08 novembro 2014

AUTOCRÍTICA REVOLUCIONÁRIA EM HOMENAGEM AO DERRUBE DO MURO DE BERLIM

É verdade que os grandes textos canónicos da doutrina se concentram nos vastos anseios das classes operárias e do povo trabalhador, mas o que o desmoronamento de há 25 anos demonstrou é que o povo o que gosta mesmo é de ser cusco, péla-se pelas historietas individuais, enterrou Marx. Engels, Lenine e os outros maçadores dialécticos. Se eu tivesse tido cuidado em tornar o poste imediatamente abaixo mais palatável, teria contado as pequenas histórias de quem lá aparece. Numa atitude de autocrítica revolucionária e seguindo o mosaico abaixo desde o canto superior esquerdo, no sentido do curso dos ponteiros do relógio, temos então:
Marina Ginestà tinha 17 anos quando a fotografia sobre Barcelona foi tirada. Era filha de espanhóis emigrados em França onde de resto nascera e para onde regressará depois da derrota republicana na guerra civil espanhola, adoptando a nacionalidade francesa. Simone Segouin tinha 18 quando foi fotografada por ocasião dos combates pela libertação de Paris. Usava o pseudónimo de Nicole Minet e pertencia aos FTP, a organização da resistência conotada com os comunistas franceses. Erika Szeles é a mais nova de todas: tinha apenas 15 anos quando da foto entre os combatentes de Budapeste. E é a única que morreu durante a insurreição que lhe trouxe a celebridade. Não se sabe a idade precisa de Caroline de Bendern (cerca de 20 anos em Maio de 68), mas sabe-se que era inglesa, de origem aristocrática e modelo e que a sua pretensa militância (a bandeira que empunha era a do vietcong) era apenas circunstancial. Ao invés sabe-se a idade (18 anos) e mesmo o local da fotografia da combatente vietnamita (província de Sóc Trăng, no delta do Mekong) mas o nome afigura-se pseudónimo conveniente para efeitos de propaganda: Lâm Thị Đẹp (Đẹp quer dizer bonita¹). E Nora Astorga é a mais velha do conjunto: já tinha 30 anos e dois filhos por ocasião da foto. Nora era oriunda da aristocracia nicaraguana, estudara nos Estados Unidos e em Itália antes de, já como advogada, aderir à guerrilha sandinista.
Permitam-me acrescentar quanto no conjunto há fotografias que parecem ter sido de ocasião – será o caso da de Caroline de Bendern, talvez o de Erika Szeles – mas as outras mostram-se devidamente encenadas, escolhido tanto o modelo quanto a pose. Da sessão fotográfica com Simone Segouin existem outras fotos, como esta acima, onde ela aparece enquadrada por dois camaradas progredindo por uma rua de Paris. Ambos armados com espingardas². Simone é a única que empunha uma arma automática (uma MP-40 de origem alemã), quando, se fosse a sério, seria mais do que improvável que se confiasse a arma mais eficaz das três à miúda de 18 anos...

¹ Uma prática extremamente comum no Vietname: o conhecido Hồ Chí Minh (o que foi esclarecido) nasceu com o nome de Nguyễn Sinh Cung e adoptou ao longo da vida vários pseudónimos como Nguyễn Tất Thành ou Nguyễn Ái Quốc.
² Uma Lebel 1886 (o da esquerda) e uma MAS-36 (o que vem atrás).

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