28 abril 2016

«OBER OST»

Sob o nome de Ober Ost, formou-se a partir de 1915, uma estrutura administrativa dos territórios que haviam sido conquistados e estavam ocupados pelo exército alemão na frente oriental. Ocupando as terras imediatamente adjacentes à Prússia e ocupando também as costas do Báltico, o Ober Ost, conforme os mapas que se exibem, tinha uma extensão total de 108.800 km² (20% da Alemanha) e, de acordo com o último recenseamento que fora efectuado pelo poder imperial russo em 1897, uma população cifrada em 2.900.000 habitantes. Mas muito heterogénea, tanto na composição como também na forma como se distribuía: havia uma área central onde predominavam os lituanos (34% da população), outra onde predominavam os bielorrussos (21%) a sul e noutra ainda os letões (10,5%) a norte, mas os judeus (13,5%), os polacos (12%) e os russos (6%) estavam disseminados por toda a parte, sobretudo nas cidades. A sua capital, que era a localização do Quartel-General alemão para a Frente Leste era a cidade de Kaunas. De acordo com as leis internacionais e as práticas da época, os territórios conquistados seriam para ser administrados pelas autoridades civis pré-existentes durante o período que durasse a ocupação militar. O status quo político só poderia ser alterado depois da guerra. Porém, naquele caso, as autoridades imperiais russas também haviam fugido à frente dos exércitos alemães, cumprindo as instruções de Petrogrado de criar aos invasores a tradicional política russa de terra queimada diante de um invasor. Os militares alemães foram assim sugados para aquele vácuo administrativo e tiveram que assegurar muitos aspectos triviais do quotidiano para o prosseguimento das suas operações. Não sendo assim uma criação deliberada dos alemães – o regime em vigor na mesma época na Bélgica também ocupada era diferente deste, por exemplo – o Ober Ost tornou-se, apesar disso, no mais famoso sistema de ocupação militar a que se assistiu durante a Primeira Guerra Mundial. E isso porque, como veremos adiante, configurou um claro antecedente aos métodos brutais que os mesmos alemães viriam a assumir no Leste da Europa na Segunda Guerra Mundial.
A figura dominante desse estado militar de Ober Ost foi Erich Ludendorff (acima), a sua pessoa mas também o seu pensamento político-militar, que depois se viria a impor em toda a Alemanha nos dois anos finais do conflito (de 1916 a 1918). Como se fosse uma adaptação ao século XX do trabalho dos cavaleiros teutónicos que haviam colonizado a Prússia, Ludendorff descrevia esta sua tarefa como uma obra de civilização que iria beneficiar o exército, a Alemanha mas também o próprio país e os seus habitantes – atente-se à ordem como os factores são nomeados... Os oficiais de Ludendorff tornaram-se vítimas da sua própria propaganda e concebiam-se como paladinos da civilização e da cultura. Ober Ost estava destinada a ser uma colónia adjacente ao Reich, um estado tampão onde se fixariam os alemães vindos da Rússia depois da vitória. A engenharia militar, por exemplo, não só reerguera as diversas pontes destruídas pelos russos à retirada como até construíra outras, 434 no total, incluindo uma extensíssima cruzando o rio Bug na província meridional de Bialystok. Outros investimentos foram feitos directamente nos sectores produtivos, conservas, lacticínios, serrações, carpintarias para aproveitar a rica cobertura florestal do sul do país. Também a educação, pelo menos a dos níveis mais elementares, não foi descurada: sob o regime militar o número de escolas primárias duplicou para mais de 1.350. O problema era o que esta utopia custava, e não apenas em custos materiais, aos habitantes locais, para quem tudo aquilo não estava a ser construído. Naquilo que seria um híbrido entre uma Constituição local e uma Ordem de Serviço de uma unidade militar, deixava-se isso claro a 7 de Junho de 1916 quandos e escrevia que os interesses do exército e do Reich alemão se sobreporão sempre aos do território ocupado. Como uma qualquer colónia de África, a menor preocupação dos militares alemães era captar a simpatia das populações submetidas...
