30 novembro 2015

LEMBRAM-SE DE KENNETH STARR, O PROCURADOR «INDEPENDENTE»?

Porque a história já tem mais de 15 anos, há a tendência para nos esquecermos dos contornos da investigação de Kenneth Starr, o procurador «independente» (e as notícias nunca pareciam esquecer-se de mencionar essa característica da independência) que fora encarregado de investigar um escândalo imobiliário a que os Clintons haviam estado associados (o caso Whitewater). Mas no final, o que perdurou para a história nada teve a ver com especulações imobiliárias, mas antes com uma estagiária da Casa Branca chamada Monica Lewinsky, um charuto, um vestido azul manchado de sémen, páginas e páginas com elaboradas considerações do conceito do que consistirá a expressão relações sexuais e um acusador que se imbuíra de uma sanha persecutória para com Bill Clinton que chegara ao ponto de propor a sua destituição por ele ter sido (no mínimo...) evasivo nos detalhes da forma como descrevera que se envolvera sexualmente com Monica Lewinsky. Os Estados Unidos são um dos poucos países do mundo onde carreiras políticas podem ser destruídas quando se sabe que os protagonistas andam a pôr a pila onde não devem mas, mesmo assim e a esta distância temporal, dá para perceber quanto o assunto não passava de uma paródia e que só não podia ser e só não foi tratado assim dado os seus contornos políticos.

O que nos leva ao assunto da actualidade que me lembrou Kenneth Starr, a sua «independência», e como estes assuntos judiciais que bordejam a política se podem tornar volúveis. Foram os últimos desenvolvimentos do caso dos vistos Gold, envolvendo especificamente o ex-ministro Miguel Macedo, cujas imagens do interrogatório judicial foram obtidas ilegalmente e transmitidas pela televisão do Correio da Manhã. Parece-me indício que, por comparação com outros processos judiciais também de grande visibilidade mediática, Ministério Público e Correio da Manhã se estarão a reger por uma conduta semelhante à que já nos vinham habituando nesses outros casos. O que me intriga agora descobrir ,entre os agentes «independentes» que costumo ouvir opinar sobre estes assuntos, é se, por acção ou por omissão (ele há silêncios ruidosos...), prevalece coerentemente aquilo que havia por eles sido opinado até aqui, quando o exemplo de referência da mistura entre justiça, política e informação, era apenas o do caso de José Sócrates...

Vamos lá a ver se, daqui por 15 anos, em 2030, um e outro caso também não terão passado de uma paródia...

A LEI DE MURPHY E O «SANTO GRAAL» DA PERFEIÇÃO

Nesta era em que a imagem se tornou preponderante, é uma tremenda injustiça que o retratado acima não seja reconhecido por praticamente ninguém. Edward Murphy Jr. (1918-1990) é o engenheiro aeroespacial a quem se deve uma das maravilhas da ciência moderna: a Lei que formulou, que ficou com o seu nome e que se pode concretizar da seguinte forma: Quando há qualquer coisa que pode correr mal, ela acontece. Depois a reflexão expandiu-se até se ter tornado hoje numa disciplina. É um problema típico de algumas ciências do Século XX, o de quererem reduzir a probabilidade de ocorrência de erros aos 0%. É um pensamento que nos conforta imenso quando viajamos de avião mas reflita-se e compare-se a saga da exploração marítima portuguesa do Século XV com os períodos pioneiros da exploração aeronáutica e aeroespacial no Século XX, o ramo de Murphy. A primeira está redigida à volta dos que foram bem sucedidos (Gil Eanes, Diogo Cão, Bartolomeu Dias ou Vasco da Gama), desconhecendo nós hoje os nomes de todos aqueles que tentaram mas que foram mal sucedidos. Em contraste, ao lado da história dos pioneiros do ar e do espaço (Louis Bleriot, Charles Lindbergh, Iuri Gagarin ou Neil Armstrong), existe uma atenção específica dedicada aos mártires dessas outras histórias modernas, funcionando como uma espécie de complexo de culpa científico e de estímulo à busca infindável pela perfeição.

29 novembro 2015

UM FILME QUE, MESMO DADO, TER-ME-IA SAÍDO CARO

Só me decidi a comprar o DVD porque estava em promoção na FNAC, e apenas a 5 euros. Mesmo assim, senti-me lesado. O meu desapontamento com este Lobo de Wall Street foi tal que só me sentiria compensado se me tivessem pago 5 euros para o ver.  

ANGOLA: «WITH A LITTLE HELP FROM MY FRIENDS»

A Internacional Socialista organizou uma das suas reuniões anuais em Luanda com o MPLA a desempenhar o papel de anfitrião. Conforme se lê no Jornal de Angola, o conselho da Internacional Socialista encorajou o MPLA e o seu líder, José Eduardo dos Santos, a prosseguirem os esforços para a consolidação da democracia e de um estado de direito, assente no respeito das liberdades fundamentais dos cidadãos. O currículo recente de Angola é conhecido: o MPLA ganha eleições com votações esmagadoras (72% dos votos em 2012) e trata os dissidentes como tem sido tornado cada vez mais público (já este ano). Acresce a isso que o MPLA está no poder há 40 anos e o seu líder, José Eduardo dos Santos, preside ao país há 36 anos, períodos de tempo a fazerem lembrar em longevidade Salazar e o Estado Novo (1926-1974)¹. O encorajamento é despropositadamente ridículo atendendo às circunstâncias - e é para o realçar que insiro a imagem abaixo, um apelo cívico e aquilo que será o equivalente de uma bandeira azul numa praia angolana - mas o pior é que teria sido dispensável que o Partido Socialista português fosse avalizar com a presença de uma comitiva sua todo aquele disparate. A não ser que mais uma vez se confirme a constatação que os partidos políticos portugueses têm princípios mas só quando estão na oposição e que os perdem (tornando-se automaticamente pragmáticos) tão logo chegam ao poder. É evidente que se tratou de uma comitiva de importância secundária mas, mesmo assim, agora e para que a tradição se mantenha, à pirueta protagonizada por Porfírio Silva, que encabeçou a comitiva socialista, só nos falta a reciprocidade de ouvir um Marco António Costa (PSD) ou um Paulo Portas (CDS/PP) a acusarem os socialistas de conivência com a repressão do regime angolano...
¹ A propósito e porque a escala temporal é precisamente a mesma, alguém imagina uma organização internacional a apelar em 1968 a Salazar e à União Nacional para que reconvertessem o Estado Novo português numa democracia?...

