31 maio 2014

MEMÓRIAS DE OUTROS TEMPOS DE JOSÉ SÓCRATES

As frases abaixo são passagens de comentários de José Sócrates hoje no programa Bloco Central da TSF...

A Liderança legalista e burocrática da Europa. Sem Rosto. Sem Responsável.

Não temos forma de discutir e pôr à discussão do povo europeu a questão europeia.
 
José Sócrates tem um passado. Não pode pretender aparecer assim descontraído e pela fresquinha como se os caminhos que a Europa e Portugal percorreram e que nos trouxeram até aqui nada tivessem a ver consigo.

...NA PEDRA DO PORTO



Ele assim como veio partiu não se sabe prá onde
E deixou minha mãe com o olhar cada dia mais longe
Esperando, parada, pregada na pedra do porto.
Com seu único velho vestido, cada dia mais curto...

Quando quadras de qualidade se adaptam tão bem às imagens de igual qualidade torna-se difícil discernir se é a música que se torna perfeita para dar sonoridade à fotografia, se é esta última que é perfeita para ilustrar aquilo que se ouve cantar. A fotografia é de Michael Rougier, a canção é Minha História, cantada por Chico Buarque, a que já aqui me havia referido neste blogue.

CHECK and FAIL

Tenho uma grande simpatia pela análise de sondagens e sobretudo pela atitude prudente e sóbria de Pedro Magalhães. Ele não tem culpa que a minha observação experimental tenha feito com que eu viesse a considerar cada vez mais a ciência das sondagens como uma actividade fantasiosa e há sempre que recordar como errar é humano e que o erro só acontece aos que intervêm. Mas escudar-se na análise pós eleitoral no seu blogue por detrás de uma referência seminal (...de Reiff e Schmitt) para coleccionar uma fiada de seis CHECKs, parece-me despropositadamente autocongratulatório, para mais quando se escrutinam os números apresentados pelo mesmo Pedro Magalhães como previsão antes das eleições. Não sei se terá havido, e havendo, qual foi o contributo seminal de Reiff e Schmitt (pessoas que, mesmo na nossa ignorância, adivinhamos prestigiadas no ramo). Lembremos apenas os tais números e comparemo-los com as votações:

PS: 34,5% - 36,9% (FALHOU: 31,5%)
PSD/CDS: 28,8% - 31,1% (FALHOU: 27,7%)
CDU: 10,5% - 12,1% (FALHOU: 12,7%)
BE: 4.9% - 6.1% (FALHOU: 4,6%)
MPT: 2,9% - 4,1% (FALHOU: 7,1%)
LIVRE: 1% - 1,9% (FALHOU: 2,2%)
OBN: 13,1% - 14,9% (ACERTOU: 14,2%)


Ou seja, em sete previsões, houve seis que falharam porque os resultados se situaram fora dos intervalos antecipados e a natureza compósita (todos os restantes partidos, votos em branco e nulos) daquela em que se acertou desqualifica o mérito de se ter acertado. Pode não ser uma referência seminal mas, como constatação real e perante o encadeamento desta fiada de FAILs arrisco insistir que se esteve diante de um fiasco, mesmo sem saber a opinião seminal de Reiff e Schmitt. A sério, ele há momentos em que só a contrição poderia dignificar quem errou. Este parece-me ser um deles. O seminalismo e o inglês técnico do comentário posterior só adicionaram um retoque de ridículo à situação.

30 maio 2014

DEVER DE OFÍCIO

Mais uma fotografia da revista do National Geographic, tirada em 1968 por James A. Sugar numa das pequenas ilhas de Aran da costa ocidental da Irlanda. Tudo o que se vê permite-nos deduzir que se trataria de um funeral previsível numa daquelas comunidades de escassas centenas de pessoas em que todos se conhecem. A própria posição do caixão, com a traseira bandeada para o lado direito do sentido da marcha no momento da foto, retira solenidade à cerimónia, quanto às mulheres da família, mais longe, têm uma postura resignada mas de quem não se lamenta, os cães acompanham o cortejo como se se tratasse de uma animação à placidez quotidiana, o que nos leva a deduzir, finalmente, que a única pessoa que se vê de lenço na mão o fará por estar constipada, não para limpar as lágrimas.

O SONHO AMERICANO

Califórnia 1956. Publicada na revista do National Geographic, esta fotografia de David Boyer mostra-nos os Estados Unidos, não da forma como realmente eram, mas da forma como eles gostavam de se mostrar ao Mundo, com a sua classe média usufruindo de um padrão de conforto que era superior ao de qualquer homóloga de qualquer outro país, facilmente identificável neste caso pelas imagens dos automóveis e das moradias com garagem sob um optimismo luminoso. Os mais entendidos em geografia reconheceriam ao fundo a ponte Golden Gate na baía de São Francisco. Subliminar mas central, aparece na paisagem a mancha cinzenta inconfundível de um navio de guerra, numa demonstração possivelmente involuntária de que a supremacia norte-americana se exercia não apenas através do (que veio a ser designado por) soft power, mas também pelo hard power, em casos de insucesso do anterior.

