31 julho 2014

SEMPRE CHEGARAM A SABER ONDE FICAVA A GUINÉ-EQUATORIAL?

Eu bem sei quanto o género da piada é recorrente, mas torna-se irresistível quando ouvi tantas opiniões indignadas, emitidas sem vacilação sobre uma Guiné Equatorial de expressão portuguesa que nesta rápida semana que entretanto passou desapareceu (como viera) dos escaparates. E desta vez o meu sarcasmo é elaborado em jeito de pergunta: quantos, dos opinadores que predominaram sobre a opinião publicada portuguesa nas críticas da adesão do país à CPLP, chegaram a saber realmente onde é que se localizava a Guiné-Equatorial? Ela continua a existir...

A EXPRESSÃO DA INTELECTUALIDADE DE PONTA NA ÉPOCA BALNEAR 2014

O Capital no Século XXI é o livro que está a dar nesta época balnear 2014, para aqueles que representam em intelectualidade o equivalente à categoria de peso-pesado em pugilismo. Tinha reparado outro dia que a FNAC ousou importar logo as duas versões: a original francesa, marginalmente mais barata e mais detalhada (950 páginas) e a tradução em inglês, mais compacta, com menos de 700 páginas. Para os assumidamente preguiçosos, já há mesmo versões Reader’s Digest com 40 ou 120 páginas. Mas o efeito a acompanhar a toalha de praia, no areal ou à borda da piscina, consegue-se melhor com as originais e aí, a versão francesa, com esta tarja vermelha de onde ressalta o nome do autor, Thomas Piketty, concede uns pontos de sofisticação adicionais, para que a vizinhança ilustrada se aperceba que ali vai alguém que se preocupa com matérias densas e que, ainda por cima, ainda é um dos de velha estirpe, daqueles que lê originais em francês numa época em que a familiaridade com o idioma está em decadência.

30 julho 2014

FORÇA, FORÇA, COMPANHEIRO VASCO

Sempre que leio notícias que insistem naquele aspecto supérfluo dos notáveis que apoiam não sei quem nas candidaturas, apetece-me recuperar estes dois exemplos do passado, para amostra e para lição de quem hiperboliza tais inutilidades. Quem é que, de facto, arrasta votos consigo? O exemplo de cima, deliberadamente maldoso mas mais para o chocarreiro, foi retirado de uma capa do hoje desaparecido jornal 24 Horas de Julho de 2004; o de baixo, absolutamente linear na origem mas muito mais venenoso considerando os desenvolvimentos posteriores e/ou os trocadilhos que se possam vir a fazer entre velhos e novos(…), foi usado na campanha autárquica da coligação lisboeta PS/PCP de Novembro de 2001.

28 julho 2014

BANDA SONORA PARA UM CÉU SILENCIOSO

Da varanda do quarto de hotel que ocupo o céu aparece dominado pela estrela polar e pelas suas duas guardas, luminosas numa noite demasiado silenciosa para os meus ouvidos habituados a bandas sonoras quase indispensáveis. É por isso que me ocupo instintivamente a ocupar o silêncio com algo adequado à placidez do céu, com temas celestiais, uma evocação a um anjo.

SOBRE ALMOÇOS E OUTROS SERVIÇOS GRÁTIS

Quando se está no Alentejo profundo é quase imperioso perdermo-nos. Explicar-nos como se chega ao local que buscamos é função que o alentejano médio desempenha não apenas com zelo mas até com volúpia. Que um Milton Friedman, Nobel da Economia mas na sua ignorância de falta de Mundo, tenha querido explicar o funcionamento deste último com a famosa frase da inexistência de almoços grátis, levo-o à conta do desconhecimento do que é o Alentejo. É tolerância que não estendo caridosamente - caridade cristã, entenda-se... - a João César das Neves, que utiliza a mesma expressão para título das suas crónicas jornalísticas e que não precisa de se esforçar muito para perceber que no seu país há quem preste serviços graciosamente sem o incentivo de umas moedinhas...