28 novembro 2015

TV NOSTALGIA 82 (Carrocel Mágico)

Tenho a impressão que só colherei concordâncias quando afirmo que só dará para matar as saudades de um episódio de Carrocel Mágico se ele for transmitido como no original: a preto e branco. As cores estavam reservadas para as páginas promocionais das revistas como a acima, onde se prometia um boneco a acompanhar cada gelado Olá. Uma técnica para ir completando a colecção e evitar repetições era apalpar o gelado ainda embrulhado para ver se o que lá estava se assemelhava a algum boneco que já tivéssemos. Note-se que a promoção fala em 16 bonecos diferentes e só se identificam 14 bonecos. É que a trotinete e o realejo eram considerados à parte, o que terá sido origem de muitos mal entendidos desapontados...Num mesmo patamar de popularidade mas num outro de sofisticação, um prédio de Lisboa, situado na Rua Braancamp, um arrojado projecto de arquitectura, acabou recebendo o nome de Franjinhas em alusão ao cão, um dos principais protagonistas da série.

27 novembro 2015

CONVERSAS À QUINTA (IV) - o ausente que desejava cá ter estado e o presente que parecia desejar ter estado alhures

Já por diversas vezes dei aqui conta de que sou um seguidor desta tertúlia semanal patrocinada pelo Observador, com a presença de Jaime Gama e Jaime Nogueira Pinto, complementado por um moderador demasiadamente cheio das suas opiniões: José Manuel Fernandes. Sinto-me um pouco injusto quando só chamo a atenção para as anomalias que por lá se registam, a maior parte delas por culpa de José Manuel Fernandes, que funciona assim como o cómico do trio, com o bónus de a maioria das suas piadas serem involuntárias. A última delas está associada ao programa desta semana que teve por tema - dada a proximidade da data - o 25 de Novembro de 1975. Havia um comentador que tinha estado presente quando dos acontecimentos: Jaime Gama. Havia um comentador que não tinha estado presente - Jaime Nogueira Pinto - mas que fez o possível para passar por próximo dos acontecimentos, alegando que naquele mês de Novembro até tinha estado exilado em Espanha¹, vindo do Brasil. E havia um moderador que, tendo estado também presente, quis funcionar como contrarregra e em caso algum deu um cunho pessoal aos comentários que foi fazendo aos acontecimentos, não nos fôssemos recordar por que paragens políticas (extrema-esquerda) ele vogava nessa altura. E, por ter feito os impossíveis por o passar por esquecido, é que eu penso que vale a pena ser recordado. Numa outra perspectiva, deve-se a Jaime Gama aquela que considero a conclusão maior do programa (que subscrevo), desmentindo um revisionismo posterior que se tende a perpetuar e que tende a absolver o papel do então presidente da República, Francisco da Costa Gomes: Não é a ele (Costa Gomes) que se deve uma vitória do projecto moderado em Portugal. De forma alguma.

¹ É o género de alegação, o da maior ou menos proximidade geográfica, para se tomar com um grão de sal. O facto de nós, portugueses, estarmos em Portugal quando dos últimos estertores de Franco e do seu regime na Espanha vizinha (faleceu a 20 de Novembro de 1975), não nos tornou particularmente sensíveis a essa fase do processo da transição espanhola.

«DAMA COM ARMINHO»

Dama com Arminho é um quadro de Leonardo da Vinci (1452-1519), um dos raros (quatro) retratos femininos que lhe são indiscutivelmente atribuídos pelos especialistas, retratos esses entre os quais se conta aquele que será o mais famoso do Mundo, o da Mona Lisa. Esta Dama com Arminho, que está actualmente exposta em Cracóvia na Polónia, e que retrata Cecília Gallerani, a amante de então do Duque de Milão, foi pintado entre dez a quinze anos antes da Gioconda, e tem uma dimensão pouco maior do que metade do outro retrato muito mais famoso. Os estudos a que a pintura foi submetida porém, empregando fotografias utilizando diferentes comprimentos de onda, revelam-nos uma evolução progressiva na composição do quadro, em que a retratada aparece originalmente sem qualquer animal, para depois de mudar de bicho, até assentar num arminho de pelo claro. Esta conversa é sobre pintura, mas não acho despropositado estendê-la até à forma retocada como foram tomando forma os acordos políticos, discretos e um pouco opacos, que sustentam o governo socialista que ontem tomou posse. O resultado final foi o que foi, mas ainda nem toda a história foi contada para se perceber porque o foi assim.

26 novembro 2015

«VÃO-SE FODER!»

Há apenas três dias (acima), o conjunto da imprensa portuguesa transmitia uma imagem de uma Bruxelas resignada ao nosso calendário político local, à romaria que Cavaco Silva fez desfilar às portas de Belém, e que isso se devia muito graças ao mérito das capacidades persuasivas de Maria Luís Albuquerque que terá feito compreender aos seus amigos das razões do atraso pelo governo português na entrega do plano orçamental. Três dias depois, o governo tomou posse hoje, pronunciaram-se os discursos, a tinta das assinaturas ainda não secou e, a atender pelo que se escreve ainda no próprio dia na mesma imprensa, a palavra chave a respeito do que chega de Bruxelas passou a ser rapidamente ou muito rapidamente. Nem vale a pena perguntar quem estará por detrás desta inflexão súbita. Ainda haverá alguém que se atreva a chamar a isto jornalismo? Eu cresci acostumado a que havia jornais e, em complemento, havia uma imprensa partidária como o Povo Livre (PPD), o Acção Socialista (PS) ou o Avante! (PCP) Actualmente as agências de comunicação sofisticaram-se e conseguem que todos se comportem como o Povo Livre ou o Avante!

