31 outubro 2014

O LEGADO DO PRESIDENTE SATA

Não se tivesse dado o caso de ter tido um sucessor branco, ainda que interino, e a notícia da morte de Michael Sata, o presidente da Zâmbia, nem teria saído dos rodapés das páginas noticiosas. Figura praticamente desconhecida fora do seu país, vale a pena evocá-lo por um daqueles episódios em que o poder político se confronta com o poder económico e em que este triunfa - como sempre triunfou ao longo da História (querendo-nos convencer que não, vivemos tempos atípicos). A história teve o seu clímax há quase precisamente um ano e pode ser contada de forma sumária assim:

A Zâmbia é um dos maiores produtores mundiais de cobre (8º). A segunda maior empresa de extracção de cobre do país é a Konkola Copper Mines (KCM – logo acima). Desde 2004 que essa empresa é, por sua vez, detida maioritariamente pela Vedanta, uma multinacional mineira de capitais indianos porém domiciliada em Londres. Mas a KCM mostrava estar em dificuldades quando, em Outubro de 2013, apresentou um plano de recuperação. Como se tornou quase indispensável em todos os bons planos de recuperação económica, também este envolvia o despedimento de muitos trabalhadores, 1.529 para ser mais preciso, o que correspondia a cerca de 7% da força de trabalho da KCM. E, claro, as acções da Vedanta subiram na Bolsa de Londres (abaixo). Os Mercados adoram planos de recuperações em que se despedem muitos trabalhadores, quantos mais, mais os Mercados apreciam.
E é aqui que apareceu Michael Sata e o governo zambiano. A anunciarem que, se a KCM procedesse aos despedimentos anunciados lhes retiraria a concessão mineira. E os Mercados, volúveis, se gostam de planos de recuperação onde se despede muita gente, não gostam de empresas que, apesar de recuperadas, perdem as suas autorizações para operar e ganhar dinheiro... E lá vieram as cotações outra vez por aí abaixo. É evidente que nestes casos se arranja sempre uma empresa de rating - mais prestigiada ou mais obscura - que anuncia cortar o rating do país acompanhado das declarações de um analista da mesma indignado com o comportamento anti-económico (anti-liberal!) dos decisores políticos do país em causa, profetizando a insustentabilidade da sua conduta e o colapso eminente. Na disputa ideológica pode-se fingir ser assim mas, na prática, este braço de ferro durou apenas uma semana e acabou com a KCM a pedir publicamente desculpas ao governo zambiano – depois da licença de trabalho do seu CEO na Zâmbia ter sido ostensivamente revogada.

Mais do que isso, o governo zambiano nomeou uma comissão de auditora, que concluiu, já em Agosto deste ano, aquilo que se queria que se concluísse: que não era preciso despedimentos, a empresa estava a ser mal gerida – quando conveniente, também se pode concluir que o privado também gere mal as empresas. É evidente que todo este episódio não teve grande difusão fora da Zâmbia. Agora constate-se o enorme contraste com a atitude do poder político português, especialmente nos últimos três anos. Claro que isso ocasiona que se publicite que Portugal seja o 25º país onde é mais fácil fazer negócios da lista Doing Business (que orgulho!), enquanto a Zâmbia ocupa nessa mesma lista um modestíssimo 111º lugar. Mas a verdade é que a KCM continua a operar no país, apesar das regras draconianas a que o governo zambiano a obriga: outra constante económica ultimamente muito esquecida é que - se não houver venalidade dos governantes - a atracção pela extracção do cobre e por lucrar com isso costuma sobrepor-se a qualquer ideologia.

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