30 setembro 2014

MOEDAS DIZ TER DISCORDADO «MUITAS VEZES» DA «TROIKA»

Mais do que comentar a afirmação acima, interrogo-me é se o alegado discordante compreenderá algum dia a razão para que vários órgãos de informação tenham feito hoje da confissão (agora feita  num enquadramento mais... conveniente) cabeçalho de notícia. Vai-se a ver e, a compasso, andaremos desde 1640 a cometer uma injustiça tremenda parecida. Pena que a austeridade tenha reduzido o financiamento para estudos desse género, porque algum historiador especializado no Século XVII ainda poderia vir a descobrir que afinal Miguel de Vasconcelos se fartou de bater o pé ao Conde-Duque de Olivares...

AS MEDALHAS DO GENERAL

Em o 20º de Cavalaria, uma aventura de BD de Lucky Luke (Morris & Goscinny), aparece um general que, embora personagem secundária, se notabiliza pela sua coragem e capacidade de decisão, mas também por perder medalhas do uniforme com uma regularidade impressionante no decorrer da história. Quanto á fotografia abaixo, essa foi tirada na Academia Militar em Novembro de 1991 e parece ter por personagem principal o seu comandante, o General Almeida Bruno, à data – e muito provavelmente ainda hoje – o oficial general mais condecorado do Exército português. Quem conhece as condecorações militares portuguesas é capaz de reconhecer a sua nata, o colar de Oficial da Ordem da Torre e Espada, a Medalha de Valor Militar de Prata com palma, duas Cruzes de Guerra de 1ª e 2ª classes, havendo certamente outras mais, o distinguido não usaria decerto as suas outras condecorações para não correr o perigo de as ir semeando pelo caminho como o general do Lucky Luke.
A fotografia acaba porém por ser irónica de uma outra maneira, porque dando o centro e o destaque ao medalhado, fá-lo rodear por figurantes que lhe reduzem o estatuto e com isso, implicitamente, talvez as virtudes de tanta valentia. A começar pela presença do lado esquerdo de um Cavaco Silva, primeiro-ministro radiante que ele sim, parecia ostentar uma outra Torre e Espada virtual pendurada ao pescoço por causa da reeleição com nova maioria absoluta que acabara de conseguir nas eleições do mês anterior (6 de Outubro de 1991). Do outro lado um octogenário (mas ainda muito bem conservado) Marechal António de Spínola, sob proposta do qual, enquanto comandante-chefe na Guiné, três das quatro condecorações acima referidas haviam sido conferidas. Quase precisamente por detrás, vê-se ainda Fernando Nogueira, Ministro da Defesa Nacional e com ele a consagração da submissão do poder militar ao poder político democrático. Num remate final, já no âmbito exclusivamente castrense, por detrás de Cavaco Silva e sem medalhas visíveis para comparação, identifica-se o General Loureiro dos Santos, o Chefe de Estado-Maior do Exército e superior hierárquico de Almeida Bruno.

A VIOLA DE CIVIDALE

Cividale del Friuli é uma cidade no Norte de Itália que se localizava muito próxima às linhas de trincheiras que definiam a frente de combate que na Primeira Guerra Mundial ali se formou opondo a Itália ao Império Austro-Húngaro. Algures no segundo semestre de 1915 (a Itália entrara na guerra com os austro-húngaros em Maio desse ano e militarmente muito mal preparada como seria de esperar...), uma patrulha de soldados do império fizera um raid sobre as linhas italianas situadas nos montes que rodeavam a cidade, deixando o rasto de destruição e morte que se pode ver na fotografia, mas a presença da viola desconjuntada é de uma casualidade demasiado ostensiva para não se suspeitar que tenha sido ali plantada com uma intenção pedagógica, mas propagandística. Sem ela, a fotografia seria a de mais uma carnificina como houve milhares ao longo do conflito, inútil porque apenas prejudicial à moral italiana. Costumo lembrar-me do exemplo desta viola quando há componentes numa mensagem fotográfica que nos parecem bons demais para estarem ali por acidente.

29 setembro 2014

«NON, JE N'AI RIEN OUBLIÉ»


No dia seguinte às primárias do PS não é só Charles Aznavour que não se esqueceu de nada, na verdade ninguém se parece ter esquecido de nada, quem votou pelo vencedor, quem votou no vencido, quem não votou pela esquerda, quem não votou pela direita, alguns até haverá, suspeito, cuja memória perene o próprio vencedor António Costa bem dispensaria: a sério, o que é que se fará de útil com centenas de intelectuais adesivos? (Para além de cabeçalhos de notícia de jornal, evidentemente). Acorreram com o eclodir da festa e exibem-se com a exuberância e a praticabilidade daqueles enormes ramos de flores que aparecem em todas as cerimónias do género e que o/a artista consagrado(a) nunca sabe onde largar...

«КУНЪЯЛ ЖИВЕТ !» (Kun'yal Zhivet - Cunhal Vive!)


No mesmo dia em que mais uma(!) estátua de Lenine é derrubada do seu pedestal em Kharkhov na Ucrânia (o mistério é mesmo perceber como é que elas se mantiveram erigidas nestes últimos 23 anos), o secretário-geral do Partido Comunista Português, Jerónimo de Sousa, teve a delicadeza de qualificar as eleições primárias no maior partido da Esquerda portuguesa como uma farsa. É uma espécie de equivalência teórica à vetustez da estátua: aquela declaração parece-me coerente com os pensamentos teóricos do derrubado, para quem a opinião do povo era uma chatice. Por isso é que a classe operária delegava o que era melhor para si numa vanguarda esclarecida, o partido, e esta vanguarda delegava o esclarecimento por sua vez na direcção central (o centralismo). E nesta última, impunha-se a opinião de Lenine. No fim do ciclo, Lenine pensava por toda a classe operária e como a classe operária tinha uma natural proeminência sobre o resto do povo (como Marx explicara), era Lenine que decidia por todos. Depois dele foi Estaline a decidir. Depois os sucessores, entre nós os exemplos do incontornável Álvaro Cunhal até chegarmos ao actual Jerónimo de Sousa. Mas comum a eles todos este desconforto congénito com a auscultação (sem controlo!) da vontade popular.