27 julho 2014

AFRO

Numa época em que, por causa da insubmissão dos outros membros da CPLP na questão da admissão da Guiné-Equatorial, alguns dos nossos instintos tutelares neo-coloniais parecem ter reaparecido à superfície (no pressuposto de que ninguém interpreta a moralidade do que deve ser a CPLP melhor do que nós, lídimos detentores originais da língua portuguesa), nada melhor que esta exibição de uma africanidade exuberante para a parodiar. E para mostrar apenas um exemplo de como as antigas metrópoles bem cedo perderam o controlo deste género de organizações, na Conferência da Commonwealth de 1961 (de há 53 anos!), já a Índia e a Malásia pediam a expulsão da África do Sul por causa da sua política de apartheid e, apesar de uma feroz hostilidade britânica para com o governo cipriota do arcebispo Makarios III, que conduzira uma campanha de atentados terroristas contra as autoridades coloniais antes da independência (1960), Chipre foi admitido na Commonwealth com os votos da esmagadora maioria dos restantes membros. Não há nada como uma boa ignorância da História para robustecer as indignações alheias, apelando a uma moralidade de um Mundo que nunca existiu…

CONVERSAS À QUINTA

Programa semanal em vídeo da responsabilidade do Observador com a duração aproximada de uma hora. José Manuel Fernandes desempenha o papel de anfitrião e os convidados são Jaime Gama e Jaime Nogueira Pinto. Recomendo. É agradável ouvir uma conversa erudita q.b. e inteligente. Dado o perfil dos convidados a política internacional predomina entre os tópicos. Mau grado aparentar não estar em grande forma física, Jaime Gama aparece como uma verdadeira revelação como tertuliano; Jaime Nogueira Pinto destaca-se mais naquele estilo blasé que se lhe conhece. José Manuel Fernandes aplica-se a acompanhá-los e se calhar devia-o fazer menos, porque se nota o seu esforço para parecer de uma erudição casual como os outros. O link para um dos programas da série – no caso dedicado ao separatismo catalão e escocês – permite encontrar os outros programas já emitidos. É uma pena que nem sequer os canais de informação se disponham a alocar assim uma hora das suas emissões para um programa do género, ou então que as tertúlias dos seus programas pareçam ter de ser obrigatoriamente em registo muito mais ligeirinho. Dá gosto ouvir opinar alguém que há algum tempo tem vindo a ler umas coisas sobre o assunto sobre o qual opina…

26 julho 2014

O TIRO, LIRO, LIRO e o TIRO, LIRO, LÓ


Pela forma como está a ser apresentada (Juncker quer Maria Luís para comissária, lê-se no Expresso hoje), a promoção(?) de Maria Luís Albuquerque, parece em estádio preparatório de coisa quase adquirida. Como consta da letra da tradicional canção, se lá em cima (Bruxelas) está o tiro, liro, liro, cá em baixo (só) está o tiro, liro, ló. Segundo se lê pelas notícias, Jean-Claude Juncker e Pedro Passos Coelho ter-se-iam juntado os dois à esquina, a tocar a concertina e a dançar o solidó e entre compadres, Juncker terá dito a Passos Coelho o quanto gosta da sua afilhada: é bonita, apresenta-se bem, parece que tem a fase rosada… Adversos aos aforismos dos folclores tradicionais há quem, comigo e cá por baixo, pelas terras do tiro, liro, ló (que na canção original não eram, mas agora estão subordinadas às lá de cima, do tiro, liro, liro), discorde veementemente dessa eventual promoção. Objecções que começam pela pessoa - Carlos Moedas - de que se começa a falar para a substituir, alguém que me merece outro aforismo, mas menos canónico: Foda-se! Duas temporadas para Gaspar, agora uma para Maria Luís, a rotatividade do titular da pasta das Finanças nestas circunstâncias não se pode assemelhar às dos treinadores de um clube de futebol mais ou menos em crise... por muitas asneiras que se tenham cometido.

DINHEIRO EM FUMO

Mais uma vez, como acontece em todos os escândalos financeiros, estão a surgir e avolumar-se-ão as perguntas para onde terão ido os milhares de milhões em falta nas contas do grupo Espírito Santo. E a resposta mais honesta não será de molde a agradar àqueles que se mostram mais veementes na sua indignação: é muito provável que não tenham ido para lado nenhum. Vivemos tempos em que nas redes sociais há a tentação de substituir pela veemência na indignação a ignorância a respeito do tema sobre o qual as pessoas se manifestam. E multiplicam-se as indignações absurdas, ridículas por se tratar de ignorâncias extremas. Mas há outros exemplos que tratam matérias mais sofisticadas, como este. É que a esses indignados ignorantes, se calhar nem vale a pena explicar tão simplesmente que a actividade económica não costuma ser um jogo de soma nula – sobretudo porque muitos deles nem saberão o que é um jogo de soma nula. Nos grandes colapsos financeiros, como na fotografia acima, a esmagadora maioria do dinheiro desvanece-se em fumo, sem aproveitar a ninguém. Fica a faltar o ladrão para apontar o dedo...

