13 dezembro 2014

QUANDO OS ESTADOS UNIDOS ESTIVERAM PARA INVADIR PORTUGAL

Na Primavera de 1941 a Segunda Guerra Mundial parecia viver um compasso de acalmia. Se a grande questão do Ocidente ainda não fora resolvida era porque os britânicos ainda resistiam à ofensiva aérea alemã e haviam rechaçado as ofertas de paz de Adolf Hitler. As atenções estavam apontadas para o arrumar das últimas pedras do xadrez nos últimos lugares ainda em disputa, na Europa balcânica. A 2 de Março, à Bulgária não restara outra opção senão aderir ao Pacto Tripartido. E a 6 de Abril, a Wehrmacht invadira a Jugoslávia e a Grécia. Na Europa ser-se um país neutral tornara-se numa espécie em vias de extinção. Do outro lado do Atlântico, observava-se de sobrolho carregado as intenções de Adolf Hitler para essa Europa que bordejava o Mediterrâneo assim como a que, no Atlântico, controlava os acessos àquele mar. Em 18 de Abril, o Departamento de Estado norte-americano anunciou que o presidente Roosevelt, invocando a salvaguarda dos interesses dos países do seu hemisfério contida na Doutrina Monroe, havia redesenhado a sua fronteira atlântica, fazendo-a agora deslocar mais para Leste, para a longitude de 26º W (meridiano traçado a vermelho no mapa acima), o que fazia passá-la pelo meio do arquipélago português dos Açores, ao mesmo tempo que roçava o arquipélago também português de Cabo Verde. Repare-se ainda como, a Norte e em contraste, o meridiano escolhido passou a incluir a Gronelândia dinamarquesa mas excluiu a Islândia, também dinamarquesa, que, entretanto (desde Maio de 1940), fora ocupada pelos britânicos.
 Se os objectivos de uns Estados Unidos que, por aquela altura, ainda se mantinham numa neutralidade descaradamente tendenciosa, se afigurariam límpidos (conter preventivamente os limites de acção da Alemanha no Atlântico), coisa distinta seria descortinar as suas intenções concretas a curto prazo, uma tarefa complicada por se tratar de uma democracia, onde múltiplas vozes se faziam ouvir. Já em Março de 1941, temendo provavelmente a escalada que o episódio poderia desencadear e o que os alemães lhe pediriam em contrapartida, Salazar havia rejeitado um pedido de Washington para que uma esquadra naval norte-americana fizesse uma escala de cortesia nos portos açorianos. E, como se se tratasse de uma retaliação, nesse mesmo mês de Abril de 1941, uma das tais vozes respeitadas, um dos mais importantes e influentes jornalistas republicanos da época, Walter Lippmann (1889-1974, que vemos acima numa capa da revista Time), escreveu no New York Herald Tribune, que a Alemanha tinha que ser derrotada na corrida pelos Açores, com ou sem a permissão e a cooperação de Portugal. A ideia pareceu propagar-se: escassas semanas depois foi o Christian Science Monitor a descobrir num seu artigo que os açorianos eram semi-yankees (!), como num discurso pré-justificador de uma intervenção. Começando a preocupar seriamente Lisboa, na sessão de 6 de Maio do Senado, o senador democrata pela Florida, Claude Pepper fez um veemente discurso em que defendia explicitamente, apelando ao presidente Roosevelt, a ocupação preventiva e imediata dos Açores, antes que aqueles monstros (nazis, deduzir-se-á) atacassem.
Claude Red Pepper (1900-1989, acima) é uma daquelas personagens interessantíssimas da política norte-americana daqueles anos, a merecer um poste só para si. De um esquerdismo anómalo para o panorama político tradicional dos Estados Unidos, só possível de aparecer no Congresso por se viver os anos que se seguiam à Grande Depressão, Pepper o vermelho, era também um adepto de que os Estados Unidos interviessem imediatamente na Guerra, um russófilo com simpatias não disfarçadas pela União Soviética (pelo menos naqueles anos...) e também conhecido por se prestar a fazer ocasionalmente fretes, quando solicitado, ao ocupante da Casa Branca. A oportunidade e o conteúdo do seu discurso possuíam por isso um significado que o embaixador português em Washington (João António de Bianchi, 1884-????) devia conhecer perfeitamente e que não podia depois ser desmentido pelas palavras tranquilizadoras que lhe haviam sido transmitidas pelo próprio Secretário de Estado Cordell Hull (1871-1955, abaixo): as afirmações do Senador Pepper eram do próprio, não representavam a política oficial norte-americana. Acreditasse quem quisesse: duas semanas depois da intimidatória intervenção do senador Pepper, a 22 de Maio, o próprio presidente Roosevelt instruía os seus chefes militares para que gizassem um plano militar para a ocupação das ilhas açorianas. E, sinal de que o plano já fora concebido de antemão, apenas uma semana depois (29 de Maio) o Plano Cinzento, prevendo o desembarque de um contingente de 25 a 28.000 homens nos Açores num horizonte de 30 dias, era aprovado. Entre as duas datas, a 27 de Maio e num discurso radiodifundido Roosevelt preparara a sua opinião pública: (...) Igualmente, os arquipélagos dos Açores e de Cabo Verde, se ocupados ou controlados pela Alemanha, fariam perigar directamente a liberdade do Atlântico e a própria segurança física da América. (...) O tradicional senso comum diz-nos que devemos adoptar a estratégia que impeça tal inimigo de se nos antecipar naqueles locais.
Ironicamente, estava-se a menos de um mês do início de uma outra Operação, esta desencadeada a uma escala de milhões de homens e pelos alemães: Barbarrossa. Com ela demonstrava-se que a preocupação de Hitler com o Atlântico era residual e a premência de Roosevelt e Churchill em apoderar-se das suas ilhas estratégicas desnecessária. A História da Segunda Guerra Mundial iria sofrer a 22 de Junho de 1941 uma inflexão tremenda. Mas estes momentos de hesitação durante a Segunda Guerra Mundial, embora conhecidos (estão tratados até em Teses de Mestrado consultáveis na internet) não estão tão popularizados nem são tratados quanto deviam. Para os compreender verdadeiramente há que persuadir os leitores a criar empatia com os intervenientes, lembrando que eles não conheciam a evolução dos acontecimentos: nos meses de 1941 aqui referidos, o Reino Unido limitava-se a resistir à ofensiva aérea da Alemanha e países que haviam preferido manter-se neutros, como a Grécia ou a Dinamarca, haviam sido arrastados para a guerra, sem perceberem bem como. A Grécia até tinha um regime autoritário de direita, pró-fascista, mas entrara em conflito com a Itália!... Quem conseguia manter-se neutral, como Portugal, valorizava o que ia conseguindo, não se questionando a amoralidade como, muitas vezes, o ia conseguindo. E esse primado do neutral sobre a moral tanto era válido para ditaduras como a portuguesa e a espanhola como para democracias como a sueca, a suíça ou a irlandesa. Ele há que explicar aos leitores que não devem analisar estes assuntos de uma óptica maniqueísta: foi só a partir de meados de 1943 que os ventos de guerra tornaram claros quem a viria a vencer, tornando os vencedores em bons e os vencidos em maus. Ao proporem-se invadir Portugal percebe-se que esteve para haver muita maldade dos bons antes deles terem conseguido alcançar esse estatuto de bons pela força das armas.

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