25 novembro 2015

O PREC 1 e o PREC 2

Há quarenta anos, o sindicato dos trabalhadores da construção civil do distrito de Lisboa comprava uma meia página de um vespertino da capital (abaixo à esquerda) para nela publicar um comunicado seu onde se rematava: Não a uma solução de direita - Apoio aos militares e unidades progressistas - Não aos saneamentos à esquerda no governo militar de Lisboa.
Quarenta anos depois, quem dirige a CIP já não precisa de comprar espaço em jornal, apenas de se pôr a jeito para uma entrevista (à RR) onde passe os seus recados: "Se houver legislação contrária aos interesses das empresas (...) aí teremos que travar novos combates. (...) Travaremos esses combates, (...) porque há linhas, vamos chamar-lhes vermelhas, das quais não abdicaremos.

Seja no PREC 1, seja no PREC 2, é sempre um prazer ver organizações operárias e patronais a evitarem imiscuir-se na política dura e dedicarem-se às suas funções de concertação social...

EVOLUÇÃO DOS EFECTIVOS DO BATALHÃO COLEGIAL de 1909 a 2008

Este quadro acima mostra o que foi a evolução dos efectivos dos alunos do Colégio Militar nos últimos cem anos (de 1909 a 2008), tais quais os dados que constam de Meninos da Luz Quem é Quem II, livro publicado pela AAACM em 2008. É interessante estudá-lo porque as conclusões que de ali se tiram nem sempre concordarão com o discurso prevalecente a respeito do que foi o passado da instituição. A primeira conclusão que gostaria de destacar refere-se ao século que precede o que aparece no gráfico, o século XIX. Ao longo dele, a hoje bicentenária instituição atravessou um primeiro século longe de ser memorável. Como aqui tive oportunidade de destacar já há dois anos num outro poste, apesar do que hoje se quer fazer crer, os governos da monarquia, e a instituição em si, não foram os promotores mais activos do Colégio Militar. Em 1909, ano penúltimo da monarquia, o batalhão colegial tinha 334 alunos, um efectivo que só veio a ser atingido novamente na fase de quase colapso do final da Segunda Guerra Mundial (1945). E vale a pena acrescentar que, numa fase inicial, o entusiasmo da 1ª República que se seguiu à monarquia por aquela instituição não variou significativamente. Até 1917. Quiçá pela entrada de Portugal na Primeira Guerra Mundial, quiçá por outras razões, os efectivos do batalhão colegial cresceram abruptamente em quase ⅓ em pouco anos, atingindo e superando os 460 no quadriénio de 1925-28. Data desses anos - e só desses anos, que a monarquia nos cento e sete anos iniciais nunca se terá lembrado de o fazer... - conceder a primeira grande condecoração recebida pelo estandarte do Colégio Militar: o grau de membro honorário da Ordem Militar da Torre e Espada de Valor Lealdade e Mérito.
Na fotografia acima de Outubro de 1923, a cerimónia da abertura do ano lectivo do Colégio Militar é distinguida pela presença simultânea tanto do Chefe do Estado, Manuel Teixeira Gomes (à esquerda) quanto do Chefe de Governo, António Maria da Silva (ao centro, cumprimentando-o), diante da continência do anfitrião, o director do Colégio Militar, general Bernardo de Faria e Silva. Nunca mais as cerimónias oficiais do Colégio Militar conseguiram congregar a presença simultânea de ambas as figuras mais importantes do Estado. Após do Golpe Militar de 28 de Maio de 1926, os efectivos de alunos do Colégio Militar sofrem uma pequena mas abrupta queda até 1930 (413 alunos) depois retomada até 1935/36 (de novo 460 alunos) com a progressiva instalação das instituições do Estado Novo. Mas o apoio do Estado Novo ao Colégio Militar é, no mínimo, um apoio equívoco. Nesta fotografia abaixo da cerimónia da abertura do ano lectivo de 1937, continua a ser o Chefe do Estado, Óscar Carmona (ex-aluno 24/1882) a presidir à cerimónia, mas quem se identifica por detrás de si e do comandante de batalhão (aluno 251 - Hidalgo Barata) é Santos Costa, subsecretário de Estado da Guerra, eminência parda do ministério, cujo titular formal era então Oliveira Salazar¹. Nos oito anos que se seguirão, o Colégio Militar vai atravessar um dos piores, senão mesmo o pior momento da sua existência: verá cair os efectivos do batalhão colegial de ⅓, desde os mais de 460 alunos de 1936 até aos 300 com que contava em 1945, o ano do fim da Segunda Guerra Mundial.
Constato, sem conseguir explicar, a recuperação que se registou a partir daí até aos finais da década de 1950. Em 1958, o Colégio Militar tinha 437 alunos e, sobretudo, esse crescimento da população escolar fora feito sem sacrificar a imagem de excelência da selecção dos admitidos e do ensino que era ministrado. Numa confissão sã e descomprometida, o próprio ex-presidente Jorge Sampaio admitiu nas suas memórias que concorrera (e chumbara) em 1949 nas suas provas de admissão ao Colégio Militar. Em 1958, a inauguração do novo edifício do Corpo de Alunos propiciou outras facilidades logísticas que permitiram que o batalhão colegial passasse em quatro anos (1958-62) de uma forma abrupta 437 para 600 alunos. Em cima disso, a eclosão das guerras em África e o aumento da rotação das colocações dos oficiais das Forças Armadas foram factores que pressionaram os efectivos colegiais a prosseguir no seu aumento até roçarem os 700 em 1975. São os anos - que hoje poderão parecer muito estranhos a quem não os viveu - em que o chefe do Estado - o almirante Américo Thomaz (que nem era ex-aluno, abaixo ao centro) - não faltava a uma cerimónia de uma abertura solene do ano lectivo do Colégio Militar. E nada de receber medalhas a magote (abaixo): cada um ia lá sozinho e, se fossem mais do que um(a), recebia as medalhas e os prémios que tivesse a receber logo todos de uma vez para poupar a veneranda figura do chefe do Estado!
Depois do 25 de Abril, Spínola, Costa Gomes, (por acaso, ambos ex-alunos) e depois Eanes deixaram de ter tempo de comparecer anualmente nas cerimónias do Colégio Militar. A não ser excepcionalmente: em 1978 Eanes estava presente quando da cerimónia dos 175 anos da instituição. Nos oito anos que se seguiram à descolonização (1975-1983), o Colégio Militar perdeu consistentemente alunos a cada ano que passava (de mais de 680 para 480 alunos). E, nos nove anos depois disso (1983-1992), embora a tendência fosse menos nítida, o saldo foi, mesmo assim, assaz negativo (de 480 para 410 alunos). Era também um reflexo da diminuição da importância da função dos militares na sociedade portuguesa e era evidente que Portugal e a sociedade portuguesa haviam sofrido, para além dessa, outras transformações substanciais a que o Colégio Militar ter-se-ia que adaptar. É reconhecível no gráfico inicial o esforço que foi desenvolvido entre 1992 e 2004, que conseguiu elevar a frequência de alunos do batalhão colegial de novo para números superiores a 500. Mas também era reconhecível como essa dinâmica parecia estar-se a esgotar de 2004 para cá. Sobre o futuro do Colégio Militar, já li por aí muitas opiniões: umas com que concordo, outras com que discordo, outras que nem percebo o que querem; numa outra classificação, paralela à anterior, há as que me parecem fundamentadas, e as básicas, que se esquecem disto: para ter sobrevivido durante 200 anos o Colégio Militar já teve que se adaptar e ter sido imensas coisas que dessem respostas à sociedade onde se inseriram e não apenas aquilo que o opinador quer preservar dos tempos em o frequentou.
Nota final: Isto é uma espécie de aposta com um leitor deste blogue, também ele ex-aluno do Colégio Militar, sobre o hipotético acolhimento de uma análise que se pretende séria sobre assuntos relacionados com o Colégio Militar.