25 julho 2014

UMA CAMPANHA ALEGRE

Este título, descaradamente plagiado de Eça de Queirós, serve para evocar a imagética de uma das mais imaginativas campanhas eleitorais para eleições autárquicas, a de Lisboa em 2001, a começar pela do futuro vencedor, que prometia acima aos lisboetas uma Lisboa Feliz. Trata-se de pessoa que pugna de tal forma pela felicidade alheia, que ainda recentemente se propôs espalhar ainda mais felicidade por todos os outros portugueses, agora a partir do Palácio de Belém… Mas a imaginação estendia-se à concorrência que se socorria de engraçadíssimos cartazes de exterior:
Houve quem dissesse que cumpria, mas que depois não ficou para cumprir.
Houve quem dissesse que ficava, mas que depois não cumpriu que ficava.
E houve quem dissesse que fritava, porventura a promessa mais honesta e mais famosa da campanha, embora a menos remuneradora apesar da honestidade: Santana Lopes, João Soares e Paulo Portas continuam, cada um à sua maneira, a andar por aí enquanto o óleo Mimo, quedando-se pelas prateleiras, o faz muito mais discretamente.

24 julho 2014

PRINCÍPIOS MORAIS CONFORME O FUSO HORÁRIO

We will stand on principle... or we will not stand at all.

O filme Dama de Ferro atribuiu a frase supra a Margaret Thatcher: Orientemo-nos por princípios...ou então não nos orientaremos de maneira nenhuma. Não sei se a terá chegado realmente a pronunciar, mas sei que é uma daquelas frases mais apropriadas para ser atribuída a alguém, do que a esperar que quem a proferiu se tenha guiado realmente por ela; no decorrer da sua carreira política garantidamente nem sempre terá tido possibilidade de a cumprir e levar até às últimas consequências, como acontece de resto com todos aqueles que têm que actuar na diplomacia real. Quase ao mesmo tempo que do outro lado do Mundo, em Díli, durante a Cimeira da CPLP, o presidente e o governo português, sem o dizer protocolarmente, alimentavam a sua imprensa com as suas reservas à admissão da Guiné-Equatorial na organização, invocando, entre outras causas, os desrespeitos pelos direitos humanos registados pela ditadura do governo do país recém-admitido, a um mero fuso horário de distância do de Lisboa o nosso governo fazia questão de estar representado pelo seu vice-primeiro-ministro Paulo Portas na recepção a uma curta escala técnica de seis horas que o presidente chinês realizou nos Açores. A China, como a Guiné-Equatorial, também não costuma ser tomada por um daqueles países com um currículo referenciável quanto ao cumprimento dos direitos humanos, nomeadamente quanto à prática da pena de morte, assunto a que se atribuiu muita importância em Díli e nenhuma na ilha Terceira. Deve ser por sermos uma pequena potência que não devemos estar habituados a esta hipocrisia on-line: os nossos princípios morais são inquebrantáveis… mas dependem do fuso horário.

O PÃO COM MANTEIGA DO POBRE QUANDO DEIXADO CAIR POR UMA JUSTIÇA CEGA

Como corolário do ditado popular que estabelece que o pão do pobre cai sempre com o lado barrado com manteiga para baixo, pode acrescentar-se que, em Portugal, o rico poderoso só depois de cair em desgraça é que tem contas a ajustar com a justiça. O que, retrospectivamente e perante o acumular das coincidências, não diz nada de bom sobre a imparcialidade desta última.

23 julho 2014

AS EXPLOSÕES DE BRUNO BRAZIL

Ainda no embalo explosivo das boas explosões que a BD nos pode propiciar, exibem-se as de William Vance (1935- ) e de Bruno Brazil, com outro traço e outra atmosfera, às quais acresce a presença dos figurantes, projectados desamparadamente com poses e esgares apropriados ao momento. Um outro estilo, que igualmente muito aprecio.