AS CHEIAS

A fotografia foi feita em Smolensk na Rússia, mas o local torna-se irrelevante quando o que se pretende destacar é a qualidade do trabalho de construção civil e dos materiais empregues que permitem que a janela nos dê esta pouco habitual panorâmica de rua, fazendo lembrar um aquário.

29 maio 2014

O PAI DA EUROPA

Ser-se Pai da Europa é um epíteto que tem sofrido ultimamente uma desvalorização acelerada na bolsa de valores políticos. Dos tempos de fartura, quando havia razões para haver disputas pelo título (acima), retenho o nome de Robert Schuman (1886-1963), provavelmente aquele a quem o epíteto mais se adapta. Schuman, um luxemburguês que fora alemão até aos 32 anos e que depois adquirira a nacionalidade francesa quando da transferência da soberania da Alsácia-Lorena em 1919, representava, como poucos, a ilusão de como era possível existir algo parecido com a neutralidade na questão dos nacionalismos.
Deputado pelo Mosela desde 1919, Robert Schuman desenvolveu uma interessante carreira política no país de acolhimento. Tornara-se subsecretário de Estado em 1940. Fora encarregado de tentar gerir o enorme problema dos refugiados durante a ofensiva que os alemães haviam desencadeado em Maio e o marechal Philippe Pétain manteve-lhe o cargo e a tarefa quando veio a formar o seu governo em Junho de 1940. E cometeu o erro capital de se contar entre os 569 parlamentares (entre 649 presentes) que em 10 de Julho de 1940 em Vichy votaram a concessão de plenos poderes constituintes a Pétain.
Regressado depois à Lorena, entretanto reanexada pelo III Reich, Schuman tornara-se uma carta fora do baralho: não apenas os alemães haviam conseguido recuperar a Alsácia-Lorena pela força das armas como agora até dispensariam o contributo de figuras como ele, tão conotadas com a democracia da III República francesa. Se Schuman não foi um colaborador, uma colaboração que, no seu caso pessoal, representaria uma nova reversão de nacionalidade (o que seria muito mais do que se pedia a outros políticos franceses), o resto da sua biografia da guerra pode ser comparado a uma longa e discreta hibernação.
A Libertação (1944) foi o período da desforra e Schuman, com a sua decisão fatal de Julho de 1940, não se escapou ao opróbrio de ser condenado por indignidade, perdendo os direitos cívicos. Mas um de Gaulle que, nunca se esquecendo, também se sabia mostrar cinicamente magnânimo, terá feito com que a sentença viesse a ser anulada em Setembro de 1945. E só depois deste faux pas é que Robert Schuman recomeçou a sua carreira política que o levou até à paternidade da Europa. Sobre ela pairou sempre a Némesis da figura de um de Gaulle que, ao invés, preferia ter sempre tido uma certa ideia de França
Conhecer estes pequenos episódios (não muito publicitados…) da História de França e da Europa mostra-nos o quão pode ser irónico ver agora aqueles que se consideram os herdeiros do gaulismo, como será o caso de Nicolas Sarkozy na UMP, a pugnarem pela manutenção de um status quo reformado na União Europeia, enquanto a direita conservadora, conotada com a herança dos que outrora, com o regime de Vichy, se mostraram mais acomodatícios para com o poder alemão, parece ter-se apoderado, no entretanto e com um nítido sucesso, das bandeiras do nacionalismo tão querido a de Gaulle.

A TERRA VISTA DE SATURNO

Lá de longe, desde a órbita de Saturno, a sonda Cassini fotografa-nos, remetendo as nossas ambições à sua devida proporção.  

28 maio 2014

CELEBRAÇÕES PREMATURAS

Assim como acontecerá daqui por diante com Francisco Assis por ter anunciado logo depois do encerramento das urnas uma vitória de uma proporção que não se consubstanciou, também Ribeiro e Castro ficou com a sua carreira política indelevelmente marcada com esta fotografia que o apanhou de garrafa de champanhe na mão a ensaiar a celebração de uma vitória (a de Freitas do Amaral) que não se concretizou.

