18 dezembro 2015

UMA PEQUENA HISTÓRIA QUE TAMBÉM ENVOLVE CORES DE BOINAS

Misturado no conjunto de factos (muito poucos), intenções (várias e não necessariamente todas concordantes) e sobretudo suposições, como se procura reconstruir histórias alternativas de como teria sido diferente o envolvimento dos Estados Unidos na Guerra do Vietname caso John F. Kennedy não tivesse sido assassinado em Novembro de 1963, existiu de concreto a preocupação do presidente para que as forças armadas se preparassem para um outro tipo de guerra, nova na sua intensidade mas antiga nas suas origens – expressa em guerrilhas, na subversão da ordem estabelecida, em assassinatos, uma guerra com emboscadas em vez de batalhas. E, como era costume na época, a Administração criou uma Comissão Especial para responder à preocupação do presidente onde, não surpreendendo quem conheça os hábitos da época, estava presente o seu irmão Robert. Mas, mais importante, a Comissão era presidida por Maxwell Taylor, um general prestigiadíssimo, veterano da Segunda Guerra Mundial e da Guerra da Coreia e que ainda viria a presidir ao JCS (Estado-Maior interarmas das Forças Armadas norte-americanas) e a ser o embaixador dos Estados Unidos em Saigão no Vietname do Sul. Mas, mesmo tendo sido um dos protagonistas passados da revolução das operações aerotransportadas no passado, o desafio de imaginar como seria o próximo conflito dos Estados Unidos estava para além da imaginação de Taylor (e dos restantes profissionais da Comissão) que apontavam para uma resposta convencional, uma preparação específica para guerras de baixa intensidade, é certo, mas entre exércitos considerados convencionais. A este respeito, diga-se que já a Guerra do Vietname atingia o clímax (1968), e os comunicados dos norte-americanos sobre o decorrer dela continuavam influenciados por essa fixação, mostrando aos media uma compreensão e explicação dos confrontos quanto eles eram travados contra o exército convencional norte-vietnamita (em Khe Sahn, por exemplo, que eles podiam designar por batalhas) que não tinham correspondente quando os confrontos eram de menor escala e se travavam com os guerrilheiros irregulares do vietcong, agrupados em unidades menores que normalmente se esfarelavam imediatamente depois do combate.
O resultado da preparação do exército norte-americano a esse novo tipo de guerra foi exibido ao presidente por ocasião de uma visita que ele fez a Fort Bragg, na Carolina do Norte em 1961 (fotografia inicial). Foi a ocasião para que as Forças Especiais do exército (Army Special Forces) se apresentassem com as suas novas boinas verdes, iniciando uma moda de boinas e outras coberturas identificativas que fora até aí um pouco alheia à tradicional estandartização do US Army, onde tudo costuma ser igual para toda a gente (alegadamente, o verde era a cor das boinas dos Comandos britânicos com quem os Rangers iniciais se haviam formado em 1942). A cerimónia terá sido memorável, tanto que, como se vê acima, ainda hoje servirá de referência ao espírito de corpo da unidade. Mas observadores menos engajados comparam o exercício que foi feito em benefício do presidente a um espectáculo ao jeito dos do Cecil B. De Mille. Além de algumas proezas físicas de carácter circense, houve, por exemplo, demonstrações da extraordinária pontaria dos franco-atiradores, camuflados no terreno para além de qualquer possibilidade de reconhecimento. A questão que era ali iludida é que, esses e outros feitos bélicos, são actividades que costumam ser mais associáveis à implementação de uma guerra subversiva do que à actividade de se lhes opor: a contra-subversão. E sobre contra-subversão os boinas verdes não tinham propriamente grande coisa a mostrar a John F. Kennedy. Havia doutrina, muita dela produzida por franceses, experimentados das suas guerras na Indochina e na Argélia, mas, daquele lado do Atlântico, nada saíra do papel. A questão fulcral é que essa (a contra-subversão) seria a missão com que se confrontariam os norte-americanos no caso de se engajarem no problema vietnamita como, de facto, veio a acontecer. E sobre isso em concreto, o pensamento em vigor era que o treino, a doutrina e a organização tradicional que o exército sempre tivera em vigor seria suficiente e adequado para a missão. Ou, como sintetizava o general George Decker, o Chefe de Estado-Maior do exército americano entre 1960 e 1962, qualquer soldado bem preparado consegue lidar com guerrilhas.
A História encarregou-se de demonstrar que não é bem assim. Em 1961, Portugal deparava-se com um problema algo semelhante ao dos norte-americanos. Também tinha uma boina nova, castanha, identificativa dos membros das unidades de caçadores especiais (que só depois se tornou extensível a todo o exército). Havia contudo uma diferença substancial no problema: o envolvimento dos Estados Unidos no Vietname era opcional; o de Portugal naquilo que ele considerava as suas províncias ultramarinas era obrigatório. No caso, a boina portuguesa mostrava um certo adiantamento em relação à norte-americana: a experiência francesa fora apreendida e concretizada na constituição de unidades de combate mais ligeiras (batalhões de 640 homens) onde se dispensava os complementos de armamento mais pesado, desnecessário num conflito do cariz que se antevia. O mérito desta decisão presciente pode ser diminuído se nos apercebermos que, com esta decisão, os custos de mobilização reduziam-se substancialmente num Portugal sempre parco em recursos. De toda a forma, muitos, senão quase todos os chefes militares portugueses da época fariam suas as palavras acima do general Decker, que um bom soldado está preparado para enfrentar qualquer guerrilheiro. A questão que os anos seguintes vieram provar à saciedade é que o problema não se esgota aí. Mesmo que as guerras de subversão acabem por tacticamente não se distinguirem muito das operações de baixa intensidade envolvendo sobretudo pequenas unidades de infantaria¹, ao nível estratégico tudo difere. Porque é a população que se torna o cerne da disputa. O seu policiamento e controle torna-se uma actividade primordial. Poder de fogo aplicado em excesso ou qualquer outro processo que cause baixas excessivas entre a população civil², tende a tornar-se contraproducente porque induz essa população a simpatizar com o outro lado. São processos contra-intuitivos que algumas forças armadas têm andado a aprender nos últimos decénios, especialmente depois do fim da Guerra Fria. As guerras têm evoluído. Algumas guerras modernas podem ser para não se travar, mas é preciso que conste que os (quase) beligerantes estão muito zangados um com o outro. É por isso que adiciono aqui a terceira boina da série, a azul-clara das forças de interposição da ONU. Têm-se popularizado tanto e há alguns países com tanto jeito para se interporem que fico em crer que se devia criar um ramo ou uma arma (a par da infantaria, da cavalaria, etc.) específica só para o efeito.
¹ Como por exemplo, um raid à trincheira adversária para capturar prisioneiros como acontecia durante a Primeira Guerra Mundial. ² Como já aqui escrevi, os paraquedistas franceses acabaram com a campanha bombista da FLN e da OAS em Argel mas, para o conseguirem, mataram mais pessoas do que aquelas que haviam sido mortas pelas campanhas bombistas a que puseram termo.

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