¹ Tudo indicia que o interesse pessoal do omnipotente presidente do Conselho António Salazar pelo destino do Colégio Militar fosse, nesses anos, muito mitigado. Tanto assim que o lóbi dos ex-alunos, encabeçado por Humberto Delgado (ex-aluno 398/1916) se lembrou de, numa operação manteigueira, lhe oferecer em 1939 um estojo com todas as medalhas escolares fazendo de Salazar um ex-aluno honorário (abaixo). Sintoma da indiferença de Salazar, a cerimónia, que fora prevista originalmente para ser realizada com todo o estadão a 3 de Março de 1939, dia do 136º aniversário do Colégio Militar, foi desmarcada por impossibilidade do próprio homenageado para as cerimónias de encerramento oficial desse ano lectivo em Junho de 1939, novamente desmarcada por nova impossibilidade de Salazar, e o estojo acabou por lhe ser entregue numa cerimónia discreta no seu gabinete em Novembro desse ano... Que manteiga mais mal empregada!

24 novembro 2015

O PODER DOS DOCUMENTOS

Em política pode haver documentos que valem muito menos pelo conteúdo do que por quem os assina. Há quarenta anos, durante o Verão Quente do PREC apareceu um desses documentos, conhecido originalmente por Documento Melo Antunes (autor) e posteriormente por Documento dos Nove, em alusão aos nove membros da ala moderada do MFA que o assinaram originalmente. Não importaria assim tanto o conteúdo do documento (na sua candura, Vasco Lourenço, um dos nove, terá confessado tê-lo assinado sem o ler) mas aquilo que representava como contestação à linha prevalecente (pró-comunista) até aí no MFA. Depois foi o que se soube, de 8 de Agosto até ao 25 de Novembro de 1975. Há documentos assim que, sem um grande valor intrínseco aparente, podem servir de catalisadores de inflexões políticas importantes - será talvez também o caso destes tão esmiuçados acordos tetralaterais entre PS, BE, PCP e PEV. O de há quarenta anos, procurava mostrar que haveria alternativas àquele socialismo, o actual procurando mostrar que pode haver alternativas ao liberalismo. Mas o que mais me interessa recordar neste género de documentos é como a sua utilização e o seu combate são mais do que ideológicos e permanecem transversais no estilo a todo o espectro político: no dia seguinte ao da sua publicação, o Documento dos Nove era apreciado no Diário de Lisboa pelos partidos políticos, com os editores do jornal a começar por dar destaque (antes dos principais partidos PS, PPD e PCP) às críticas contundentes do MES (organização que não conseguira eleger qualquer deputado à Constituinte...), onde, por curiosidade, pontificava, entre outros, Eduardo Ferro Rodrigues, o actual presidente da Assembleia da República...

O MOMENTO GRANDE DE DOIS HOMENS PEQUENINOS

Que me desculpem os apoiantes das duas facções - embora tenha sentido que as fileiras pró-Cavaco estão cada vez mais desertas... - mas eu não consigo antecipar nada de elevado nesta resolução da situação política, em que Cavaco Silva tem que indigitar mas não o quer fazer. Houvesse princípios e vontade de se conduzir de acordo com eles e por aí circulariam rumores da eventual decisão de Cavaco Silva antecipar a sua demissão do cargo para não se sentir violentado com a sua associação a uma solução governativa à qual já utilizou todos os expedientes mostrando que se lhe opõe. De forma simétrica, houvesse esses mesmos princípios e vontade de se conduzir de acordo com eles e, a acompanhar a seca carta de resposta às solicitações de Cavaco Silva, circulariam rumores da eventual decisão de António Costa de se dispor a romper as conversações e não alimentar mais um processo onde a parcialidade do juiz (Cavaco Silva) se tornava evidente por demais. Não circularam esses rumores mas também era dispensável que circulassem porque tenderiam a não ser levados a sério se tivessem existido. Porque sabemos que Cavaco Silva está demasiado agarrado ao poder e que António Costa demasiado ansioso de lá chegar para que ameaças daquele jaez fossem credíveis (como eram, por exemplo, as de Sá Carneiro). Uma nota final, irónica: agora era uma boa oportunidade de regressar a um tema recorrente dos últimos vinte anos: o da falta de poderes presidenciais. A situação parece desmenti-lo e corroborar a minha tese que, mais do que falta de poderes, o que houve nos últimos vinte anos foi uma falta de estatura política dos titulares do cargo: Jorge Sampaio, quando quis correr com Santana Lopes, correu com ele porque sim; e Cavaco Silva, quando não quer nomear António Costa também está a levantar todos os obstáculos a nomeá-lo, porque não.