AS CRISES IMPORTANTES NÃO FORAM URGENTES

Hoje (23 de Julho) é o dia em que se comemora o centenário da apresentação à Sérvia do ultimato da Áustria-Hungria que veio a estar na origem da Primeira Guerra Mundial. Há cem anos, a Guerra aproximava-se mais ainda não chegara. Se recordarmos a evocação que eu aqui fiz do atentado que esteve por detrás da apresentação deste ultimato, apercebemo-nos que transcorreram entretanto mais de três semanas. Nos destaques da informação das grandes crises internacionais em 28 de Junho passado, mas deste ano, a cobertura à ofensiva dos fundamentalistas islâmicos no Iraque que vigorava por aqueles dias já foi substituída primeiro pelo assassinato de três jovens israelitas e pela consequente escalada dos confrontos em Israel e depois disso pelos desenvolvimentos do derrube do avião malaio sobre a Ucrânia. Para mais, durante estas três semanas praticamente não se falou da Síria, do Afeganistão ou da Líbia, comprovando que existe uma espécie de tara máxima daquilo que a informação pode comportar quanto se trata de crises internacionais que bordejem o estatuto de conflito armado, assim como há uma capacidade limitada de manter as notícias viçosas nos destaques.
Este retorno evocativo dos centenários dos acontecimentos que precipitaram o Mundo para a Primeira Guerra Mundial poder-nos-iam servir de reflexão de quanto aquilo que é realmente importante, normalmente não sendo urgente, costuma tomar o seu tempo a realizar-se. Pelo ritmo das celebrações dos centenários, pode acompanhar-se a lenta inexorabilidade das decisões que levaram ao conflito: o ultimato que aqui evoco, por exemplo, só irá ser respondido depois de amanhã; e ainda há que aguardar mais do que uma semana, pelos primeiros dias de Agosto, para que fracassassem as derradeiras tentativas de mediação e se procedessem às verdadeiras declarações de guerra que interessavam, aquelas que foram trocadas entre as grandes potências, acompanhadas das respectivas ordens de mobilização geral dos milhões que compunham os exércitos. Ora, quase que aposto que daqui por uma semana já se terá esgotado o assunto do momento, o do derrube do voo MH17 e os destaques da informação estarão noutra. É por isso, caro leitor, que lhe posso assegurar que, se estiver para acontecer algo sério, suspeito que não será pelo seu acompanhamento das notícias principais que o saberá antecipadamente…

22 julho 2014

AS EXPLOSÕES DE BLAKE & MORTIMER

Em cinema, o que explode explodiu, e por muito que a queiramos prolongar, a processemos em câmara lenta ou multipliquemos os planos com a detonação, a explosão restringe-se a um momento que o espectáculo tem de continuar. Pelo contrário, uma explosão na BD pode tornar-se intemporal, porque o seu tempo depende do tempo do leitor.
Entre os autores de BD que tenho por mais expressivamente explosivos, um deles é Edgar Pierre Jacobs (1904-1987) que, apesar de desenhar um Blake & Mortimer muito mais composto em todos os outros aspectos de figuração, se constata aqui como adorava desenhá-las, às explosões, olhando directamente para elas sem receio de ser atingido pelos detritos…

COREIA por Margaret Bourke-White

A pretexto da visita que Cavaco Silva está a realizar à Coreia do Sul permitam-me a publicação desta fotografia chocante, tirada vai para mais de 60 anos pela fotógrafa norte-americana Margaret Bourke-White (1904-1971), quando da Guerra da Coreia (1950-53). É verdade que o nosso olhar se fixa inicialmente na cabeça mas a verdadeira crueldade exprime-se por outros detalhes: pelo oculto que exibe a cabeça decepada agarrando-lhe pelos cabelos, pela inexpressividade cansada, quase resignada à sua sorte, que se pode ler na face do decapitado, sobretudo pelo sorriso do soldado que contempla a cena de machado ao ombro, conferindo à cena uma trivialidade que verdadeiramente a desumaniza.

Adenda (25/7/2014): Como concluí de uma conversa com um veterano de uma das guerras que travámos em África, houve, muito episodicamente, incidentes em que um qualquer irresponsável se resolveu a apropriar-se de um destes troféus de guerra para o exibir no quartel. Depois houve um outro irresponsável que o fotografou. E depois, no fim, tinha que aparecer o esforço frenético da hierarquia para apreender tudo, troféu e fotos, antes que eles se transformassem num desastre de propaganda. Neste caso concreto, por exemplo, a fotografia só terá sobrevivido porque envolve apenas coreanos; uma fotografia semelhante envolvendo norte-americanos teria escassas hipóteses de sobreviver à censura militar.

21 julho 2014

LEMBRANDO A OTI A PROPÓSITO DA CPLP

Não sei quantas pessoas se lembrarão ainda da OTI. Não se tratando de uma organização internacional de grandes ambições geopolíticas – era uma organização de televisões dos países ibero-americanos – a sua composição podia-se prestar, apesar de tudo, a interpretações desse cariz. Fundada em Março de 1971 no México e popularizada através da realização de um Festival da Canção muito semelhante ao da Eurovisão, podia-se perceber o desejo na adesão de Portugal – ou melhor, da RTP – em romper um certo cerco político em que as democracias ocidentais europeias haviam colocado o regime marcelista. Nesses primeiros anos, o Festival da OTI aparecia nas pantalhas como uma alternativa ao da Eurovisão, conferindo à organização uma notoriedade que rapidamente desapareceu quando, depois de 1974, as prioridades de Portugal puderam passar a ser outras. O festival já deixou de se realizar há mais de uma dúzia de anos e que o se pode dizer do historial da participação da RTP nele (abaixo, a estreia em 1972, com Tonicha) pode sintetizar-se na conclusão que não parece fazer parte da vocação portuguesa a de competir com sucesso em festivais da canção internacionais…