UM DOS PIORES TITULARES DA PASTA DA DEFESA

Louis Arthur Johnson (1891-1966) foi, entre Março de 1949 e Setembro de 1950, o segundo titular (secretário) da Defesa nos Estados Unidos. E 65 anos depois permanece um sério candidato, numa eventual classificação de todos os titulares daquela pasta, a ser considerado como o pior ocupante desse cargo. Como acontece muitas vezes nas administrações norte-americanas, nada o qualificava especialmente para ele, mas foi um presidente Harry S. Truman (1884-1972) agradecido a recompensá-lo assim por ter conseguido gerir financeiramente com um sucesso inesperado a sua campanha da eleição presidencial de 1948, angariando uns esforçados 20 milhões de dólares numa época em que entre a esmagadora maioria dos opinadores já se contava com o regresso inevitável dos republicanos à Casa Branca, milhões aqueles que se revelaram preciosos para financiar a sua tão memorável quanto inesperada vitória.
Mas aos talentos de angariador de fundos de Louis A. Johnson não corresponderam outros predicados equivalentes na nova função executiva para que o presidente o escolheu, uma pasta complicada que resultara da fusão recente (1947) entre dois departamentos tão tradicionais (e rivais) quanto os da Guerra (Exército) e da Marinha. Parecia que o esforço de redução da importância dos militares na administração norte-americana, que atingira o seu apogeu nos finais da Segunda Guerra Mundial (1944-45) com um volume de despesas rondando os 90 mil milhões de dólares, se transpunha também para a orgânica da própria administração presidencial, fundindo os dois departamentos dos ramos militares mais tradicionais, em vez de conceder um terceiro à nascente Força Aérea. Não era decididamente tarefa fácil: o antecessor de Johnson, James Forrestal (1892-1949), resignara com um esgotamento nervoso.
Mas, no afã de compactar o orçamento da defesa até ao objectivo desejado pelo poder político, Louis A. Johnson perdeu de vista os principais objectivos estratégicos dos Estados Unidos. A aposta no investimento tecnológico, no poder indisputável da arma nuclear e na capacidade da Força Aérea a poder usar a longa distância, em detrimento das forças convencionais, mostrou-se errada quando a União Soviética alcançou a paridade nuclear (Setembro de 1949) e quando eclodiu a Guerra da Coreia (Junho de 1950), colocando os Estados Unidos perante um desafio que não se podia resolver com uma bomba atómica. Na continuação, a falta de tacto agravava o problema. Todos os titulares daquela pasta de todo o Mundo exploram a rivalidade entre os ramos das Forças Armadas mas Johnson tinha um estilo que, conjugado com a sua obsessão pelas reduções orçamentais cegas, irritava particularmente as chefias militares.
A acrescer, não percebendo notoriamente nada de defesa, Johnson achava que percebia de relações externas, favorecendo o lóbi pró-China e com isso imiscuía-se nas competências do seu colega Dean Acheson (1893-1971), o secretário de Estado. Este, que era outro sacana, mas competente, acabou por urdir uma espécie de conspiração com as chefias militares, onde se montou um aumento do orçamento da Defesa ao arrepio da opinião do próprio secretário da pasta! A eclosão da Guerra da Coreia e a impreparação demonstrada pelas forças militares convencionais, que as chefias facilmente atribuíram à política de cortes indiscriminados que fora feita até aí, selaram a carreira de Louis A. Johnson três meses depois. A sua biografia da Wikipedia, previsivelmente, considera-o o bode expiatório dessa impreparação. E sete meses depois de Johnson, foi a vez do afastamento doutro responsável pelo fiasco: Douglas MacArthur (1880-1964).
É verdade que a obcecação de Louis A. Johnson com directivas orçamentais que já haviam começado a ser impostas antes da sua assunção da pasta apenas agravou muitos dos erros cometidos. Mas o pormenor da conspiração montada por Acheson contra si mostra o quanto ele não prestava para a pasta que detinha. Alguns pormenores abonam, ainda assim, em favor de Johnson. Em primeiro lugar, ele havia cumprido o serviço militar servindo como capitão em França durante a Primeira Guerra Mundial. E em segundo lugar, quando se deixava fotografar aparecia à civil, evitando a indecência de parecer mascarado. Nem isso se pode dizer de José Pedro Aguiar-Branco. Comentava-se por aí que Pedro Passos Coelho iria aproveitar a ressaca das eleições europeias para proceder a uma remodelação governamental. Quando e se o mudar, já vai tarde: Aguiar-Branco já ocupou a pasta quase o triplo do tempo desperdiçado com Johnson.

27 maio 2014

EM BEJA, SÊ ALENTEJANO

Nem mesmo esta tentativa do PSD de Beja para criar uma certa empatia com os eleitores alentejanos conseguiu evitar que a Aliança Portugal registasse no distrito o seu pior resultado nacional (11,3%). Os meus parabéns ao deputado do PSD eleito pelo distrito, o actual secretário de Estado Carlos Moedas. Parabéns pela coerência do cartaz mas também parabéns pela consistência do resultado!

RICARDO ARAÚJO PEREIRA TEM UMA CAPACIDADE DE PERSUASÃO INFERIOR À DO «PITBULL» ZICO

No rescaldo dos rescaldos das eleições (quais eleições?) também se pode concluir que, apesar do LIVRE ter ficado à frente do Bloco em Lisboa (como não se cansam de nos informar), os quase 72.000 votos recolhidos por aquela nova formação política demonstram que a capacidade de persuasão de Ricardo Araújo Pereira é inferior à do pitbull Zico, cuja petição pública contra o seu abate já recolheu mais de 80.000 assinaturas.