Adenda: um outro protagonista da mesma esquerda hipócrita que, como padre falso beato, abusa da palavra democracia: a opinião de Francisco Louçã hoje espelhada no Público: O preço foi o sistema democrático ser esburacado: no PS vigorará doravante a luta de lama entre candidatos, o partido fica irrelevante e serão as oligarquias comunicacionais a propor o rei. A democracia perdeu. O problema deste discurso não é o povo não tomar banho depois das lutas de lama ou então preteri-lo a Teresa Guilherme das tais oligarquias comunicacionais. Os aristocratas poderiam escrever com o mesmo desdém que acima se lê, mas com coerência. O problema é Louçã (e Jerónimo) justificarem a actuação dos seus grupos políticos em nome dos interesses daqueles javardos ingratos, a quem negam as vantagens de se pronunciarem directamente, sem a sua intermediação.

MAGNANIMIDADE

No seu discurso da vitória de ontem, tem sido notada (e também criticada) a ausência de qualquer referência apaziguadora ao candidato derrotado por parte de António Costa. Para mais, tratando-se de correligionários políticos. Contudo, tendo a compreender a atitude porque a magnanimidade é uma virtude a praticar mas que não se pode exercer cegamente, especialmente com alguém a quem já não se podia conceder sequer o benefício da dúvida: como relembro abaixo e na altura, tendo tido as suas oportunidades de ser magnânimo, António José Seguro não o foi na altura em que o podia ter sido. Não me parece merecedor dela agora que foi parar à outra extremidade da roda da fortuna.

28 setembro 2014

A INVERSÃO «VIOLENTA» DE UM MOMENTO «MUITO» HISTÓRICO

O instantâneo mostra o momento em que António Costa se desembaraça do microfone e do resto dos adereços de um entrevistado, por ocasião de uma cena de bastidores do XVIII Congresso do PS de há três anos: como aqui se conta, António José Seguro, já consagrado como secretário-geral, apareceu e fez-se convidado para uma entrevista televisiva que estava a decorrer com o seu adversário das primárias de hoje, abafando a sua presença e acabando por o forçar a retirar-se. Porque tenho memória, não tenho pena de António José Seguro.

A MERYL STREEP CÁ DE CASA...

Com dezoito nomeações pela Academia de Hollywood (quinze como melhor actriz principal, três como melhor actriz secundária), Meryl Streep tem um palmarés que arrasa com a concorrência. E há quem chegue a casa, vinda de um daqueles eventos de team-building empresarial de fim-de-semana, coroada com o prémio da melhor actriz – já não se perdeu tudo...

UMA CERTA FORMA DE SE ESTAR NO MUNDO

Este mapa-mundo evidencia pelas cores – até ao máximo do vermelho carregado – a densidade dos equipamentos conectados à internet. Mais do que um mapa da distribuição da população mundial, é um mapa da distribuição de um certo género da população mundial (registe-se a escuridão africana), aquela que usufrui de um razoável padrão de conforto e de acesso às mais modernas formas de comunicação. Pelo que ali se observa (pode-se clicar em cima para ampliar o mapa), é óbvio que a Rússia (e, já agora, a Ucrânia e a Bielorrússia...) não faz(em) parte da Europa, que os Estados Unidos são ocos entre as duas costas, e que, apesar de todas as promessas para o futuro, mesmo a China litoral ainda terá muito que palmilhar até atingir as densidades adjacentes do Japão e da Coreia do Sul.

27 setembro 2014

CONTRIBUTOS PARA A COMPREENSÃO ENTRE OS POVOS

Confesso que só fui comprar e ler o Bifes Mal Passados por ter começado a ler demasiados comentários negativos e distanciadores a respeito do livro. O comentário de Miguel Esteves Cardoso foi um desses casos, embora aqui se perceba que ele adopte a mesma equidistância que um outro Miguel, o Sousa Tavares, tem vindo a dar mostras no que se refere aos problemas financeiros do seu compadre Ricardo Espírito Santo. E é até mais desculpável: a mãe do Miguel Esteves Cardoso é bifa, o que o torna num semi-bife, e com isso um suspeito óbvio de falta de isenção na apreciação de um livro que se farta de dizer mal deles todos – bifes. O livro, publicado vai para três meses , tornou-se num sucesso editorial (seis edições!), comprovando o quanto o escárnio e o maldizer ainda medra entre nós. Quanto à minha opinião sobre a obra supra, retive que o autor, João Magueijo, escolhe sempre o osso da canela para arriar, o que retira ao(s) agredido(s) a possibilidade de dissimular, pretendendo que a crítica fora amena, o autor dela é que fora desastrado na violência como arriou. Por isso os Bifes Mal Passados, naquela sua crueza quase em sangue, não têm a elegância descritiva que torne o livro uma obra superior. Mas pelo menos existe o lado positivo de que, neste caso, os próprios visados – os bifes! – constataram o quanto podem não ser apreciados pelos de cá. João Magueijo está no seu direito de escrever uma crítica de 180 páginas dos bifes que não os represente a todos e que até possa ser classificada literária e sociologicamente como uma merda. Em 1997 um humorista inglês chamado Steve Coogan inventou uma personagem que era uma outra (merda) a pretexto de um cantor pimba português (de ficção) chamado Tony Ferrino (abaixo), que até ganhou - finalmente! - o Eurofestival, e não me lembro que alguém por cá o tenha severamente desancado por nem todos nos reconhecermos no estilo pimba. Se, na mesma linha do argumento acima apresentado por Miguel Esteves Cardoso, até houve jornalistas bifes de gema como Auberon Waugh (1939-2001) que troçaram dos seus compatriotas com mais verve e humor do que Magueijo, nos por cá também temos humoristas semi-alemães (por cá estabelecidos como Herman Krippahl) que criam personagens pimbas como Tony Silva que resultam muito mais conseguidas que o que o outro Tony, o Ferrino, Tanto assim que, com o desportivismo que os bifes apregoam mais do que exercem, até passámos essa outra merda de Tony, o Silva, na nossa televisão para nos rirmos com ela...

O CENTENÁRIO DE UMA ILUSÃO

Os ritmos a que os acontecimentos históricos verdadeiramente decorreram nada têm a ver com as sínteses que normalmente se elaboram para os contar. Já se passaram dois meses desde que se celebraram as primeiras efemérides do início da Primeira Guerra Mundial mas se consultarmos um popular jornal satírico berlinense (Kladderadatsch) saído a 27 de Setembro de 1914 (hoje celebra-se o centenário dessa edição), vê-se na capa um punhado de soldados alemães a guardarem, ao mesmo tempo que servem de cicerones a, um conjunto heteróclito de prisioneiros que eles passeiam por Berlim (é reconhecível a Porta de Brandeburgo por detrás). Na retaguarda pelo menos, em finais de Setembro de 1914 ainda parecia permitido o optimismo e a esperança de que a Grande Guerra tivesse um desfecho rápido e favorável ao seu lado. Com uma clarividência muito superior à de Maques Mendes, que passando por saber, só sabe o que acontece no próximo episódio da novela, nós no caso sabemos que o magno conflito ainda se prolongaria por mais quarenta e nove meses e meio...

