados de uma extensa lista de altas patentes, e também civis, com uma robustíssima delegação governamental, incluindo o primeiro-ministro (Mário Soares) acompanhado dos ministros de Estado (Henrique de Barros), da Defesa (Firmino Miguel), da Administração Interna (Costa Brás), da Justiça (Almeida Santos), das Finanças (Medina Carreira), dos Negócios Estrangeiros (Medeiros Ferreira) e das Obras Públicas (Almeida Pina). A notícia acima, publicada por um vespertino da capital conotado como próximo dos comunistas (Diário de Lisboa), não procura edulcorar o ambiente, qualificando-o de solene mas também grave. Não o iludia, citando o próprio empossado a descrever as vicissitudes que haviam acompanhado a sua aceitação do cargo: "entendera dever renunciar ao cargo para que fora designado, decisão que o presidente da República não aceitou, tendo-lhe sido garantida a cooperação dos que, inicialmente, não dispuseram da possibilidade de compreender o sentido e a forma da sua designação (...)"
O compreensão e/ou a cooperação prometida não devem ter sido muito eficazes porque sete meses e um dia depois da posse (a 8 de Novembro de 1977) o mesmo Loureiro dos Santos demitia-se como se lê por esta outra notícia do mesmo jornal. Ironizando com o título da notícia inicial, a vitalidade institucional do corpo militar não seria aquela que se estaria à espera... Estes episódios, em que as condições iniciais de aceitação dos cargos partem de equívocos (tanto voluntários quanto involuntários) e vêm a acabar denunciados, porque são raros, merecem ser destacados e relembrados. O que me continua a intrigar é como, tantas vezes, especialmente na opinião publicada, os tentam fazer passar por anómalos, como se o que fosse esperado das pessoas naquelas situações é axandrarem-se.

2 comentários:

  1. "Axandrar"- ora aqui esta um verbo absolutamente delicioso. Nao conhecia. Uma perola. Muito obrigado!
    Nao sao so estes pormenores que fazem este seu blog o meu favorito. Mas caramba, estou deslumbrado!

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  2. Axandrar é um verbo que até pode ter vários sinónimos. Mas naquele sentido de obrigar outrem a aceitar facto consumado pela força ou pela manipulação e/ou dissimulação, é verbo dificilmente substituível. Obrigado.

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