É verdade que a causa do Zico já tem nove meses e o projecto do LIVRE apenas oito semanas mas, numa próxima campanha, ou se procura contratar o Zico original para o tempo de antena do LIVRE (se entretanto o PAN não se tiver antecipado e esperando que a petição tenha surtido efeito…) ou então mantem-se o Ricardo Araújo Pereira, mas adoptando uma atitude igualmente séria embora contristada, de cachorro batido.

26 maio 2014

CELEBRAÇÕES DE VITÓRIA

Tenho para mim que, quando as vitórias são a sério, os verdadeiros líderes se devem preservar e não agir como animadores de claque como acima faz Abraracourcix. Ontem, ao agirem como o fizeram, Seguro e Assis (não esqueçamos de que se fala dos dois candidatos a secretário-geral do PS da última vez que tal cargo foi disputado) demonstraram fora das urnas, aquilo que as urnas acabavam de sancionar – com estas personalidades, os socialistas não têm estaleca para chegar ao poder.

UM POPULISTA… E UM CAVALHEIRO?

Há quase precisamente cinco anos o país televisivo foi surpreendido com uma peixeirada das antigas durante um telejornal da TVI envolvendo a anfitriã Manuela Moura Guedes e o seu convidado Marinho Pinto. Cá por mim, e se Marinho Pinto for magnânimo para além de populista, hoje seria o dia ideal para publicitar o envio de um cavalheiresco ramo de flores a Manuel Moura Guedes a quem, recorde-se, estas coisas das candidaturas vencedoras não serão estranhas, tendo-se apresentado (e sido eleita) em 1995 pelo CDS/PP para a Assembleia da República.

«DÉJÀ VU»¹


Envelhecer deve ser isto: sensações repetidas de déjà vu. Ontem enquanto escrevinhava a minha cruz no quadro à frente do LIVRE, veio-me uma sensação súbita de recuar bruscamente 27 anos e voltar a fazer o mesmo num outro boletim de voto, embora o partido em questão dessa outra vez fosse o PPM. E apenas o reavivar desse passado deu-me subitamente a certeza que também desta vez tudo acabaria para Rui Tavares da mesma forma como outrora acabara para Miguel Esteves Cardoso. Não que a constatação viesse acompanhada de hesitações: tratava-se mais de um voto destinado a avalizar a conduta de um eleito que saía do que uma concordância ideológica com um candidato que se reapresentava.

Mas, ao mesmo tempo, não deixei de achar refrescante a perspectiva (que se veio a confirmar) de que, mais ou menos uma vez por geração, a intelectualidade portuguesa se poder confrontar com a sua real representatividade dentro da sociedade. O espirituosíssimo Miguel Esteves Cardoso tinha recolhido 2,8% nas eleições europeias de 1987, o mais bisonho - mas também muito estimado - Rui Tavares conseguiu 2,2% nestas de 2014, ambos fracassaram na sua intenção de serem eleitos para o parlamento europeu. Tive pena das duas vezes. Mas a minha reacção desta vez é temperada pela esperança que deste episódio se reforce a constatação do quão escassa é a influência dos que são tomados por formadores de opinião.

¹ É apenas coincidência que se encadeiem dois postes com títulos em francês.

25 maio 2014

«EN FRANCE»

Estou particularmente interessado nos resultados das eleições europeias em França, onde o céu político anda muito nublado. O condicionamento da opinião pública com os pré-anúncios de uma vitória da Frente Nacional, ainda que por uma escassa expressão, foi feito com uma tal insistência que, se a organização de Marine Le Pen não vencer as eleições, isso já poderá ser anunciado como um resultado positivo pelo main stream europeísta. E as hipóteses de que aconteça esse cenário mais favorável a Bruxelas acentuaram-se com as últimas declarações completamente desastradas de Jean-Marie Le Pen, numa demostração do que pode ser o poder destrutivo da senilidade dos velhinhos gagás, quando o establishment informativo não os ampara. Se a hipotética (mas ainda possível) vitória do UKIP no Reino Unido teria o seu impacto mitigado pelo facto de aos britânicos nunca lhe ter sido reconhecido estatuto maior do que o de observadores em trânsito dentro da União, a localização geográfica privilegiada da França confere-lhes a capacidade de criar um vazio difícil de colmatar, semelhante ao que criaram, por exemplo, quando em 1966 se retiraram da estrutura militar da NATO.

USUFRUINDO DE AINDA MAIS AMPLAS LIBERDADES DEMOCRÁTICAS

Este gigantesco outdoor estava afixado há 30 anos numa das avenidas de Moscovo, fazendo um apelo para que os cidadãos soviéticos participassem nas eleições para os sovietes que viriam a ter lugar a – e tiveram-no – a 4 de Março de 1984, mandava então na União Soviética aquele incontornável nome entre os democratas que deu pelo nome de Konstantin Chernenko (1911-1985). Não resisto à proposta de desafiar os leitores deste blogue a adivinharem quem venceu essas eleições soviéticas de 1984 – e sobretudo com que expressão¹Neste dia de eleições europeias, em que se pressente nos cidadãos europeus uma sensação de impotência e indiferença muito semelhante à experimentada pelos soviéticos de então, não deixo de registar a ironia adicional de encontrar entre os mais exuberantes oponentes ao actual impasse de representatividade no parlamento europeu, aquelas formações que haviam sido as mais entusiastas adeptas do outro impasse nas eleições para as duas câmaras soviéticas. Como acontece vezes demais em política, muitas oposições não são ideológicas nem à perversidade dos sistemas, são apenas à identidade dos protagonistas que os controlam.
 