26 setembro 2014

A NEGAÇÃO DE EMMANUELLE

Se há imagem que o filme Emmanuelle (1974) conseguiu deixar gravada, talvez até mais do que a própria actriz protagonista, Sylvia Kristel (1952-2012), foi a da cadeira oriental com as costas em formato de pavão que, com a popularidade do filme, ficou a partir daí irremediavelmente associada a uma certa ideia de sensualidade. Ou não. Porque a prodigiosa imaginação daquela massa anónima de famílias tradicionais norte-americanas até com essas associações pecaminosas consegue arrasar...

A DESTRUIÇÃO E A RECONSTRUÇÃO DE IPRES

Ipres (Ieper em flamengo, Ypres em francês) é uma cidade belga no lado flamengo da fronteira linguística que divide a Bélgica, situada na província da Flandres Ocidental naqueles cerca de 1.500 km² do país que escaparam à ocupação alemã durante a Primeira Guerra Mundial, embora não muito longe da linha da frente e das trincheiras que a demarcavam. Quiseram os acasos da Guerra que fosse o exército britânico o responsável pela defesa da cidade desde Outubro de 1914 até quase ao...
...fim da Guerra, que só ocorreu quatro anos depois. Ypres (como os britânicos a designam) é hoje uma cidade média de província com cerca de uns 35.000 habitantes, mas tem para os britânicos um simbolismo associado aos seus sofrimentos durante a Primeira Guerra Mundial que não é comparável com mais nenhuma cidade do continente. Mas nada melhor para expressar esse ciclo de destruição, sofrimento e posterior ressurgimento da cidade que estas quatro fotografias consecutivas do Lakenhalle,...
...o edifício símbolo da cidade, que fora originalmente construído no período do apogeu da indústria têxtil no Século XIII. Vemo-lo em primeiro lugar em 1912, ainda antes da Guerra, depois em Novembro de 1914, onde já o vemos danificado pelos primeiros combates entre os alemães e os britânicos, o estado deplorável a que havia chegado em 1918 no fim da Guerra e finalmente a fotografia redentora, tirada num qualquer Sábado de mercado, algures na década de 1930. Mau grado as aparências, a reconstrução só terminou em 1967.

O OBJECTO E O OBJECTIVO DA CENSURA

De uma exposição dedicada a Eduardo Gageiro, realço a fotografia acima (retirada de um blogue da vizinhança). O destaque do que nela se exibe acaba por se concentrar na chancela da censura (num vermelho desbotado, numa sugestão dos quarenta anos transcorridos desde que a prática foi abolida), embora a fotografia, afinal o objecto que a motivaria (à censura), esteja invertida, conforme se consegue perceber pelo que aparece escrevinhado nas tábuas que servem de paredes naquela paisagem miserável. Há uma certa ironia no facto de, numa exposição de fotografia, esta fotografia em particular acabe exposta menos do que pelo que ela mostra e mais como um mero acessório de um carimbo.

25 setembro 2014

UM CERTO APANHAR TRÁGICO DAS CANAS

Há uma certa ressonância de fim de festa quando Ângelo Correia, o outrora considerado patrocinador da ascensão política de Pedro Passos Coelho, se deixa citar na imprensa lembrando que ele, pelo seu lado, guarda sempre as cópias das suas declarações do IRS: Guardo as cópias do IRS de todos anos, dá jeito para evitar problemas de não me recordar, como se pode ler no Diário de Notícias. Tu quoque, Angele, pater mi?! – é uma citação clássica parafraseada que me apetece colocar, nem de propósito, na boca do primeiro-ministro, eu que nestes últimos três postes andarei a abusar um pouco das locuções latinas, embora haja que reconhecer o quanto, com estas inoportunas amnésias de Passos Coelho, a Tragédia, ao bom jeito das tragédias clássicas, parece espreitar o horizonte da actualidade política portuguesa...

«FIXIN’ A HOLE»


Há certas ocasiões em que me apresto a desligar o computador quando um espírito que dele se apodera sem minha autorização me informa, mesmo à hora da despedida, para ir tranquilo enquanto procede a um punhado de actualizações. Trata-se de uma indelicadeza cruel, mesmo comparada com as temidas intrusividades de dentistas, que por estes dias já se prestam a dar-nos alguns esclarecimentos (por norma incompreensíveis) quando irrompem pela nossa boca dentro empunhando aquelas terríveis brocas. Pior até, ao contrário do dentista, em que a necessidade se torna evidente pela dor do dente ou pelo buraco anómalo na geografia bucal, as razões para as actualizações do software, não sendo explicadas, muito menos se percebe a sua premência. O que as torna memoráveis, a essas eufemisticamente denominadas actualizações é o dia seguinte: quase tudo o que fora formatado para uma confortável rotina diária, está desmanchado e a rotina diária regride para a reconstituição do statu quo ante. Para repor as formatações originais, há que passar por uma data de incómodos provocados obviamente pelas tais de actualizações, concebidas para resolver outros incómodos que nem sabemos, nem temos condições de saber, se já nos incomodaram. Não será particularmente lógico, mas é obviamente moderno...

24 setembro 2014

PARA QUE A ANÁLISE NÃO FIQUE APENAS ENTREGUE À CORPORAÇÃO DOS COLEGAS A PASSAREM-SE POR ANALISTAS

Deixei prudentemente escoar-se um dia completo para constatar quantas das incontáveis análises ao debate das primárias do PS de ontem faziam uma referência crítica à prestação do moderador João Adelino Faria. Que, na minha modesta opinião, foi não apenas medíocre como merecedora que se destaque a mediocridade. Se os dois candidatos deixaram de o ser para se tornarem uma espécie de concorrentes de um concurso televisivo ordinário (©Teresa Guilherme) foi porque o moderador não teve mão para os moderar. Os colegas da corporação, que incidentalmente depois se fazem passar por comentadores independentes do acontecimento, esquecem-se sempre que a responsabilidade de conduzir o debate para que este não chegue ao nível do lamaçal (para empregar a expressão utilizada hoje por um deles) é precisamente do anfitrião que tem o dever de manter a higiene da casa – sustentando a metáfora. Não estou a imaginar jornalista que os tivesse no sítio para repreender ontem António José Seguro quando da sua infeliz invocação de um apoiante do rival. Muito menos João Adelino Faria. E esqueceram-se também os seus colegas na pose analítica que as propostas inteligentes e substantivas por que estão sempre a clamar que os políticos devem apresentar costumam ser estimuladas por perguntas inteligentes e substantivas. Ora as que João Adelino Faria colocou ainda antes de perder a mão de situação nunca prenunciaram grandes rasgos de imaginação. Em suma, com um programa com o mesmo formato e com os mesmos dois intervenientes centrais, em situação que se costuma descrever por ceteris paribus, o resultado dos três debates televisivos esclareceu-me foi sobre as competências dos três jornalistas que os moderaram e aí Clara de Sousa na SIC esteve bem e João Adelino Faria e Judite Sousa estiveram mal. E era isto que eu estive à espera que alguém tivesse escrito...