A OTI, apesar das ambições que suscitou e que eram muito mais vastas do que apenas a acima descrita para Portugal (os países latino-americanos procuravam, por exemplo, fazer dela um contraponto à fortíssima influência cultural, especialmente audiovisual, vinda da América do Norte, o Brasil obrigava-se, como é seu timbre, a procurar exercer a sua hegemonia em tudo o que sejam manifestações que contestem a ascendência norte-americana, Espanha, México e Argentina tinham as suas próprias agendas, etc.), ter-se-á tornado num projecto fracassado e a OTI parece hoje ter-se tornado numa organização adormecida. Uma das causas, pelo menos nos casos português e brasileiro, percebe-se de imediato se se olhar para um mapa-mundo com os países fundadores da OTI (mais acima) e bastando conhecer um pouco de geografia. A demografia tornava a OTI numa organização fortemente dominada pelos países de língua castelhana: eram dezanove versus a dupla dos países de língua portuguesa e por isso o português esteve sempre longe de adquirir a paridade que lhes mereceria (a Portugal e ao Brasil) a continuidade do investimento. Significativamente, quando se visita a página da organização actualmente existente na net, ela nem sequer é bilingue…
Pois bem, esse é um aspecto em que a questão da próxima adesão da Guiné-Equatorial à CPLP parece-me assemelhar-se um pouco à da OTI, só que a desproporção entre português e castelhano é a inversa. Já aqui tive oportunidade (já há oito anos!) de tentar explicar como a Guiné-Equatorial foi um acidente da História, resultado de uma negociação entre Portugal e a Espanha em que os interesses de ambos estavam noutro continente. Intriga-me a personalidade do português que se lembrou da ideia, intriga-me ainda mais a personalidade do espanhol que a comprou. Os 190 anos de administração colonial espanhola são notáveis… por ninguém se lembrar deles. Será ínfima a percentagem de espanhóis que hoje saberão que tiveram uma colónia na África equatorial, muito menos localizá-la num mapa. É por isso que se afigura natural que, dada a sua pequena dimensão e perante o desinteresse da ex-metrópole, desirmanado de outros países que compartilhem as mesmas raízes culturais, a Guiné-Equatorial procure fazê-lo com o que de mais aproximado há pelas redondezas. Adoptou o Franco CFA como sua moeda. As críticas que tenho lido a pretexto da ausência de raízes lusófonas dão uma nota de exclusivismo pedante: a Commonwealth britânica conta no seu seio com países como Moçambique ou o Ruanda, a CPLP já concedeu o estatuto de associado a esse farol da lusofonia que é a ilha Maurícia
Mas as críticas mais substantivas à adesão da Guiné-Equatorial à CPLP que tenho lido não têm a ver com o próprio país, antes com a pessoa que a dirige, Teodoro Obiang. Além de ser um ditador, é um ditador rico, o que tem servido de argumentação daqueles que se opõem à adesão da Guiné-Equatorial contra os que se mostram favoráveis a essa adesão: sugere-se que quem defende a entrada da Guiné-Equatorial na CPLP só o faz pelo interesse nas riquezas petrolíferas daquela. Mas há melhor que isso, hoje li a quem segue esse estilo de argumentação, um link para uma artigo da Forbes (já com dois anos) que classifica Teodoro Obiang entre os cinco piores dirigentes africanos. Com tanto azar que na mesma lista aparece também José Eduardo dos Santos… Se a reputação de dirigente do país pertencente à CPLP é assim tão fundamental para a sua presença na organização, não será de equacionar pedir também a suspensão de Angola?... A sério, suponho que será preferível discutir ideias (neste caso países) e não pessoas. E a esse título e mais do que a admissão da Guiné-Equatorial, confesso-vos a minha apreensão ao apreciar o mapa abaixo e a heterogeneidade dos países identificados como interessados em associar-se à organização, pois, para lá da identidade democrática ou autocrática de quem os dirija, tenho dificuldade em descortinar o que Croácia, Roménia, Ucrânia, Filipinas ou Austrália têm a ver com uma ideia do que possa ser a CPLP.

A QUINTA INTERNACIONAL?