24 maio 2014

«BAD DAY»


Este é um daqueles dias concebidos para não se perceber aquilo que está a acontecer. Por causa da final da Champions há um frenesim competitivo de informação disparatada (conteúdo e forma) a tentar passar por notícia que se sobrepõe ao senso. Lê-se, por exemplo, que Cristiano Ronaldo chegou ao hotel a fazer gelo. Como qualquer ser humano, Cristiano Ronaldo deve rir, chorar e verter lágrimas, cagar e mijar como todos nós, mas não concebo qualquer traço da sua indiscutível genialidade que o faça fazer gelo, seja por onde for. Imperam estas expressões de um plebeísmo rasca (semelhantes a tirar-lhe a temperatura - para a levar para onde?) que acentuam a estratificação social: há uma informação exigente para os intelectuais e esta outra para os labregos. Permitam-me a ironia final de afixar uma fotografia banal dos R.E.M., autores do vídeo acima, a almoçar alhures num dia qualquer em que haviam sido deixados em paz, porque não vinham tocar ao Rock in Rio e não precisavam de fazer gelo, gargarejar com água tónica, ou qualquer outra coisa parecida...

23 maio 2014

A BATALHA DE KARAMÉ

A Batalha de Karamé foi travada em Março de 1968 junto a uma vila jordana que lhe deu o nome, tendo como antagonistas o exército israelita contra os guerrilheiros palestinianos da OLP e o exército jordano. Próximo de Karamé, que se situa nas margens do rio Jordão, rio que passara a constituir desde a Guerra dos Seis Dias em Junho de 1967 a fronteira de facto entre Israel e a Jordânia, fora construído um campo de refugiados palestinianos, que a Fatah de Yasser Arafat passara a usar como base para as suas operações de infiltração no território controlado pelos israelitas, na outra margem. Desde Fevereiro que se vinham a acumular os incidentes mas a razão próxima que foi invocada por Israel para desencadear a operação que esteve na origem da batalha foi a detonação de uma mina A/C por um autocarro escolar que causou a morte a dois adultos e ferimentos em dez crianças.

A operação planeada pelos israelitas, que obrigaria a mais uma incursão em território jordano, foi realizada mais em força do que em rapidez e subtileza: os israelitas concentraram mais de uma dezena de milhar de homens de duas brigadas e de outros sete batalhões independentes antes de a desencadear, movimentos esses que, obviamente, não escaparam à observação dos palestinianos e jordanos da outra margem. Os israelitas fizeram chegar previamente aos jordanos, através de canais diplomáticos, as suas intenções de limitar os seus objectivos aos guerrilheiros palestinianos e, por isso, estavam a contar com alguma neutralidade, ou pelo menos com um empenho muito moderado, do lado jordano. Mas, na realidade e quando chegou a hora da verdade, tudo não passara de wishful thinking.
Quando os israelitas desencadearam finalmente a operação, os grandes combates travaram-se, não com os guerrilheiros palestinianos, mas com os blindados, a aviação e a artilharia jordana. Os invasores depararam-se com uma resistência feroz que implicava custos desproporcionados para os objectivos da operação. Mesmo assim, os objectivos mínimos foram cumpridos, o campo de refugiados foi arrasado (acima), fizeram-se cerca de 150 prisioneiros. Mas a densidade do fogo inimigo tornava a manutenção das posições conquistadas insustentável e os israelitas evacuaram-nas no próprio dia. Haviam-lhes custado uma trintena de mortos e uma centena de feridos. Os jordanos haviam perdido mais (84 mortos e 150 feridos) e os palestinianos ainda mais (150 mortos, 100 feridos, além dos 150 capturados já mencionados acima). Acrescente-se, para comparação, que numa outra operação realizada nesse mesmo dia, mas com mais discrição e souplesse, os israelitas haviam entrado noutro local da Jordânia, haviam abatido cerca de 20 jordanos e 20 palestinianos, capturados outros 27 e haviam-se retirado sem sofrer qualquer baixa.