ALBERT BALL (1896-1917)

De entre as minhas fotografias favoritas da Primeira Guerra Mundial, há esta do ás (aviador) britânico Albert Ball que não viveu para celebrar o seu 21º aniversário, apesar de até lá ter registado 44 vitórias no ar desde Março de 1916 até à sua morte em combate a 7 de Maio de 1917, sobre território controlado pelo inimigo que o enterrou (vejam-se os dizeres da cruz). Mas existe um ar impressionantemente juvenil no herói que, ao mesmo tempo que o engrandece para figuração no panteão, nos impede de aceitar totalmente a sério as consequências do que fez e do que lhe foi feito, imaginando que cem anos passados, e num mundo menos cruel como hoje, ele pudesse não ter passado de mais um daqueles jovens associais viciados em jogos de computador - alguns deles em que se abatem virtualmente inimigos como Ball fazia.

23 setembro 2014

VIAGEM AO PASSADO DAS PRIMÁRIAS DO PS

Nestes momentos em que, para efeitos de benefício mediático, convém acentuar o dramatismo da disputa das primárias socialistas, torna-se um exercício engraçado recuperar fotografias antigas dos dois competidores acompanhados daquele que permanecerá a sua figura tutelar: António Guterres – candidatar-se-á ou não ele à presidência da República? E que é que se pode extrair das fotografias, acentuando o despique, embora num registo perfeitamente superficial? As diferenças de plano em que as fotografias foram tiradas, superior acima, inferior abaixo. O contraste da expressão de Guterres, satisfeita em cima, preocupada em baixo. O das expressões dos candidatos, a solidariedade prazenteira de António José Seguro, a severidade explicativa de António Costa. Este já usa óculos enquanto o rival ainda não. Mesmo que nada haja de importante a dizer, o assunto pode parecer interminável. Tudo com assuntos que poderão ser pretexto para acentuar as diferenças daquilo que estará em disputa no próximo Domingo.

PAULO E O PINÓQUIO

A vantagem do Paulo em relação ao Pinóquio é que o nariz não lhe cresce tão ostensivamente quanto o boneco; a vantagem do Pinóquio em relação ao Paulo é que aquele tem ao menos um grilo falante como substituto da consciência.

22 setembro 2014

«SOUS LES PAVÉS, LA PLAGE!»

Quando Fred Stein fotografou esta calcetamento (obrigatoriamente metódico) de uma das anónimas ruas de Paris em 1936 (ano da chegada ao poder da Frente Popular), estava longe de imaginar, ele e muito menos os calceteiros, que dali por uns 32 anos, em Maio de 1968, com a imaginação chegada por sua vez ao poder, que haviam estado a cobrir a praia... tivesse lá isso o significado que tivesse, que o Maio de 68 foi tão rico em frases quanto pobre em consequências.

UMA QUESTÃO DE GRAMÁTICA...E DE INDUMENTÁRIA

Theobald von Bethmann-Hollweg (1856-1921), Reichskanzler entre 1909 e 1917, aparece acima fotografado por volta de 1914, possivelmente depois de desencadeada a Grande Guerra, envergando o uniforme de general prussiano (reconhecível pelo característico pickelhaube), apesar de nunca ter cumprido o serviço militar. Tiveram o seu tempo e hoje estas fotografias não são para ser mostradas. Mas sempre que leio mais uma daquelas constantes tentativas europeias em amenizar retroactivamente o militarismo germânico, questiono-me em que outros grandes países da Europa é que foi e ainda será compensador um político civil mostrar-se fardado e o destaque vai, inequívoco, para a Rússia (abaixo, parte factual, parte criativa). No que diz respeito à disputa pela Ucrânia estou em crer que a posição negocial das potências ocidentais reforçar-se-ia muito se, seguindo a gramática que os russos ainda compreendem, em algumas fotografias Obama e Merkel aparecessem envergando umas fardas camufladas...

21 setembro 2014

NÃO SERÁ CASO PARA VIR A INVOCAR TER SIDO UM SÓSIA?

Ninguém conhece Louis Ortiz mas é dispensável explicar porque é relevante saber de quem se trata, não por causa do nome, mas por causa da aparência. Todos teremos os nossos sósias, mas os das figuras públicas têm um valor acrescido. Ás vezes por razões bem perversas: quem não se lembra das tentativas da defesa de Carlos Cruz em atribuir a autoria daquilo de que era acusado a um sósia? Arranjar um sósia também pode ser um índice de desespero da imagem pública. O grau anterior do embaraço público – o de entalado – é aquele onde está agora o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, quando evita desmentir categoricamente que andou a receber por fora da Tecnoforma numa época em que estaria obrigado à exclusividade de funções. Marcelo acabou de vir em sua ajuda, explicando na TVI que a ética (assim como a moda e muitos outros fenómenos sociais) tem épocas: se aquilo fosse feito hoje, seria imperdoável; agora há dezoito anos podia-se desculpar. Ficou por perceber se Marcelo considera que a elasticidade da ética é reversível, tal como o formato das gravatas que evoluem ciclicamente de quase fitas até ao umbigo até postas de bacalhau dependuradas pelo rabo. Mas, se Marcelo não iludir o povão e a pressão não se reduzir nos próximos dias, não será caso para pensar em vir a invocar ter sido um sósia de Passos Coelho a ter inadvertidamente recebido o dinheiro em vez dele?