Não deixa de ser curiosamente irónico depararmo-nos em plena navegação pela internet com uma ilustração da organização fascista grega Aurora Dourada (Χρυσή Αυγή) usando um desenho que foi descaradamente copiado do que durante anos enfeitou o cabeçalho do jornal Luta Popular, o inesquecível órgão central do MRPP, antes dele aburguesar a sua apresentação. Além do orgulho que representa esta exportação do design revolucionário português além-fronteiras, não deixa de se constatar pertinentemente que, mais do que a ideologia e ao contrário do que preconizava Marx, o que ainda pode aglutinar certo género de organizações de proveniências distintas serão os métodos e a consonância de objectivos. Após uma Segunda socialista, uma Terceira comunista e uma Quarta trotskista, hoje esvaziadas de propósito, o Século XXI bem pode ser o século de uma Quinta Internacional, unificada pelo Reboliço-Político-contra-o-Sistema-Capitalista.

20 julho 2014

POR CIMA DA CAPOTA

Admito que este plano, apanhando a capota de um táxi no meio da feérica noite parisiense, até poderia ser um arrojo estético em 1967, quando Jean-Paul Margnac tirou a fotografia acima. Só que, quase vinte e cinco anos depois disso, uma hoje famosa apresentação da comédia The Naked Gun 2½ (Aonde é que pára a Polícia? - 1991) levou aquele mesmo plano aos limites do absurdo, numa cena (abaixo) que termina com a imorredoura Zsa Zsa Gabor (1917- ) a esbofetear a lâmpada, numa paródia a um muito publicitado fait-divers envolvendo a actriz(?).

A SEMÂNTICA E A SUBSTÂNCIA DA «CONVERGÊNCIA»

Faz-me impressão a leveza com que entre os grupos e os grupúsculos de esquerda se ouve malbaratar a expressão convergência. Como decorre do exemplo da óptica (acima), qualquer convergência pressupõe a existência de um foco. E, desnecessário seria acrescentar, o foco teria de ser o mesmo. Mas sobre o foco fala-se muito menos do que sobre a convergência. E é uma chatice que o bloco pareça não ter nenhum (foco) e que os comunistas tenham um foco deles, mas só deles. Nesta superficialidade discursiva ninguém parece sabotar a tal de convergência, ao mesmo tempo que não se distinguem os empenhados dos outros, que isto de parecer-se empenhado em ser-se convergente é discurso que promete render votos. A eficácia destas convergências parece-me assemelhar-se aos efeitos sonoros daquela história dos estivadores – e a estivagem é uma actividade verdadeiramente de esquerda… – que se afadigavam a levantar um caixote enquanto berravam em uníssono: Um! Dois! Três! Força! Mas nem todos faziam realmente força, e assim o caixote nem saía do chão…

19 julho 2014

UM DOS MAIORES MISTÉRIOS DA HISTÓRIA DA GEOGRAFIA ELEITORAL PORTUGUESA

Diz-se das visitas às cozinhas, que o melhor é mesmo não lá irmos, para não ficarmos a saber como as refeições são confeccionadas – o que ignoramos costuma não nos fazer mal. Foram precisos quase quarenta anos para descobrir, ao ler a pretensa biografia de Jorge Coelho, que ele havia sido uma das pessoas-chave do STAPE¹ (pp. 56 e ss.), o organismo encarregue de todos os problemas relacionados com a eleição para a Assembleia Constituinte, incluindo naturalmente o escrutínio e a contabilização dos votos. Ora militando na altura Jorge Coelho na UDP, como se percebe pela leitura daquelas mesmas páginas, não deixa de ser uma curiosa coincidência que nessas eleições de 1975 se tenha registado um dos maiores mistérios da história da geografia eleitoral portuguesa, o resultado da UDP que, por uma inaudita concentração de votos que nunca mais se veio a repetir na história da nossa geografia eleitoral nos últimos 40 anos, conseguiu eleger um deputado tendo recebido apenas 45.000 votos (equivalentes a 0,8%) em termos nacionais. A FSP (1,2%) e o MES (1,0%) em 1975, o PDC (1,2%) e o MRPP (0,9%) em 1979, o POUS (1,4%) e o PSR (1,0%) em 1980, para citar apenas os exemplos mais antigos, tiveram maiores votações nacionais do que a da UDP em 1975 sem contudo conseguirem alcançar qualquer representação parlamentar.
Em contrapartida, refira-se que o único pequeno partido a conseguir repetir aquela mesma façanha de eleger um deputado isolado foi o PSN em 1991 que, mesmo assim, recolheu 96.000 votos (equivalentes a 1,7%) à escala nacional. Porém, recolher 45.000 votos com quase metade deles (21.300) concentrados no distrito de Lisboa foi uma distribuição que mais nenhuma formação política conseguiu reproduzir, nem mesmo formações reconhecidamente de raiz urbana como o MES, o MRPP, o PSR, ou, mais recentemente, o BE. Não pretendo com isto sobrestimar as capacidades e o eventual engenho durante o escrutínio daquele que o Contra-informação rebaptizou de Jorge Coelhone (Coelho + Corleone) e questionar a fidedignidade dos resultados eleitorais oficiais dessas primeiras eleições livres que perduram, míticas, na memória da sociedade portuguesa. Mesmo admitindo a remota probabilidade de Jorge Coelho ter podido ajudar a organização onde então militava, há que aceitar que o que lá vai, lá vai, que não vale a pena investigá-lo tantos anos passados. Mas não me posso impedir de sorrir ironicamente quando me lembro que o mesmo Jorge Coelho foi recentemente escolhido para presidir à comissão eleitoral que organizará as próximas eleições primárias internas do PS… Não se pode dizer que seja um primeiro passo para lhes conferir dignidade.
¹ Em rigor, tratar-se-ia do Secretariado Técnico dos Assuntos Políticos, criado em Dezembro de 1974 e não ainda o STAPE (Secretariado Técnico dos Assuntos para o Processo Eleitoral) que lhe viria a suceder a partir de 1976/77.