Mas, se os israelitas conseguiram, ainda assim, cumprir os mínimos e saíram da batalha como os seus vencedores tácticos, o grande vencedor estratégico da mesma foi a Fatah e Yasser Arafat. Não se incomodando com exageros, proclamou-a como a primeira batalha que os israelitas haviam perdido, e os simpatizantes por todo o mundo árabe, ainda marcados pela humilhação que constituíra a Guerra dos Seis Dias de 1967, estavam ansiosos por ouvir notícias de vitórias militares, mesmo que elas fossem mais do que duvidosas. O financiamento vindo dos países ricos do Golfo e os voluntários vindos da diáspora palestiniana multiplicaram-se e a Fatah, de uma entre várias, tornou-se na organização preponderante na OLP, com o seu dirigente máximo, Yasser Arafat, a passar a presidi-la em 1969, enquanto adquiria um protagonismo internacional charmoso reservado apenas a alguns líderes guerrilheiros (Mao, Fidel, Che Guevara).
Dito isto, e mudando totalmente de tema mas não de forma de raciocínio, o que interessará depois de contados os votos no próximo dia 25 não será propriamente a crueza dos resultados, que acredito sejam uma derrota mais ou menos severa para a coligação governamental. Isso, como em Karamé, é a própria batalha eleitoral de que depois ninguém se lembrará. O que me interessa descobrir é quem vai conseguir (se houver quem o consiga…) convencer os seus da valia dos resultados alcançados.

22 maio 2014

ENTRE BARRETES E TOUCAS REUTILIZÁVEIS E VOTOS IRREVERSÍVEIS... E DECISÕES IRREVOGÁVEIS

Parece termos entrado numa época em que o marketing político em voga preconiza que profissional que se preze não pode dispensar uma sessão em que nos apareça de touca ou qualquer adereço similar…
…enfiado na cabeça quando de uma visita a uma qualquer unidade produtiva devidamente certificada. É toda uma reviravolta que sofre aquela tradicional expressão idiomática, muito conhecida,…
…a de que eles aproveitavam estas alturas era para nos enfiar o barrete. Tal é a crise que grassa por aí que parece já nem os barretes – bem ridículos, por sinal – nos enfiam: são reutilizáveis…
O que é pena é que o voto também não possa ser reversível. Este último explicador do bacalhau, que o explica a Paulo Portas e porque o explicando é quem é, previne-se: já trouxe o boné de casa...

UMA SÍNTESE DOS PRIMÓRDIOS DA HISTÓRIA DO PARAGUAI

A história do Paraguai independente terá começado em 15 de Maio de 1811 quando uma junta governativa de Asunción derrubou a administração colonial espanhola. Numa segunda fase, os membros dessa mesma junta entraram em conflito com a sua homóloga de Buenos Aires, que fora a sede do antigo Vice-Reino do Rio de La Plata, vice-reino que incluíra também o Paraguai, e que agora se tornara na capital da nova República Argentina. Foi só em 1814 que o estatuto como país independente do Paraguai se consolidou, depois de várias operações militares para o tentar subalternizar a Buenos Aires e da manutenção de uma persistente campanha diplomática em que a nova Argentina se recusava a reconhecer a independência paraguaia. País interior, com as vias naturais de contacto com o exterior totalmente dependentes de terceiros países que se mostravam assim hostis à sua existência (como se pode apreciar abaixo pelo mapa da bacia hidrográfica do rio da Prata), as circunstâncias levaram o novo país a forjar uma mentalidade de um isolacionismo defensivo, senão mesmo hostil ao exterior. E é neste ambiente peculiar que desponta uma daquelas interessantíssimas (mas ignoradas) figuras da história mundial, o Doutor José Gaspar Rodríguez de Francia (1766-1840).
O Paraguai colonial nunca despertara particularmente a atenção da emigração espanhola que partia para o Novo Mundo. Mas, como em todo o resto do continente, possuir-se uma ascendência europeia era um activo social cobiçado e a grande maioria dos espanhóis que ali assentavam acabavam casando com filhas de famílias bem instaladas da sociedade local, muitas delas de pura ascendência guarani. Mas os europeus puros em idade casadoira eram escassos e, quando em meados do Século XVIII um qualificado técnico de preparação de tabaco vindo do Rio de Janeiro mas de irrepreensível origem portuguesa chamado Garcia Rodrigues de França se instalou em Asunción, aconteceu-lhe precisamente isso. Do consórcio com uma filha de um ambicioso casal local, nasceu o prometedor José Gaspar que, destinado a uma carreira eclesiástica, afinal nunca chegou a tomar os votos mas que, mesmo assim, se doutorou em Teologia pela Universidade de Córdoba (Argentina) aos 19 anos, conferindo-lhe um grau académico que não mais abandonou como forma de apresentação no futuro. Aliás, durante décadas, ele foi um dos dois únicos paraguaios a possuí-lo. Há algo de estranhamente napoleónico na sua ascensão política. Como o corso, que era francês de primeira geração, também este paraguaio ambicioso e inteligente mas filho de pai estrangeiro, começou em 1813 por ser um dos Cônsules (à moda romana), alternando quadrimestralmente o poder com o seu colega, passou a ser Cônsul único em 1814, depois dotado de poderes ditatoriais por um período de três anos, para em 1816 se tornar Ditador Perpétuo da República, título que manteve até ao fim da vida. Todas estas etapas foram, como acontecera em Paris, legitimadas por assembleias expressamente reunidas para o efeito. Porém, Francia nunca se coroou.
Por muito esclarecida e impregnada do espírito das luzes que fosse a actuação política do Doutor Francia, e este foi, indiscutivelmente e apesar de todo o despotismo, um discípulo das ideias de Rousseau e das práticas de Robespierre e Napoleão, a sociedade paraguaia dos princípios do Século XIX nada tinha a ver com a francesa ou mesmo com a da metrópole espanhola. A sua relativa inacessibilidade geográfica fizera perpetuar-se relações de trabalho que já haviam sido abolidas noutras regiões da América Latina. Aliás, aquilo que os espanhóis vieram a baptizar por encomienda, uma relação de trabalho dependente a roçar a escravatura, no caso da sociedade guarani, tecnologicamente mais avançada do que a dos índios recolectores que a cercavam, ela já existia antes da chegada dos espanhóis ao Paraguai no Século XVI. A perspectiva de Francia era que, perante uma sociedade praticamente desmonetarizada como a paraguaia o liberalismo preconizado pelos novos tempos teria um efeito arrasador. E os promotores da adopção desse liberalismo, e por consequência os seus opositores políticos, seriam a elite ilustrada de ascendência caucasiana donde o próprio Doutor Francia era originário. A forma como uma conspiração oriunda dessa elite (conhecida por crioulos) que teve lugar em 1820 foi reprimida está cheia de pormenores macabros. Também a história do comportamento social de Francia, escrita necessariamente por essa mesma classe, está repleta de pormenores assustadoramente bizarros. Mas, por outro lado, depois dessa conspiração, o seu poder ter-se-á tornado indisputado até à sua morte, que só veio a ocorrer 20 anos depois.