Adendas: Já me dispusera a acrescentar uma adenda de retractação quando surgiu o esclarecimento que Pedro Passos Coelho afinal não se encontrava em regime de exclusividade aquando dos anos em que recebia da Tecnoforma. Mas ainda bem que a prudência imperou porque, numa nova evolução, se complementa agora que o mesmo Passos Coelho invocou estar nesse regime quando solicitou um subsídio de retorno à vida civil.  Ou seja, acumulam-se os indícios que, tendo-se tornado num homem seriíssimo, como nos asseguraram nas TVs o Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa e o doutor Luís Marques Mendes, ainda não o seria (seriíssimo) naquela época em que ele agora já não se lembra de onde lhe vinham os rendimentos. Acresce que, afiançando-lhe pela seriedade presente, não há quem afiance pela seriedade dos fiadores Marcelo e Marques Mendes. Enfim, espera-se que no fim desta história Passos Coelho (um homem sério, repita-se, mas que, bom português, não ia desperdiçar um subsídio que lhe era facultado por lei) não tenha que rasurar pessoalmente alguma documentação da mesma maneira que se soube que Richard Nixon tinha tido que apagar algumas passagens mais comprometedoras das fitas magnéticas que registaram as conversas que havia tido na sala oval da Casa Branca a respeito do assalto ao Watergate...

DON CAMILLO e o ONOREVOLE PEPPONE


A Crise de Rovereta do poste anterior torna-se um excelente pretexto para evocar Don Camillo e o seu grande rival Peppone. Embora se tratem de personagens principais de contos do escritor italiano Giovannino Guareschi (1908-1968), foi através do cinema (acima) que as disputas entre o pároco católico de uma pequena vila do Norte de Itália e o autarca comunista que a dirige, adquiriram uma popularidade internacional. As histórias decorriam em Brescello, Don Camillo era interpretado pelo actor francês Fernandel (1903-1971) enquanto o seu rival Peppone pelo italiano Gino Cervi (1901-1974).
Hoje as estátuas de ambos enfeitam o centro de Brescello, tendo-se tornado num factor de atracção turística. Para a memória da História política da Itália naqueles 20/25 anos que se seguiram ao fim da Segunda Guerra Mundial, o carácter eminentemente satírico das histórias de Guareschi assim como o caracter cómico das interpretações de Fernandel e Cervi quase conseguem retirar a carga de seriedade aos enfrentamentos que, como o de Rovereta, tiveram lugar por quase toda a Itália de então. E depois de E Depois do Adeus, suponho que ainda se vai a tempo de fazer também por cá uma boa sátira aos tempos do PREC...

20 setembro 2014

A CRISE DE ROVERETA

Como a Itália, também o minúsculo São Marino teve o seu partido fascista que o governou de 1923 até 1943 (acima). Mas depois da Segunda Guerra Mundial, provavelmente devido à sua insignificância (12.000 habitantes) e ao contrário do que acontecia com o vizinho, os Estados Unidos toleraram que o país pudesse ser governado por um governo de esquerda onde até preponderavam os comunistas. Essa maioria de comunistas e socialistas de 1945 foi sendo renovada em sucessivas eleições livres (1949, 1951, 1955), até que em 1957 as tensões da Guerra-Fria desfizeram este discreto convívio entre a presença de comunistas na área do poder e a realização de eleições razoavelmente livres. O acontecimento concreto que o terá desencadeado foi a repressão soviética na Hungria em Outubro/Novembro de 1956, que deixou uma profunda marca negativa nos socialistas italianos do PSI e, por arrasto, também nos socialistas samarineses. Por causa disso, ou alegando isso, em Abril de 1957 5 dos 16 conselheiros socialistas locais abandonaram o partido e a coligação para se juntarem ao Partido Socialista Democrático Independente (PSDIS), uma dissidência socialista relutante a uma colaboração tão estreita com os comunistas. Mas, como o governo possuía uma maioria de 35 lugares em 60 no Conselho (legislativo), esse abandono ocasionou uma situação de impasse num empate 30-30 entre apoiantes governamentais e oposicionistas. A esta manobra seguiram-se meses de outras imaginativas manobras políticas: os dois capitães-regentes que haviam sido eleitos pelo Conselho para governar São Marino durante esse semestre (até ao princípio do mês de Outubro) evitaram cuidadosamente reconvocá-lo para que não se evidenciasse o impasse. Mas o expediente não podia ser prolongado para além da reunião de 19 de Setembro (completar-se-iam ontem 57 anos) em que se elegeriam obrigatoriamente os capitães-generais para o semestre seguinte.
Mesmo na véspera, numa daquelas manobras que dão à política aquele reconhecível travo sórdido, um dos 19 conselheiros comunistas tornou-se subitamente independente, dando a maioria à oposição... O contra-ataque também nada teve de elegante: como comunistas e socialistas obrigavam os seus conselheiros a entregar cartas de renúncia ao cargo¹ com a data em branco, no dia seguinte e ainda antes da hora marcada para a reunião do Conselho foram apresentadas 34 cartas de demissão (incluindo as dos conselheiros dissidentes...), deixando o órgão sem quórum. Estava desencadeada uma enorme crise política, não muito distinta das traulitadas que se trocam em tantas das nossas autarquias, mas que era para levar mais a sério porque se tratava de um país independente ao mesmo tempo que não era para levar assim tão a sério porque se tratava apenas de um país de 15.000 pessoas e 61 km² (com isso comparável em população e área ao concelho de Amares no Minho). A crise só poderia ser resolvida com a realização de novas eleições que os capitães-generais aprazaram para dali a mês e meio (3 de Novembro). Como é canónico nestas circunstâncias, a sua actividade limitar-se-ia aos assuntos de gestão corrente. Mas antes da data das eleições pôr-se-ia o problema da sua sucessão, considerando que o seu mandato legal caducava em 1 de Outubro. A Rovereta que dá o nome à crise é uma localidade na fronteira de São Marino com a Itália onde existia uma fábrica desactivada na qual a 1 de Outubro de 1957 se reuniram os conselheiros da oposição que resolveram, diante do vácuo legal, constituir um governo provisório de São Marino com o apoio descarado do governo italiano – havia um destacamento de carabineiros nos terrenos contíguos à fábrica, embora do outro lado da fronteira.