23 novembro 2015

EVOLUÇÃO DO «MAILLOT» DE BANHO - Séculos XIX, XX e XXI

UM «ESTILO» E UM «CHARME»

Quando a fotógrafa catalã Colita tirou esta fotografia em 1976 ao escritor peruano Mário Vargas Llosa mal imaginaria que estaria a definir um estilo e um charme daquele que viria daí por 30 anos a ser um famoso vilão da cinematografia, o assassino psicopata Anton Chigurh do filme Este País não é para Velhos, interpretado pelo espanhol Javier Bardem, que veio até a receber um Óscar por aquele desempenho (2007). Do estilo do penteado, alega-se que Bardem terá desabafado que, com ele, seria garantido que não iria conseguir dormir com ninguém nos próximos dois meses.

22 novembro 2015

A IRLANDA. LEMBRAM-SE?

Na edição desta semana da The Economist há uma página dedicada à economia irlandesa (Celtic Phoenix). Por ali se lê que a economia irlandesa cresceu 5,2% em 2014 e 7,0% no primeiro semestre deste ano; que o desemprego desceu de um máximo de 15,2% nos inícios de 2012 até aos 8,9% em Outubro passado ou que a relação entre a dívida pública e o PIB descerá abaixo dos 100% no final do ano, depois de ter andado pelos 120% em 2012 e 2013. Enfim, a economia irlandesa parece ter atingido aquelas terras de leite e mel que nos haviam sido prometidas por Passos Coelho & Co. depois dos sacrifícios e purgas a que o seu governo nos iria submeter. E que tardam a revelar-se por cá, qualquer que seja o indicador. Onde a equipa governamental (em vias de deixar de o ser) mostra toda a sua excelência não é em explicar porque é aquilo que acontece na Irlanda não se repete por cá; a habilidade está toda em fazer desaparecer a Irlanda do radar mediático, especialmente depois (não sei se se recordam) de ela ter sido tão referenciada para a tão debatida saída limpa do programa de assistência... É que assim já não é preciso explicar nada e os resultados alcançados cá em Portugal também são um sucesso.

21 novembro 2015

UM TRISTE ESPECTÁCULO


Algo me parece assaz bizarro no ambiente político quando um popularizado (mas não respeitado...) cronista recorre num dos seus textos deste fim de semana a palavras de siso com as quais, surpreendentemente, me vejo a concordar. Parece-me indício claro que o estupor político se está a tornar muito mais entorpecente que o estupor alcoólico.

20 novembro 2015

VLADIMIR PUTIN, E A SOLUÇÃO RUSSA PARA VENCER UMA GUERRA SUBVERSIVA

Grozny, Janeiro de 1995. Soldados russos celebram no meio das ruínas dessa antiga capital de uma antiga República Autónoma soviética a sua vitória durante a primeira guerra de secessão da Chechénia (1994-1996). Além de não parecerem incomodados de todo pelo ambiente que rodeia as suas celebrações, os soldados parecem retirar mesmo um certo alento de toda a destruição circundante, numa iconografia que é especificamente russa e forjada nas vitórias do passado em paisagens muito semelhantes às retratadas, casos de Stalinegrado (1943) e de Berlim (1945). Grozny foi depois reconstruída e entretanto tornou-se a travar nova guerra de secessão da Chechénia (1999-2000). Embora tivesse tido um grau de destruição muito inferior à precedente teve o mesmo desfecho da anterior: a vitória militar dos russos. Desde então, o conflito assumiu uma dimensão assimétrica, com as forças independentistas, cada vez mais conotadas com as organizações radicais islâmicas, a recorrerem cada vez mais ao terrorismo. Por isso, quando Vladimir Putin reclama uma certa precedência de intervenção nos assuntos sírios, há que lhe reconhecer a validade dos argumentos. Agora, o que será dispensável é embarcar no efeito potenkinico das suas proclamações para os media. Lá por os norte-americanos não resolverem o problema na Síria, não será o discurso mais musculado do russo que é garantia que o resolverá, como tanto tenho lido, com alguma ingenuidade por aí. Há 20 anos Grozny estava arrasada e os russos celebravam; a actualidade mostra que isso não era a solução do problema...

EM POLÍTICA MUDOU-SE MUITO NESTES 36 ANOS...

Em Dezembro de 1979 a Aliança Democrática (composta pelo PSD, CDS e PPM) venceu as eleições intercalares que se realizaram a 2 desse mês. Francisco Sá Carneiro arriscara tudo ao anunciar que não se encarregaria de formar governo caso não alcançasse uma maioria absoluta no parlamento. Mas conseguiu-a, quase tangencial, essa maioria de 6 lugares (128 lugares para os partidos da coligação entre os 250 que então compunham a Assembleia da República) que, embora também pudesse ser qualificada de poucochinha, sempre serviria para fazer aprovar a legislação que o VI Governo entendesse promulgar sem estar dependente das boas vontades de partidos externos à coligação. Note-se que os 128 deputados eleitos nas listas da AD estavam distribuídos internamente em 80 pelo PSD, 43 pelo CDS e 5 pelo PPM. Acresce a isso que o PSD entendera unilateralmente fazer um acordo com um clube de intelectuais (conhecidos por Reformadores) a quem concedera 5 dos seus lugares. Formalmente, o bloco dos deputados do PSD (75) era apenas superior em 1 ao do PS (74), mas isso, por muito que soasse impressivo na época, é hoje um rodapé da história.

19 novembro 2015

AQUELAS PERGUNTAS OBVIAMENTE ESTÚPIDAS QUE EU NÃO VEJO NINGUÉM FAZER...

Hoje foi dia em que Cavaco Silva recebeu... economistas. Sete, senão mesmo oito se acrescentarmos o governador do Banco de Portugal. O critério para os escolher é o do presidente e ele não nos explicou qual foi. Embora sejam muito mais fáceis de tentar explicar (os tais critérios do presidente) do que os mecanismos dos mercados, a verdade é que aos jornais económicos nunca os vi arriscarem-se a explicarem porque Cavaco Silva quer ouvir uns economistas em vez de outros, enquanto explicações para o comportamento bolsista são o pão nosso de cada dia. Quanto a sondar as intenções profundas da presidência, nada: publicam a agenda das reuniões e ponto. Nem se interrogam sobre aquilo que me parece óbvio: porque é que, entre os oito economistas auscultados, nenhum deles se chama Manuela Ferreira Leite? Zangaram-se desde que a foto acima foi tomada?