A popularidade (a haver alguma…) de Francia residiria num outro extracto social. O Paraguai que ele queria criar terá sido um dos primeiros esboços de um estado benevolamente totalitário para os mais humildes, uma reminiscência inspirada pelos espíritos das luzes das sete missões fundadas pelos jesuítas ao longo dos Séculos XVII e XVIII que adquiriram fama hollywoodesca (com os bons, os maus, mas nenhuns assim-assim) através do filme A Missão (acima). Como a maioria da terra agrícola no Paraguai pertencera à Coroa ou à Igreja ou ainda a latifúndios de vários crioulos que entretanto haviam sido despojados dela, o objectivo da sociedade de Francia era propiciar o pleno emprego na agricultura, produzindo-se para exportação açúcar, chimarrão, madeira, tabaco e couro, mas com uma preocupação principal de que a produção agro-pecuária assegurasse a auto-suficiência do país. Havia um esforço de planificação, a possibilidade de os agricultores independentes poderem importar bens de consumo, por exemplo, dependia da sua capacidade em atingir as quotas de produção que lhes haviam sido definidas. Para que isso fosse eficaz, também o comércio externo era totalmente controlado, uma prática que, vale a pena recordar, era apenas a continuação da que existira durante os tempos coloniais. No seu computo global, o Paraguai do Doutor Francia era uma ditadura feroz cujo republicanismo de pretensas raízes democráticas se devia apenas, como referi acima, ao facto de José Gaspar Rodríguez de Francia não ter querido copiar Napoleão até ao fim, até à coroa imperial, e de não ter querido deixar sucessor. Adequando as suas necessidades àquilo que podia produzir, nos meados do Século XIX o Paraguai atingira praticamente o nível da autarcia e uma independência estratégica invejável. Só com essa independência se pode perceber como o Paraguai se pôde engajar numa guerra durante seis anos (1864-70) contra uma coligação composta por três inimigos aparentemente tão mais poderosos: Argentina, Brasil e Uruguai - mas isso já será uma outra história…
José Gaspar Rodríguez de Francia, este luso-descendente de que quase nós todos, portugueses e brasileiros ,desconheceremos a existência, é um daqueles raros engenheiros sociais dos tempos modernos (como o foi também, por exemplo, o norte-coreano Kim Il Sung) que tiveram a oportunidade de construir uma sociedade de acordo com as suas convicções em países de pequena/média dimensão e com o privilégio acrescido de terem morrido descalços. Não se entenda desta síntese que aqui faço uma defesa do autoritarismo visionário com laivos de republicanismo: recorde-se um caso como o de Pol Pot e do Camboja, que nos chama a atenção de que deixar tudo dependente da personalidade de um ditador pode resultar num terrível genocídio. Do ponto de vista estritamente histórico, contudo, há que reconhecer que, em termos de estabilidade e de progresso material, a história dos primórdios desta ditadura personalizada do Paraguai se compara com vantagem com as ditaduras oligárquicas do mesmo período da maioria dos países sul-americanos de colonização espanhola.