Os dias que se seguiram foram de um crescendo de tensão (conforme se pode ver no vídeo acima) mas de desfecho previsível (ao contrário do que os autores do vídeo mais abaixo quererão agora sugerir). Quando se extinguiu a legitimidade formal para os capitães-regentes exercerem o poder com o apoio da anterior maioria de esquerda, os dois só poderiam continuar a fazê-lo evocando uma situação de excepção. Mas, se o fizessem, seriam as próprias circunstâncias excepcionais evocadas que abririam a porta a uma intervenção italiana a solicitação da facção contrária. Apesar de alguns espíritos mais exaltados e do contrabando de armas na previsão de uma próxima guerra civil samarinesa (que também teria provocado a pronta intervenção italiana), depois de intensas negociações que demoraram um pouco mais de uma semana, a 11 de Outubro, a regência que deixara de o ser, reconheceu os poderes do governo provisório que entretanto também já fora reconhecido pelo governo italiano. A 27 de Outubro o Conselho elegeu dois novos capitães-regentes. As eleições marcadas para Novembro afinal não tiveram lugar, o ciclo eleitoral de 4 anos cumpriu-se até ao fim. Nas eleições de Setembro de 1959 a nova maioria de direita foi reconduzida. Mas a preponderância indiscutível da democracia-cristã em São Marino (à semelhança do que acontecia em Itália) só veio a ficar consolidada a partir das eleições seguintes em 1964, e por uma causa que nem os memorialistas militantes autores do vídeo abaixo estarão interessados em recordar: o alargamento do voto às mulheres que duplicou o eleitorado, mas também o tornou mais conservador. Não se pode esquecer que todos estes episódios aqui narrados se desenrolaram numa época em que as mulheres samarinesas não possuíam quaisquer direitos políticos e não será hoje muito curial reconhecer que alguma parte da força eleitoral da esquerda de então decorria dessa condição feminina.

¹ A propósito: alguém ainda se lembra de uma carta semelhante de José Magalhães, exibida por Álvaro Cunhal em frente às câmaras de televisão em 1990, quando aquele abandonou o PCP?

19 setembro 2014

CONFORME O ALVO, CONFORME A AGENDA...

Se no caso dos submarinos (Ferrostaal) temos uma situação judicial em que há condenações de corruptores na Alemanha sem que se saiba quem foram os corrompidos em Portugal, neste caso mediático recente que incide sobre Luís Filipe Menezes (acima, cabeçalho do Público de hoje) prefigura-se uma situação contrária: Menezes é o corrompido, a sua imagem embeleza as páginas de interior dedicadas ao assunto, enquanto a entidade corruptora é uma abstracção denominada empresa da Mota-Engil. A sério, querem-nos convencer que a nenhum jornalista lhe terá ocorrido o nome de quem era o presidente da comissão executiva da Mota-Engil à época?...

OS VOTOS DOS RÚSTICOS E OS DOS OUTROS

A distribuição dos votos do referendo na Escócia, onde se percebe à posteriori ter existido uma certa concentração do voto urbano no Sim e a animação mediática (com a indecisão) que isso proporcionou nos últimos dias de campanha, recorda-nos como a opinião publicada tende a enviesar a sua realidade para aquilo que encontra no panorama urbano próximo. Tome-se o exemplo do mapa acima, com os resultados da Frente Nacional nas últimas eleições cantonais francesas. Por se tratar de cantões, o mapa permite uma grelha bastante fina do território, onde, quanto melhor tiver sido o resultado da FN, mais escura é a cor. Há duas grandes regiões, assinaladas pelas elipses a preto: a meridional, que vem desde os tempos clássicos de Jean Marie Le Pen, na costa mediterrânica de França; a setentrional, onde, agora com Marine Le Pen, a FN tem vindo a registar o seu maior crescimento eleitoral nos últimos anos. E depois, há ainda o círculo branco, situado em cima da Grande Paris... A França urbana civilizada não gosta da extrema direita e o jornalismo confunde aquela atitude localizada com a adoptada pela generalidade da sociedade e é assim que a opinião publicada francesa apanha recorrentemente um melões com os resultados (e as vitórias) da Frente Nacional. Provando quanto a atitude é transversal, ainda agora e por cá, quase nem se percebe porque haverá compita entre António José Seguro e António Costa, tal é aparente superioridade deste último na nossa opinião publicada. A única previsão certa sobre as primárias do PS é que o resultado de António José Seguro vai ser uma surpresa.

AINDA O REFERENDO DA ESCÓCIA (OS RESULTADOS)

Recolhendo dois milhões de votos e registando uma maioria confortável de 384 mil, a opção pela permanência no Reino Unido prevaleceu no referendo que ontem teve lugar na Escócia. Nos 32 círculos eleitorais em que o país foi desdobrado para efeitos de contagem dos votos, a opção vencedora ganhou em 28. Excepções foram o círculo que cobre a cidade de Glasgow e outros dois adjacentes (Glasgow é a maior cidade da Escócia) e ainda o da cidade de Dundee (veja-se o mapa acima). Em contrapartida, cidades como Edimburgo (a capital) e Aberdeen votaram substantivamente (61 e 59%, respectivamente) com a maioria. Mas, talvez mais importante do que os quatro grandes círculos urbanos, terá sido o resultado nas simbólicas Highlands dos clãs onde o Não também venceu, embora por uma margem consistente com o resultado nacional (53%).

18 setembro 2014

O REINO UNIDO E A ILHA DE MAN

Ainda na continuidade do poste anterior e a propósito do fazer de conta que se sabe da matéria que o referendo na Escócia desencadeou (mas que às vez não chega para o encargo), aponte-se este mapa do Reino Unido acima, publicado mesmo hoje na p.2 do Público, e note-se a gralha assinalada (por mim) a vermelho mesmo no centro: apesar de assinalada como tal, a ilha de Man não faz parte da Inglaterra; na verdade, juridicamente nem sequer faz parte do Reino Unido. Como sugeri mais abaixo, sempre ajudava ter dado uma leitura ao livro de Norman Davies que o estatuto peculiar daquela pequena ilha de 80 mil habitantes está lá explicado (p. 719). A wikipedia passou-nos a dar uma ajuda nas ignorâncias conhecidas mas, como terá acontecido com os desenhadores do mapa, continua a nada poder fazer pelas que ignoramos ignorar...

COMENTÁRIOS AOS COMENTÁRIOS AO REFERENDO ESCOCÊS AO SOM DE «SCOTLAND THE BRAVE»

The Isles: A History é um livro escrito por Norman Davies, editado em 1999. Há que reconhecer que não se trata de um livro muito acessível – duplamente: custou-me 9.815$ na FNAC uns anos depois e, entre o corpo principal e os (63!) anexos tem um pouco mais de 1.200 páginas. Mas é livro para nos explicar a complexidade das relações entre as várias nações que habitam as ilhas que Davies evitou, explicando detalhadamente porquê, qualificar de britânicas no título. Um exemplo que já usei aqui no blogue pode ser a história do mais bonito hino que conheço, Hen Wlad Fy Nhadau, o hino galês. Sobre o assunto supra, como acontece frequentemente, quanto mais conhecimentos adquirimos, com menos certezas ficamos.