O PODER AERO-NAVAL DOS ALIADOS DURANTE A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

Estas duas fotografias foram tiradas de ângulos muito semelhantes, de dois navios também semelhantes, porta-aviões qualquer deles, o HMS Victorious à esquerda, o USS Yorktown à direita. Há apenas dois anos a separá-las, às fotografias, uma de 1941 e a colorida de 1943. Há uma guerra em curso que atravessa o período em que ambas foram tomadas: a Segunda Guerra Mundial. E contudo, em todas essas identidades podemos descobrir substanciais diferenças porque mesmo um olho de leigo identifica a diferença da potência da aviação embarcada, entre os 36 (de dotação teórica) Albacore biplanos dos britânicos e os (propositadamente) incontáveis Hellcats americanos, muito mais imponentes e, de facto, muito mais poderosos, já que o estado da arte das operações aeronavais estava então mais avançado em cerca de meia dúzia de anos no Pacífico do que no Atlântico. Tudo isto para, numa atitude pedagógica e atendendo ao fervor da argumentação do momento político, acautelar quanto as analogias que se ouvem por aí não me parecem estar a ser evocadas com propósito nem moderação.

18 novembro 2015

O QUE EU CONTINUO A NÃO VER REFERIDO SOBRE A VOTAÇÃO DA MOÇÃO DE REJEIÇÃO

No próprio dia em que ocorreu a esplendorosa barracada do fracasso do modernizadíssimo sistema de votação dos deputados eu assinalei-a aqui no blogue. Manifestando-me como foi um desconsolo perder aquela oportunidade de ver a expressão das vontades dos nossos parlamentares naquela votação tão importante (a moção de rejeição ao governo) traduzidas de forma automática em quadros electrónicos distribuídos pela sala. Mas também estranhando ter só sido eu a estranhá-lo, ao fiasco, e questionando se do evento se retirariam consequências profissionais para quem teria de assumir as suas responsabilidades. Ou quiçá, uma justificação pública aos portugueses. Mas, confesso agora, fiz um pouco mais. Enviei a expressão de algumas ideias expressas acima e contidas no poste em seis mensagens idênticas endereçadas aos serviços de informática da AR e a cada um dos cinco grupos parlamentares (PSD, PS, BE, CDS/PP e PCP). E fiquei à espera. O que considero espantoso é o número de pessoas a quem já contei tudo isto e que antecipam acertadamente o número de respostas recebidas até hoje... Ora, tudo isto que aqui narrei (incluindo as respostas), é política, não a que os profissionais da dita gostam de tratar, mas aquela que nos interesse mais ver resolvida, porque há que reconhecer que em certas coisas importantes, as incompetências são transversais ao espectro político.

JONAH LOMU (1975-2015)

A grande imagem desportiva do RWC de 1995 não teve nada a ver com os sul africanos e com Nelson Mandela a envergar a camisola dos Springboks. Isso são as histórias de quem apenas se apropria do desporto para outros fins, ainda que nesse caso possam ser hoje considerados benignos e terem sido muito aplaudidos. Mas o verdadeiro grande momento desportivo desse Mundial é aquela jogada em que Jonah Lomu, a caminho de marcar ensaio mas já em desequilíbrio e em vez de fugir para evitar a placagem do defesa inglês Mike Catt, aponta para ele e passa-lhe literalmente por cima, atropelando-o.

Como aqui reconheci já há quatro anos em jeito de paródia, se não reconheço a Jonah Lomu o estatuto de ter sido o maior jogador de rugby do mundo foi só por causa de... Obélix. Mais a sério, uma das vantagens das novas tecnologias nestes momentos é que podemos despedirmo-nos daqueles que partem naquela perspectiva dinâmica em que eles merecem ser recordados.

17 novembro 2015

A IMPORTÂNCIA DE UMA «NAÇÃO» COMO A PÓVOA DO LANHOSO

Como ontem se noticiava na TVI24 e no resto da comunicação social portuguesa, a mãe do terrorista era da Póvoa do Lanhoso , quanto muito do distrito de Braga , mas portuguesa é que não seria certamente e muito menos teria transmitido essa característica ao filho. Porque portugueses associados aos atentados parece que só podem ter sido as vítimas, mesmo que as suas conexões com Portugal sejam identicamente remotas . Esta é uma demonstração canónica de onde até se pode ir para distorcer a lógica dos factos na busca de agradar às audiências na comunicação social moderna. Não são só os políticos que não gostam de dar más notícias: os jornalistas também não gostam de aparecerem associados a elas. Não servindo para mais nada, estes episódios cristalinos - deve ser só porque cai mal que o terrorista também não pode ser um luso-descentente... - mostram a aberração que grassa nesse mundo que cada vez menos é de comunicação social para se perceber cada vez mais como o mundo da manipulação comunicativa.

16 novembro 2015

MARTE de GUSTAV HOLST


Ontem, num episódio da série televisiva Lewis uma orquestra ensaiava esta peça sem eu a conseguir identificar: partidas que a memória nos começa a pregar cada vez mais. Chama-se Marte. É um dos movimentos de uma suíte composta durante o período da Primeira Guerra Mundial pelo britânico Gustav Holst (1874-1934) e que se intitula os Planetas: são sete movimentos, cada um com o nome de um planeta. O facto poderá levar o leitor (como já aconteceu a muitos antes de si, onde me incluo) a pensar que a perspectiva do compositor fosse a astronómica. Esse equívoco ainda hoje se perpetua e ele também se constata, por exemplo, pela decoração escolhida para os vídeos do You Tube, onde são predominantemente escolhidas fotografias do respectivo planeta para ilustrar cada movimento. Na verdade, a perspectiva de Gustav Holst ao compor a suíte era meramente astrológica. Isso explica a sequência musical da suíte (que seria anacrónica quando comparada com a forma como os planetas se dispõem no espaço): Marte, Vénus, Mercúrio, Júpiter, Saturno, Úrano e Neptuno. Um outro planeta da suíte também frequentemente escutado (sem ser reconhecido) é Júpiter.

