20 dezembro 2015

O AUTOR DA «COISA»

Escreveu Pessoa que Deus quer, o Homem sonha e a Obra nasce. E pelo que se escreve no cabeçalho da primeira página de ontem do Expresso, quem sonhou com o Banco de Fomento teria sido Vítor Gaspar. Tenho uma opinião algo diferente e os arquivos mostram-nos uma história distinta desse Banco, com e sem Vítor Gaspar no Governo, para lá do seu sonho. Antes de Julho de 2013, data da saída de Gaspar do executivo (e da irrevogável remodelação governamental), podia-se encontrar a respeito da ideia da criação de uma tal instituição opiniões muito críticas como a de Celeste Cardona (Novembro de 2012), onde parecia eleger como alvo principal Álvaro Santos Pereira, o então ministro da Economia (que também seria depois remodelado), ou então a opinião do especialista em internacionalização Telmo Azevedo Fernandes (Março de 2013), que adoptava um título para o que escrevera (Banco de Fomento: das falhas do mercado às empresas do regime) bem revelador daquilo que criticava no projecto. Em paralelo e imune a essas preocupações político-ideológicas, a Luís Filipe Menezes (Março de 2013) só o parecia preocupar que a futura instituição viesse a ficar sedeada no Porto (como veio de facto a acontecer). Em Junho de 2013, a presença de Vítor Gaspar (e de Álvaro Santos Pereira) estava para terminar daí a dias quanto em Conselho de Ministros se decidiu finalmente a criação do Banco de Fomento (também designado por Instituição Financeira de Desenvolvimento). Os estudos técnicos – que deveriam ficar concluídos dali por 120 dias – seriam da responsabilidade dos secretários de Estado das Finanças, Manuel Rodrigues, do Desenvolvimento Regional, Castro Almeida, e do Empreendedorismo, Franquelim Alves.
Aqueles (e todos os outros) prazos não foram cumpridos mas a partir dessa época, António Pires de Lima, que assumira entretanto a pasta da Economia em Julho de 2013, torna-se a cara mediática do projecto do Banco de Fomento. É já ele que ilustra uma notícia de Novembro de 2013 que promete um Banco de Fomento operacional a partir do primeiro semestre de 2014. Só posso especular quanto ao que aconteceu à opinião de Celeste Cardona, porque deixei de a ver publicada... A expirar aquele primeiro semestre (Junho de 2014), o Banco ainda aguardava a licença bancária do Banco de Portugal mas o Diário Económico já conseguira saber que tinha onze administradores, dos quais cinco executivos. Em Julho de 2014, Pires de Lima dava a cara à notícia que o Banco ia avançar depois do Verão. Depois do Verão, em Outubro de 2014, o presidente da comissão instaladora do Banco anunciava querer abandonar a instituição, apesar do convite do ministro Pires de Lima. Nesse mesmo mês, o ministro prometia que o Banco poderia estar operacional no mês seguinte. Não estava. Já em Janeiro deste ano (2015), ainda e sempre Pires de Lima, preparava-se para anunciar na segunda-feira seguinte o primeiro instrumento para recapitalização das empresas... Em finais de Setembro de 2015, às vésperas das eleições, apareciam finalmente 300 milhões no Banco para o capital das empresas este ano. Enfim... dá perfeitamente para perceber que a criação do Banco de Fomento foi uma grande cagada da qual resultou um grande cagalhão. Eu percebo que, quando se vai por um jardim e se encontra uma coisa dessas no meio da relva, possa haver uma certa dificuldade em identificar o autor da proeza. Agora, quando as coisas se apresentam desta forma tão bem documentada é preciso muito mais do que incompetência jornalística para, como se faz no Expresso, tentar atribuir ao idealismo de Vítor Gaspar os méritos que, a nível ministerial, vão inteiros para a obra de António Pires de Lima...
Registe-se a ironia de um poste que, começado tão poético, acabou tão (merecidamente) escatológico.

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