18 fevereiro 2017

A REVOLUÇÃO RUSSA, COMO ELA DEVIA SER CONTADA NA OPINIÃO DE RAQUEL VARELA

De um eloquente texto escrito por Raquel Varela e publicado recentemente no blogue brasileiro Esquerdaonline (de que recomendo a leitura, nem que seja por profilaxia do disparate), recuperei este parágrafo abaixo:
 
"O grande revisionismo deste centenário (fala-se da segunda Revolução Russa de 1917) tem algo de estalinista, curiosamente. Ele faz-se publicando biografias de Estaline, livros, “esquecendo” os dois dirigentes máximos da revolução, Lenine e Trotsky. E todos os outros. Apagando-os da fotografia. E lá para o fim da biografia do Estaline colocar algo como «se tivesse sido Lenine ou Trotsky tinha sido igual». Na profissão de historiador chama-se a isto um «contractual», o «se». Na falta de factos inventa-se um «se»."
 
Na verdade, o contractual tanto se aplicará à tese que Raquel Varela censura como àquela que ela defende: pura e simplesmente nada de taxativo se poderá dizer como teria sido a URSS de Trotsky. E, objectivamente, foi Lenine e não Estaline a mandar assassinar a família de Nicolau II. Eu até posso perceber a racionalidade política de executar o monarca, mas... o resto da família? Discuta-se porém da opinião de Raquel Varela algo que possa ser objectivamente mensurável como será a questão das biografias de Estaline e do esquecimento das dos outros. Consultem-se as páginas da Amazon, a maior livraria on-line, e contem-se as edições recentes em inglês de biografias das grandes figuras comunistas da Revolução de 1917: desde 2010 sobre Estaline publicaram-se 5 biografias: Robert Service (2010), Simon Sebag Montefiore (2014), Oleg Khlevniuk (2015), Robert Payne (2015), Stephen Kotkin (2015); sobre Lenine foram 4: Robert Service (2010), Robert Payne (2015), Catherine Merridale (2016) Victor Sebestyen (2017); e sobre Trotsky outras 4: Robert Service (2010), Isaac Deutscher (2015), Robert Payne (2015), Victor Serge (2016). Sobre Lenine prepara-se a edição para Julho próximo de uns comentários de Slavoj Žižek, um filósofo esloveno marxista muito na moda, mas já nem será isso que mais interessa, o panorama editorial acima desmente completamente a descrição de Raquel Varela de uma cabala que destaca Estaline em detrimento dos muito mais genuínos revolucionários Lenine e Trotsky. O que ela escreveu é mentira, e isso já por si é merecedor do nosso escárnio. Mas também é um disparate, atente-se a algumas outras passagens do texto:

"...hoje as evidências históricas são incontornáveis. Demonstram, ao contrário da tese mediatizada, que há um corte radical entre a política bolchevique (1917-1927) e a política Estalinista (1927-1989)..." "Explico-me. (...) O Socialismo é abundância, a URSS era restrição, escassez." "Celebrar os 100 anos da revolução (...) com a figura tétrica de Estaline dá jeito a quem quer manter a apoplexia intelectual de que não há alternativa aos regimes actuais..."
 
Claro que há e haverá cada vez mais alternativas aos regimes actuais. Mas o que essas alternativas não serão, estou convicto, é recuperações de ideias velhas de cem anos como Raquel Varela parece desejar pelo que escreve. Como, adiante-se, há cem anos as alternativas não seriam recuperações das ideias velhas de 125 anos antes, que seria a referência da Revolução francesa de 1789. O destaque dado a Estaline no encadeamento da Revolução russa acaba por ser o equivalente ao que tem de ser dado a Napoleão no encadeamento da Revolução francesa. Isso goste-se ou não das duas figuras: foram eles os protagonistas da História. Onde não há cegueira combinada com obtusidade ideológica não há historiadoras a reclamar pelo destaque que é dado a Napoleão e pelo injusto lugar modesto na História que é conferido a Danton, Marat e Robespierre... - por muito puros que houvessem sido os ideais destes últimos três.

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