UM KAMIKAZE?

Perante o grande silêncio que rodeia a presidência quanto às suas intenções, embora indiciando muito pouca pressa em aprontar solução para a situação criada com o chumbo do XX governo, permitam-me a especulação de que Cavaco Silva só se contentará em chegar à solução do governo PS (e apoio BE/PCP) depois de forçar as formações da esquerda a rejeitar ainda por mais uma vez outra solução de governo. Desta próxima vez, para que algo mude, seria um governo dirigido por uma personalidade escolhida pelo presidente (o tal governo de iniciativa presidencial que deixou de o ser formalmente) a quem ouviremos de Cavaco Silva os maiores elogios sobre os predicados da sua pessoa mormente a sua preocupação em alcançar um compromisso de salvação nacional (ou outra forma parafraseada das expressões usadas por si em Julho de 2013). A ideia seria forçar os partidos da esquerda a rejeitar a nova solução política acreditando-se que o gesto acabará por os desgastar. Mesmo parecendo ser uma excelente manobra política tem um óbice: é preciso encontrar um voluntário que combine prestígio com algum desengajamento das duas grandes correntes políticas que se extremaram, inexperiência e/ou ingenuidade, o que nos tempos políticos que correm é assim como uma espécie selvagem protegida e em vias de extinção. Seria um kamikaze porque o seu governo seria constituído apenas para ser derrubado, mas não dos tradicionais, porque se excluiriam do perfil necessário todos os mais voluntariosos que estão sempre prontos a dar o corpo às balas nestas circunstâncias. Por ser raro o perfil do kamikaze é que não seria surpreendente que as hipotéticas sondagens prévias de Belém tivessem tido resultados consecutivamente infrutíferos, e é assim também que, porque não haveria (ainda) ninguém à mão, uma viagem até à Madeira poderá não ser propriamente uma perda de tempo como se critica o presidente. Isto sou eu a inventar, claro!

15 novembro 2015

PARIS JÁ ESTÁ A ARDER?

Por coincidência estava (e estou) a reler, passados muitos anos, Paris já está a arder?, quando se verificaram os ataques terroristas da última Sexta-Feira. É uma analogia que nos ocorre imediatamente. Mas foram acontecimentos muito diferentes. A começar pelo número de vítimas: a insurreição de Paris custou diariamente um número de vítimas do lado francês equivalente ao de todos os ataques recentes - 125 mortos e 479 feridos no primeiro dia da insurreição (19 de Agosto de 1944), 106 mortos e 357 feridos no dia seguinte (como se lê na página 204 daquele livro). Já não se consegue agora estimar quantos deles terão sido vítimas colaterais. Porque manda a realidade reconhecer que depois de morrerem e considerado o desfecho da Libertação de Paris a 25 de Agosto de 1944 era socialmente muito mais prestigiante que o não tivessem sido (vítimas colaterais). As batalhas simbólicas, porque possuem uma carga emocional acrescida podem ter destes paradoxos. E a de anteontem não será excepção. Haverá muito por dizer que não será oportuno enfatizar por agora. Há quase um ano, François Hollande anunciava a França pronta a "multiplicar as acções" contra o Daesh. Continua sem se saber muito bem o que se passa por lá (pela Síria e pelo Iraque). Não tanto por dificuldade de acesso à informação mas pela dificuldade em a simplificar, arrumando as facções combatentes em boas e más, como é o gosto da opinião pública ocidental (tanto mais que os combatentes de umas e outras entoam ambos o Allahu Akbar característicos dos devotos...). Ora, nesta era da informação, importa ter as opiniões públicas esclarecidas das operações militares em que os países se engajam, os riscos que se correm e não se podem tratar estes assuntos com o distanciamento de uma longínqua guerra de pacificação colonial ao jeito das do Século XIX.

Quanto ao livro, continuará certamente o mesmo de há cinquenta anos. Eu que já não sou o mesmo quando o li da primeira vez. Continua muito bem escrito e arrebatador. Quase 500 páginas que se lêem sem esforço. Quanto ao rigor, isso é outra coisa. É um caso a que se aplica com toda a propriedade a diferença das palavras inglesas story e history. A pretexto das tricolores que têm enfeitado o mundo inteiro em sinal de solidariedade fui recuperar esta passagem da página 16, onde se sugere que as bandeiras francesas estavam interditas de serem hasteadas em Paris:

Desde o dia 15 de Junho de 1940 (data da entrada dos alemães em Paris) que as únicas bandeiras tricolores que eles (parisienses) podiam livremente contemplar se encontravam nos Inválidos, encerradas nos armários vidrados, cobertos de pó, do Museu Militar.
Nem de propósito, esta fotografia de uma cerimónia da Milícia em Paris foi tirada a 1 de Julho de 1944 e a bandeira dificilmente podia ser maior. Mas também é verdade que a Milícia e as restantes autoridades de Vichy dificilmente conseguiriam ter sido mais sonegadas de Paris já está a arder? Enfim, para que as histórias (stories) sejam arrebatadoras têm que ser bem contadas.

14 novembro 2015

A DONA MARIA LUÍS PERGUNTA SE OS CONTRIBUINTES TROUXERAM... O CASAQUINHO

Como se ouve no anúncio do euromilhões, há coisas que não vão mudar. Originalmente ouviram-se garantias enfáticas prestadas por Maria Luís Albuquerque de que o novo BES não traria encargos aos contribuintes. À época o Novo Banco era também designado por BES «bom»; mas o tempo terá demonstrado que afinal não era assim tão «bom» e teria as suas deficiências. Agora precisa de apresentar em duas semanas um plano de capitalização de 1.400 milhões que sempre lá deviam ter estado, mas cuja falta tem agora menos importância porque o assunto tem vindo a ser despromovido da agenda mediática. Porque é que nos fica a suspeita que, quem vai ter que avançar, de forma directa ou indirecta, vão ser os suspeitos do costume? Isto é: capitais públicos. São as tais coisas que não vão mudar. Uma curiosidade para dar uma medida de grandeza do que se trata: a injecção de capital que o Novo Banco necessita é equivalente a dez vezes o jackpot do euromilhões da próxima terça-feira (144 milhões). E excêntricos serão todos aqueles a quem não parece incomodar esta falta de palavra.