21 maio 2014

ANALOGIAS INCÓMODAS ENTRE RADICALISMOS POLÍTICOS

Em 1924 o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP) ainda era um entre vários pequenos partidos radicais, caracterizado pela forma extrema como idolatrava o seu líder. Adolf Hitler, porém, estava preso por causa do putsch da cervejaria que tivera lugar em Munique em Novembro de 1923. No cartaz acima, impresso um ano depois, pode ler-se:
Adolf Hitler, o nosso grande líder, está ainda ilegalmente retido atrás das grades; Strasser, o seu representante na liderança do Reich do Movimento Nacional Socialista pela Liberdade, irá discursar em seu lugar em Münster, no Sábado, 29 de Novembro de 1924, pelas 8H30 no Schützenhof. Trata-se do candidato principal dos nacionais socialistas na Vestefália. Os não alemães não serão admitidos! Os veteranos deficientes terão entrada livre. Preço de admissão: 30 pfennig.
Para além da extensão desnecessária da mensagem e do amadorismo do grafismo do cartaz, aqueles que ainda se lembrem dos cartazes típicos do PREC português de 1974/75, não deixarão escapar a semelhança daquela argumentação vitimizada com os apelos para a libertação do grande dirigente Arnaldo Matos e da injustiça que fora cometida com a sua prisão.

DIVAGAÇÃO SOBRE O RELEVO INFORMATIVO/PUBLICITÁRIO DAS EXIBIÇÕES DAS PARTES PUDENDAS

A pretexto da realização de mais um dos tradicionais Festivais de Cannes, pretendi desenterrar esta fotografia de um festival passado vai para mais de 30 anos (1983), onde alguns dos Monthy Phyton (identificam-se Terry Jones, Terry Gilliam, Michael Palin) se exibem impudicamente com o emblemático Hotel Carlton por trás. Pode perceber-se no gesto a paródia ao artifício de concitar as atenções da comunicação social com a exibição de partes da anatomia que tradicionalmente se resguardam, expediente que em Cannes nunca foi de todo incomum.
Trinta anos antes da paródia dos Python, em 1954, ficara famoso um episódio (e um conjunto de fotografias) quando uma actriz mais ambiciosa e em busca de promoção chamada Simone Silva tirara, quando provocada, o soutien durante uma sessão fotográfica com Robert Mitchum, provocando com a ousadia um frenesim entre os fotógrafos que custou um braço partido a um, uma perna partida a outro e várias lentes e material danificado em terceiros. Mas a coisa caiu mal e veio a custar a Simone o pedido oficial para que se retirasse do festival…
No tempo da paródia dos Monthy Phyton a situação pouco evoluíra: as exibições públicas de nudez eram ainda a especialidade dos streakers, exibindo-se perante dezenas de milhares naqueles recintos onde o público se reunia em quantidade compensadora, como esta famosa fotografia de um deles, tirada no estádio de Twickenham em 1974, depois de apanhado pela polícia e pudicamente velado, deixando-nos numa especulação porventura sobrestimada pelo formato do tradicional capacete do Bobbie, da dimensão daquilo que se estaria a cobrir…
Chegámos à actualidade e tudo parece ter mudado quando as Femen ucranianas descobriram e tiram todo o proveito de uma das regras do jornalismo do Século XXI: torna-se obrigatório cobrir-se exaustivamente tudo o que faz alguém que se esteja a exibir publicamente em pelota. É assim que se constata que um dos melhores suportes de uma mensagem político-publicitária passou a ser um par de mamas (ou vários pares) o mais assertivas possíveis. Não há câmara fotográfica ou de vídeo que resista aos apelos de uma nudez, feminina de preferência…
Há mesmo aqueles que, com os seus conhecimentos históricos, equiparam este novo género publicitário a uma versão evoluída, ainda que recorrendo a um erótico-rasca, dos homens-sanduíche que foram uma das imagens de marca da década da Depressão.

20 maio 2014

«INPUT!»

Curto-Circuito é um filme do realizador John Badham de 1986. Trata-se de uma comédia cujo enredo evolve em volta de um robot de combate que ganha vida e consciência depois de ser sido acidentalmente atingido por um raio. É um tema típico da década e favorito do realizador. Três anos antes ele realizara Jogos de Guerra sobre os perigos de um holocausto por causa da sobredependência dos computadores do controle do armamento nuclear, filme de onde, aliás, veio a mesma protagonista: Ally Sheedy. Ainda a pretexto dos holocaustos, os robots da série a que Number Five pertence assumem não apenas a mesma postura impassível e implacável como exibem equipamentos muito semelhantes aos dos cyborgs de The Terminator de John Carpenter (1984).

Em contraste, e referindo-nos agora a formas de vida alienígenas, as reacções infantis e expressões fisionómicas (construídas com a disposição dos para-sóis) de Number Five depois da transmutação fazem-nos lembrar inevitavelmente o ET de Steven Spielberg (1982). Contudo, apesar de ter tido uma sequela em 1988, Curto-Circuito foi um sucesso comercial muito inferior a qualquer dos exemplos inspiradores que referi. Há porém para mim uma cena caracteristicamente única e inesquecível (que aparece no fim do vídeo abaixo): a rapidez e também a alegria infantil como Number Five lia os livros, folheando as páginas numa rajada enquanto gritava: Input! É algo que me ocorre sempre que tenho um daqueles livros espectaculares entre mãos, daqueles que não apetece parar de ler…