Nesta época em que as opiniões sobre o referendo a respeito da independência escocesa são como os cus (toda a gente tem uma e manda cá para fora umas merdas), seria irrealista, à falta da contenção decorosa que deveria assistir a quem percebesse previamente muito pouco sobre o assunto, pedir ao contingente opinativo que se documentasse em calhamaços destes com mil páginas, antes de produzir por aqui e por aí as tais merdas. Disso eu já estava à espera. Confesso que não estava à espera é que numa historieta que teria, à partida, todas as condições de ser apresentada como a luta de David contra Golias¹, uma substancial parte da maralha se apresentasse a tomar doutamente partido... pelos Golias.

Só pela insídia da publicidade dada – por exemplo (mas que exemplo!) – à opinião do FMI sobre a independência escocesa dei por mim irritadamente a torcer pelo outro lado. Descobre-se que o FMI moderno afinal pronuncia-se sobre variadíssimos assuntos. E que a opinião é muito citada. Embora não me lembro de Portugal ter pedido o agrément público do FMI quando há 40 anos se decidiu pela descolonização. De resto, se se estava numa atitude de auscultar a opinião de grandes organismos internacionais sobre a independência escocesa, porque não perguntar também à FIFA? Provavelmente porque para esta a questão nem se põe: sempre existiu uma federação escocesa de futebol distinta da inglesa...

Em termos específicos, o irónico da situação é que muito provavelmente os nacionalistas escoceses já ganharam o referendo, independentemente de qual for o resultado. Como David Cameron extremou as posições, foi ele que acabou perdendo com a manobra. Em termos mais gerais o episódio vale pelo papel ideológico conferido ao FMI que aqui aparece como se fosse uma Internacional Capitalista, ao melhor estilo das suas antecessoras de inspiração distinta, explicando-nos o que é que é melhor para a Humanidade. A diferença é que o papel outrora representado pelos apaniguados comunistas é agora desempenhado por uma plêiade de opinadores que, distintos, acabam sempre por opinar concertadamente.

¹ Ou do Robin dos Bosques contra o Xerife, embora o Robin, convêm esclarecer, seja inglês e não escocês.

17 setembro 2014

SE TODOS FOSSEM IGUAIS A VOCÊ...

Noticiar que Gérard Depardieu se gaba de que chega a beber 14 garrafas de vinho por dia é apenas grosseria. Do próprio que as bebe e de quem notícia. Nunca se contaram, muito menos se noticiaram, as garrafas de uísque diariamente emborcadas por Vinícius de Moraes, mas o que se recorda dele é o quanto os seus porres podiam ser criativos...

SEM DÓ NEM PIEDADE

Na semana passada António José Seguro deu uma entrevista ao jornal i onde procura realçar o seu lado de provinciano em confronto contra uma intelectualidade lisboeta hegemónica mas ineficaz que ele considera estar a apoiar maioritariamente o seu rival António Costa nas primárias do PS. Na retaliação, como que por acaso, reapareceu na net o destaque a um vídeo já com ano e meio de antiguidade, onde os mais distraídos poderão perceber as razões da incompreensível ausência de críticas do PS a Miguel Relvas mesmo depois de ele se tornar motivo de escárnio e um alvo político frágil e apetecível. O que eu acho despropositado nestas disputas são as canduras de quem apela consecutivamente à elevação nos debates: ou está a ser hipócrita ou está a ser ingénuo e aí o melhor que tem a fazer é ir procurar, a tal de elevação, noutras actividades.

DOIS, SETE, DEZOITO, CINCO, CINQUENTA, QUINZE

Passaram-se já 2 anos desde que Pedro Passos Coelho anunciou ao país num discurso pela televisão que pretendia aumentar em 7% o peso das contribuições dos trabalhadores para a Segurança Social, colocando-as num novo patamar de 18% (idêntico ao da contribuição patronal que, incidentalmente, desceria 5%) e que depois disso, certamente para descontrair, foi a um espectáculo onde se celebravam os 50 anos de carreira de Paulo de Carvalho e onde o fotografaram a cantar animadamente a Nini dos meus 15 anos. Se isto fosse artigo de jornal, destinar-se-ia decerto aos intelectuais: tem números demais...

16 setembro 2014

CRISE NO PARTIDO PELOS ANIMAIS E PELA NATUREZA (PAN)

Provavelmente dever-se-á a um enfrentamento ideológico profundo quiçá irreconciliável entre a facção pró-fauna e a outra facção pró-flora.

O «B FACHADA» DA PROSA COLEGIAL


Quando encarado de uma forma desportiva, acaba por se tornar lisonjeiro descobrir um texto que, de tão descaradamente inspirado pela metade num nosso, se pode considerar quase um plágio nessa parte. Há actualmente quem faça desse género de actividade um modo de vida e lhe chame reinterpretação (veja-se o vídeo acima com B Fachada a cantar Etelvina). Mas o que se torna descoroçoante depois da lisonja, é constatar a falta de qualidade da versão de António Miguel Miranda – copiada ou reinterpretada. É que nem todos os autores de originais terão o fair-play mostrado acima por Sérgio Godinho quando evita qualificar de uma merda aquilo que é uma merda. A canção da Etelvina não merecia ser maltratada assim e, que me desculpem esta franqueza só possível entre ex-alunos do Colégio Militar, aquela minha parte da história sobre o Márinho também não.

15 setembro 2014

JINGOÍSMO


Hoje esquecida, a expressão jingoísmo descreve a forma como a opinião pública britânica condicionava a agressividade da política externa do Reino Unido durante o período do seu apogeu vitoriano, no último terço do Século XIX. Jingo é uma palavra substituta de Jesus numa sociedade que, apesar de não se incomodar em mostrar a maior agressividade para com os estrangeiros, gostava de não se considerar blasfema empregando o santo nome de Deus em vão. A expressão by Jingo que acabou por baptizar a doutrina apareceu pela primeira vez numa peça de music-hall composta em 1878, a Canção de Guerra de McDermott (Gilbert H. MacDermott (1845-1901), uma estrela da época). Havia um refrão onde todos o acompanhavam: We don't want to fight, but by jingo if we do, We've got the ships, we've got the men, and got the money too!¹. O refrão continua mas essa outra parte da bravata² e a potência rival que se procurava intimidar no momento (a Rússia) vieram a perder actualidade com a evolução da situação geopolítica: de facto, considerando a letra da canção, é até uma ironia que Rússia e Inglaterra viessem a lutar como aliados em qualquer dos dois grandes conflitos mundiais do Século XX. Porém, mais do que uma mera rivalidade com qualquer dos outros nacionalismos europeus, o jingoísmo era uma atitude: num pub, junto ao piano, com uma caneca de cerveja na mão, o animador do serão encarregava-se de mais uma proclamação da superioridade britânica escorando as convicções e encorajando a sede dos clientes. Esta evocação do jingoísmo pareceu-me pertinente como pretexto para perguntar por onde andará ele nos dias que correm...