18 julho 2014

TEMPOS MODERNOS

Outro dia, descobri pelo técnico que viera arranjar a máquina de lavar louça ainda em período de garantia que afinal a culpa da falha era minha. De nada terá adiantado explicar-lhe o quanto era improvável que, à quarta máquina de louça que operava nos últimos trinta anos, eu tivesse desaprendido de trabalhar com elas, mas a ironia resvalou numa carapaça de obtusidade, o veredicto manteve-se inexorável: a culpa não era do material mas sim do cliente. Noutra ocasião recente, vi-me asperamente censurado pela funcionária de um serviço que opera com aquelas senhas de atendimento quando pretendi ser atendido sem tirar nenhuma depois de constatar que não havia mais ninguém em espera. Desabafava eu estas coincidências quando o meu interlocutor adicionou outra ao rol, ao contar-me ter acabado de ser descomposto por uma operadora de telemarketing por ele não estar a prestar atenção ao plano que ela lhe tentava impingir pelo telefone…

Se de alguma coisa este Portugal modernizado se pode orgulhar é de nos ter feito deitar para trás das costas aqueles tempos hipócritas em que se proclamava que o cliente tinha sempre razão. Os exemplos parecem ter vindo de cima: nem José Sócrates nem Pedro Passos Coelho se mostraram dispostos a tolerar desaforos e parecem ter estabelecido o paradigma da insolência na sociedade portuguesa. Aquela simpatia inócua que embrulhava a ineficácia numa qualquer prestação de serviços aparece-nos hoje despojada de simpatia…mas sem se ter ganho nada em eficácia. Empregado e cliente mandam-se reciprocamente à merda e até mesmo a técnica do canalizador poderá estar a sair de moda: temo que da próxima vez que o canalizador for lá a casa, em vez de criticar o trabalho feito pelo colega que o precedera como era tradição, ainda nos vai recriminar por produzirmos umas torcidas demasiado volumosas para a capacidade de débito do cano de esgoto…

BIOGRAFIAS

Aquilo que eu tendo a valorizar numa biografia é, para além da sua qualidade intrínseca, tanto no aspecto do trabalho de investigação, como da forma como está redigida, também a forma como o autor se conseguiu preservar e distanciar em relação ao biografado. De entre as obras do género que li recentemente:
Há esta biografia sobre De Gaulle escrita pelo francês Éric Roussel (2002)¹ que mostra qualidade e distanciamento do autor em relação ao biografado.
Há esta biografia de Jorge Sampaio por José Pedro Castanheira (2012) de uma qualidade indiscutível mas que já não posso elogiar quanto ao distanciamento do autor em relação ao biografado.
Há ainda esta biografia de Marcelo Rebelo de Sousa por Vítor Matos (2012) de uma qualidade discutível mas que, ao menos, ainda possui o mérito do distanciamento do autor em relação ao biografado.
E há esta biografia de Jorge Coelho por Fernando Esteves (2014), a mais recente e a que acabei de ler, que não mostra ter nenhuns dos predicados que valorizo. Como sintetizou alguém que também o leu: o livro está adequado ao biografado.

¹ Tradução de Irene Guimarães e José António Capoulas de Avó.