13 novembro 2015

ALLAHU AKBAR! HEIL HITLER! BANZAI!


O que se pode concluir destas imagens que nos chegam da guerra civil na Síria é que ela está a ser travada entre múltiplas facções, onde algumas serão estranhas e outras estranhíssimas. Mesmo sem saber de que lado combaterão os que aparecem nas imagens acima - são muito bem capazes de ser daquele que os americanos querem que consideremos os bons - a profusão das invocações a Allah são, no mínimo, desconcertantes. Alguém imagina artilheiros alemães ou japoneses na Segunda Guerra Mundial a saudar de forma equivalente os seus disparos aos gritos de Heil Hitler! ou Banzai!?

«COMO PASSA, SR. CONTENTE? COMO ESTÁ, SR. FELIZ?»*

Disparates como os proferidos ontem por Pedro Passos Coelho, quando perdeu quase toda a margem negocial, demonstram, em retrospectiva, a total falta de consistência da sua disposição em negociar ao longo dos quatro anos que ocupou o cargo. E como cenas como esta se destinavam apenas a parecer e a aparecer.

12 novembro 2015

«ÜBERMACHT»

Na capa desta edição do Der Spiegel de Março deste ano comentou-se a forma como os europeus olham a supremacia (Übermacht) germânica. O requinte da capa vai ao pormenor de se ter montado uma fotografia de Angela Merkel numa fotografia de época do Partenon de Atenas olhando ao alto como a famosa fotografia de 1940 de Adolf Hitler em Paris com a Torre Eiffel por detrás. Há, contudo, naquela expressão de admiração de ambos, algo que os humaniza e parece amenizar o exercício da Übermacht.

...EM SEDE DE... E NAS FILIAIS NÃO?

O facto de a expressão em sede de ter sido objecto de uma análise nas Ciberdúvidas da Língua Portuguesa em 1997 mostra a antiguidade da locução e das dúvidas sobre a sua propriedade. Mas a conclusão que ali se tira (contra o seu emprego por se tratar de um estrangeirismo) não impediu que a expressão medrasse e que, dezoito anos depois, como que atingindo uma espécie de maioridade, ela se tivesse consagrado plenamente no discurso político. Habituámo-nos a ouvir Pedro Passos Coelho a não se referir a qualquer um dos impostos sem o preceder dessa locução. Ouvíamo-lo dizer sempre em sede de IRS ou em sede de IVA, sem perceber o que ela acrescentaria à referência simples a qualquer dos impostos, num daqueles requintes gongóricos que os assessores terão gostado porque terão presumido produzir efeito no eleitorado. Se calhar era assim. O que é verdade é que, e como é costume nestas circunstâncias, produzia efeito no PSD e foram os seus discípulos a copiarem-no, apropriaram-se da locução e com ela franquearam novas fronteiras inexploradas do disparate. Ainda num recente discurso pronunciado durante o debate da moção de rejeição do XX governo, podemos ouvir Paula Teixeira da Cruz a empregá-la no contexto de indicadores em sede de exportações (sic)... E só apetece dizer: Mas que bem que eles falam! Se aos indicadores em sede de exportações ainda reunirmos os das filiais...

11 novembro 2015

SERÁ QUE SE ANALISAM CRITICAMENTE O CONTEÚDO DOS TÍTULOS ANTES DE OS PUBLICAR?

Se me sentir desinspirado aparece sempre um título desesperadamente estúpido: agora até nos querem despertar para preocupações que sejam selectivas. As perturbações climáticas só ameaçam menores, os maiores desenrascam-se e os velhos devem estar à espera pela criação de uma outra agência da ONU, semelhante à (mas rival da) UNICEF, que só se preocupe com os problemas da terceira idade.

NA HORA DA DERROTA

Na hora da derrota, houve quem tivesse preferido exibir um Pedro Passos Coelho cansado (acima), enquanto outros (que suspeito ainda menos generosos) preferiram um Pedro Passos Coelho enfadado (abaixo). Vê-se que as fotos são de ocasiões diferentes.
Pessoalmente teria preferido esta outra imagem, ainda que montada, menos próxima e menos política mas mais técnica e mais simbólica dos erros de governação que foram cometidos e do processo de desagregação e isolamento que o levaram até a este desfecho.
Como outros antes dele, também Pedro Passos Coelho prometeu que vai continuar por aí. Vamos a ver é se as circunstâncias lhe permitem voltar ao cargo, uma proeza que nestes 40 anos de Democracia, recorde-se, só aconteceu com Mário Soares.

10 novembro 2015

O QUE EU AINDA NÃO VI REFERIDO SOBRE A VOTAÇÃO DE HOJE

Depois da barracada que foi a votação de hoje na Assembleia da República, com o sistema informático a ser substituído pelo velho - mas comprovado - sistema de pôr os deputados a alçar os rabos das cadeiras, o que eu gostaria de ler amanhã na comunicação social era a notícia da apresentação da demissão por parte do responsável pelos serviços informáticos daquela casa. Se o dispositivo de verificação do quórum e todo o resto dos automatismos falharam naquelas circunstâncias em que o país estava suspenso do que ali se decidia, o que é que podia ser pior? Nada. E o que acontecerá ao responsável? ....  

HELMUT SCHMIDT (1918-2015)

Morreu Helmut Schmidt, chanceler da Alemanha Federal entre 1974 e 1982, durante aquele período intercalar entre o final da Segunda Guerra Mundial (1945) e a reunificação da Alemanha (1990) em que na Europa foi permitido que houvesse (alguns) alemães bons. Além disso, era um velhinho porreiro que, nonagenário, continuava a fumar em público desapiedada e anacronicamente, usava bengala e não se levava (nem o levavam) demasiado a sério. De uma certa forma Helmut Schmidt é como um Volkswagen, mas dos carochas originais, dos já não se fabricam, porque os que se vendem agora já dependem muito da reputação da imagem de marca.