¹ Não queremos entrar em Guerra mas, meu Deus, se tiver que ser, temos os navios, temos os homens e também temos o dinheiro!
² We've fought the Bear before, and while we're Britons true, The Russians shall not have Constantinople – Já antes combatemos o Urso (a Rússia) e enquanto nos mostrarmos verdadeiros bretões, os russos nunca ficarão com Constantinopla (Istambul).

NÃO OS CICLOS DA POBREZA, MAS OS CICLOS DE COMO SE PENSA A POBREZA

Como se se tratasse de um lentíssimo pêndulo de relógio, há um certo género de opiniões que oscilam de um extremo a outro ao longo do tempo, e aquilo que nos torna confrangedoramente em veteranos é a confissão de já lá termos estado quando o que era moda era mostrar-se que se pensava de forma antagonicamente diferente da actual. Ora aquilo que eu penso ser deplorável nas declarações em que, mais uma vez, apanharam Isabel Jonet não é a sua constatação daquilo que se sabe ser óbvio, muito menos a imprudência e a impudência de alguém que já deveria ter aprendido a moderar-se por causa de episódios semelhantes.
É que Jonet já tem idade (54 anos) para se recordar dos tempos em que o pêndulo da moda estava encostado ao outro lado da ideologia, em que as críticas iam para o outro profissionalismo, não o da pobreza mas o seu, o da caridade, em que, por exemplo, José Barata Moura se notabilizava por cantar o Vamos Brincar à Caridadezinha (1973). Neste ciclo actual, pessoas como Isabel Jonet poderiam ter tido o privilégio de se comportar de forma tolerante, mas não consigo ver nestas suas atitudes senão um sentido renovado de desforço que desmentem até o cristianismo tolerante que supostamente norteariam a sua actividade (profissional).

Resta-me desejar que daqui por 40/50 anos, os protagonistas do próximo ciclo sejam menos dogmáticos e mais generosos que Barata Moura e Isabel Jonet...

A MENSAGEM

Apesar de regressado ao país em 1969, em finais da década de oitenta Agostinho da Silva permanecia a figura desconhecida do grande público que sempre fora até que um encadeamento de aparições televisivas na RTP (emissora então única), culminando com uma série de treze entrevistas (e treze entrevistadores) em outros tantos programas denominada Conversas Vadias, o ter catapultado para a notoriedade e o estrelato televisivo como grande comunicador, portador de um discurso filosófico riquíssimo, mas de onde pouca gente chegava a retirar substantivamente alguma coisa. É sob esse ambiente de Agostinho da Silva: É o que está a dar! que surge este cartoon de Rui (1989), onde uma turba anónima lhe pedia a mensagem como se isso fosse o propósito último deste octogenário tornado subitamente numa superstar, de que todos diziam gostar mas a que muito poucos prestariam efectivamente atenção. Mas, neste pedido massivo, simbólico e inédito de uma mensagem pela primeira vez conseguiu-se ver a máquina televisiva a alçar alguém àquele estatuto televisivo em que se torna venerando mau grado o perigo da senilidade e mesmo que aquilo que diga seja inventado (José Hermano Saraiva), repetitivamente trivial (Adriano Moreira) ou até mesmo ridículo (Mário Soares). Num mundo ideal, as pessoas venerandas deveriam ser preservadas de aparições caricatas mas, parafraseando Eurípedes, os deuses tornam sedentos de protagonismo aqueles que querem expor ao ridículo.

14 setembro 2014

PARA QUE DEPOIS NÃO SE DIGA QUE NÃO SE HAVIA DITO

A multiplicação dos interessados na Espírito Santo Saúde, integrado num grupo económico reputado pela sua debilidade financeira, parece ser sinal demonstrativo de quão altas vão as expectativas quanto àquela área de negócio. Várias explicações existirão para tanto optimismo, mas isso não pode constituir autorização para que as instituições que operam nesse ramo da saúde privada devam exibir desde o presente aquilo que serão apenas ganhos potenciais. Um exemplo grandioso (e a expressão é aqui empregue em mais do que um sentido...) é a Fundação Champalimaud que, desde o seu arranque e dedicada precisamente à área da saúde, não se tem furtado a esforços para alcançar uma notoriedade pública que chegou mesmo a ofuscar a da Fundação Calouste Gulbenkian, a única que, em Portugal, parecerá capaz de com ela rivalizar.
A verdade, porém, é outra e avaliar-se-á de uma outra forma que através das aparências da arquitectura das sedes ou da cobertura mediática dada às cerimónias que patrocina. É pela evidência das circunstâncias, que se reconhece que o legado de António Champalimaud nunca pôde ter a mesma robustez (financeira) da do multimilionário arménio. Mas, mais importante para o que aqui se trata, o estilo de gestão de Leonor Beleza parece não estar a revestir-se dos mesmos cuidados de discricionariedade e de proporcionalidade que marcaram a gestão de Azeredo Perdigão a partir de 1956. As contas não costuma(va)m mentir: enquanto a Fundação Calouste Gulbenkian registou nos dois últimos anos (2012 e 2013) resultados positivos da ordem dos 150 milhões em cada um desses anos,…
...a Fundação Champalimaud tem registado desde o arranque prejuízos sucessivos que, até 2012 (ainda não estão disponíveis as contas de 2013 no seu site…), se cifraram cumulativamente em quase 50 milhões. Valha a verdade que há que reconhecer como a Fundação Champalimaud ainda possui mais de 300 milhões de capitais próprios para desbastar antes de ser obrigada a ter resultados positivos. Mas também é verdade que, diante destes números, nos questionamos se não pode ponderar se a actuação de Leonor Beleza à frente da Fundação – por sinal, uma escolha do próprio António Champalimaud – não estará a ter muito mais exuberância do que eficácia. Mas posso apostar que, se e quando isso se vier a tornar público, também aí, Cavaco Silva dirá que desconhecia o que se estava a passar…
O tempo passa, parece ser a senilidade que chega e, com o caso do BES de que falámos ao princípio, têm-se acumulado as distracções de alguém que se ufanava da presciência de ter identificado o Monstro (défice) antes de todos os outros, ainda em Outubro de 2000.