17 julho 2014

UM PASSADO IMPREVISÍVEL

Uma das descobertas que mais aprecio nos russos, consequência do carácter científico do marxismo-leninismo, sintetizava-se numa anedota hoje porventura injustamente esquecida: a União Soviética era um país que, mais do que o futuro, tinha um passado imprevisível. Não vale a pena detalhar aqui os sacolejões que a pátria do socialismo registou no seu caminho – afinal incompleto! – em direcção ao almejado comunismo, mas a actual situação de descoberta dos problemas do Grupo Espírito Santo em Portugal presta-se à ironia de considerar que ela seria merecedora da realização de um expiatório XX congresso do capitalismo português. Entre as abordagens pessoais à família e patriarcas da família Espírito Santo e as institucionais ao banco e empresas associadas homónimas, os rastros do passado mediático de ambas nos últimos 20 anos são de molde a surpreender-nos quando em confronto com as notícias que têm vindo a ser divulgadas sobre caracteres das primeiras e solvabilidades das segundas, tal como muitos comunistas se terão surpreendido ao ouvir o relatório de Nikita Khrushchev sobre as infindas malfeitorias perpetradas por Estaline.
À laia de exemplos hoje divertidos, escolhi um artigo do Correio da Manhã publicado em 2003 dedicado às figuras mais destacadas da elite económica portuguesa, onde se traçava o retrato de Ricardo Espírito Santo Salgado (clicar em cima da imagem acima para a ampliar) à frente de um clã de banqueiros de quinta e até mesmo de sexta geração com uma antiguidade à nossa escala quase equivalente à dos Rothschild na Europa, porém sem o estigma da origem judaica. A pureza da origem aristocrática aparece-nos sublimada na referência inicial à raridade da cor dos olhos de Ricardo Salgado, prolongando-se pela lista de realezas (note-se que todas despojadas de seus tronos…) que passaram lá por casa. E, enquanto o lado pessoal era assim tratado neste estilo, o institucional era submetido a testes de stress regulares que incidiam sobre toda a banca europeia (o teste constante da imagem abaixo foi publicitado em Julho de 2010), coordenado pelo Comité das Autoridades Europeias de Supervisão Bancária (CEBS), em cooperação com o Banco Central Europeu e o Banco de Portugal. Note-se que, apesar do banco ter saído aprovado no teste, Ricardo Salgado reclamou do resultado
Segundo o que sempre li aos defensores deste status quo, mesmo quando a opinião pública não se apercebe dos problemas, os mercados apercebem-se e, na hipótese completamente absurda deles não se aperceberem, há as autoridades reguladoras que deveriam intervir, mesmo que as nacionais não o fizessem, havia ainda as outras, as de lá de fora, a quem atribuímos a competência que não damos às nossas. Ora toda essa cadeia parece ter falhado no caso dos Espírito Santo. Não sei se estarei a ser prematuro em ver em tudo isto uma certa sensação de fim de ciclo, do desmoronar de uma corrente de crenças nos protagonistas que, como a desestalinização, não derrubando uma estrutura ideológica, a está a fazê-la vacilar nos seus alicerces... Só por curiosidade, o sujeito irascível de aparência aristocrática que encima este poste é o barão Craps von Pohker, personagem vilã de As Despesas da Princesa, uma aventura de Zig e Puce da autoria de Greg. 

DISTO JÁ NÃO HÁ MAIS – 6


Billie Holiday (1915-1959) morreu há precisamente 55 anos, uma vida consumida pelas drogas e pelo álcool. Mas não são apenas as suas inesquecíveis capacidades como intérprete que colocam esta sua rara aparição televisiva do outro lado do tempo. Tenho dificuldade em imaginar um realizador de televisão que se dispusesse a criar actualmente um programa tão sóbrio e tão íntimo, numa estética necessariamente limitada pelo preto e branco e condicionada por uma iluminação frágil e uma ausência de espectadores em estúdio para os aplausos que hoje se tornaram obrigatórios…

16 julho 2014

EL EMPLASTRO CAMPEADOR

Os árabes bem podem confrontar os israelitas na Palestina, confrontarem-se entre si na Síria ou no Iraque mas a verdade é que não estarão preparados para enfrentarem mediaticamente o nosso Emplastro, apreciem neste vídeo a figura assustadora que o nosso campeão lhes provoca com aquela sua tradicional expressão imbecil, a face parecendo assente no ombro de um jornalista de uma televisão árabe destacado para o recente Mundial de futebol. Houvesse um Emplastro destes no período afonsino e, partidos lá do Norte sobre a moirama cá do Sul, a Reconquista teria tido toda uma História diferente, com o Emplastro a desempenhar o papel de uma espécie de Cid Campeador deste nosso jardim à beira-mar plantado, atemorizando os inimigos.