Considerações várias, algumas delas pertinentes, levaram as autoridades a restringir completamente a circulação das pessoas. Havia barreiras para o exterior mas também as havia internas, separando as várias províncias, tornando os passes obrigatórios para a mais ínfima deslocação. Com uma meticulosidade alemã, todo o país foi submetido a um registo de pessoas – um cartão de identificação para os maiores de 10 anos – e de propriedades – um cadastro como as autoridades russas nunca haviam elaborado. O regime tributário tornou-se opressivo, não apenas através dos impostos directos sobre as pessoas, os imóveis ou os lucros, mas sobretudo via impostos indirectos, cobrados através de monopólios estatais em produtos como os cigarros, bebidas alcoólicas, cerveja, sal, açúcar, sacarina e fósforos. E o rigor alemão dava uma outra eficácia fiscal a documentos como licenças de pesca ou a autorizações - muito contestadas - para a posse de cães. Mas a exigência das autoridades militares de Ober Ost que era pior suportada pelas populações locais fora m as corveias que lhes começaram a ser impostas a partir de Janeiro de 1916. Muitos milhares foram assim recrutados para trabalhar nos projectos alemães de construção de novas estradas, vias férreas e linhas telegráficas, em que os empreendimentos saíam a um preço de saldo – os trabalhadores não eram remunerados... Os judeus, como grupo predominantemente urbano, sem trabalhar nas áreas que os alemães reputavam de sensíveis (como a agricultura), foram desproporcionadamente afectados por essa mobilização para os Z.A.B. – Zivil Arbeiter Batallionen (batalhões de trabalhadores civis). Só na província da Lituânia, estima-se que 130.000 homens e mulheres foram recrutados dessa maneira. Não se sabe o número de mortes mas sabe-se o de execuções: 1.000 - mais uma vez: apenas nessa província. As condições eram horríveis, a alimentação má e escassa (250 gramas de pão/dia), os alojamentos estavam rodeados por arame farpado, as sanções por mau comportamento eram frequentes e envolviam agressões físicas, e os prisioneiros – pois não passavam disso – raramente conseguiam contactar com as suas famílias. As taxas de deserções e, sobretudo, de mortalidade eram impressionantes.
Em Agosto de 1916, porque a dupla Hindenburg/Ludendorff foi chamada a Berlim para assumir a direcção estratégica do esforço de guerra alemão, o Ober Ost passou a ser dirigido por uma figura decorativa e mais amena do que o fora o austero Ludendorff, o príncipe Leopoldo da Baviera (acima), um velhote de 70 anos (acima). Ainda bem para os alemães porque um dos efeitos colaterais da Revolução de Fevereiro de 1917 na Rússia, e da consequente capacidade de atracção que ela produziu entre as populações locais, foi que obrigou os alemães a terminar com as práticas mais criticáveis, dissolvendo, por exemplo, embora apenas na teoria, os ZAB em Setembro de 1917. Claro que sob outro nome acabou por quase nada mudar, porque o investimento nas infra-estruturas do Ober Ost, agora numa perspectiva de vitória, parecia ser cada vez mais importante para os alemães para poder ser cancelado. O problema é que as duas revoluções russas de 1917 - a de Fevereiro, derrubando o czar, e a de Outubro que levou os bolcheviques ao poder - haviam criado uma dinâmica independentista entre as várias nacionalidades que anteriormente haviam estado submetidas ao poder imperial russo – polacos, finlandeses, lituanos, letões, estónios, ucranianos – dinâmica essa que os alemães já não conseguiam controlar por causa da forma como haviam malbaratado a boa vontade dessas nacionalidades nos primeiros anos da guerra. Tipicamente, quando num gesto de leniência os alemães permitiram que em Setembro de 1917 se reunisse a Taryba, uma assembleia de notáveis lituanos, esta rapidamente extravasou as suas competências e em Fevereiro de 1918, em antecipação às concessões que os alemães haviam obtido dos russos no Tratado de Brest-Litovsk, proclamou a independência da Lituânia. Relativamente pouco conhecida, como de resto o é toda a História da Frente Leste da Primeira Guerra Mundial (1914-17), esta proto-colónia chamada Ober Ost demonstra a superioridade implícita como os alemães sempre se apresentaram diante dos seus vizinhos europeus e de como se trata de um fenómeno social independente (que até precedeu historicamente a ascensão) do nazismo.

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