16 abril 2014

OUTRAS MEMÓRIAS DE GRÃ-CRUZES DA ORDEM DA LIBERDADE

Para comparação com o que se escrevia no jornal da LUAR em pleno Verão Quente de 1975, apreciemos a primeira edição do Jornal Novo aparecida por esses mesmos tempos de PREC, uma semana antes da realização das eleições para a Constituinte (17 de Abril de 1975). Um dos cabeçalhos anunciava a libertação da capital do Camboja sem prenunciar os campos de extermínio de Pol Pot, consequência dessa libertação… Mas a nossa atenção deve centrar-se naquilo que era então possível prever e no editorial de apresentação do jornal, escrito pelo director Artur Portela Filho:

Lutar é criar

Porque cremos que a via socializante é a via mais eficaz, e mais rápida, para a construção de uma sociedade livre, justa e próspera, «Jornal Novo» é um jornal de vocação socialista. Não sendo partidário, «Jornal Novo» toma partido. Apoiando a construção da sociedade livre, justa e próspera que o socialismo pode ser. Apoiando as correntes que lutam por essa liberdade, por essa justiça, por essa prosperidade.
Sem negar a condição de portugueses, e de democratas, a quantos, simplesmente portugueses, e convictamente democratas, não pensam o mesmo que nós pensamos. No critério de que a reconstrução nacional, não sendo uma tarefa nem só militar nem só civil, é grande demais para um só partido. Mesmo que seja criado só para isso.
Para «Jornal Novo» lutar não é destruir, é criar. Para «Jornal Novo», informar não é bloquear, é esclarecer. Para «Jornal Novo», o rigor, a verdade, a crítica, são a própria condição do avanço seguro, e definitivo, da revolução democrática.
«Jornal Novo» não impõe a sua opinião aos leitores porque respeita a sua inteligência, a sua exigência, a sua vontade, dando-lhes, da realidade, uma visão tão completa, tão factual, tão jornalisticamente profissional quanto possível.
«Jornal Novo» toma posições, não impõe posições. «Jornal Novo» dialoga, não monologa. «Jornal Novo» não é uma hostilidade, quer ser uma afirmação. Jornalismo de acção, de intervenção, de esclarecimento, «Jornal Novo» recusa a violência, o sectarismo, a segregação. Sabemos por que lutamos e, também, contra o que lutamos, mas também sabemos que a melhor forma de luta é a participação serena e competente, na construção do nosso futuro.
Temos uma ideologia mas também temos uma profissão. E só podemos ser ideologicamente coerentes se formos competentes.
«Jornal Novo» não vem para ensinar nada a uma profissão ilustre e honrada. Vem ocupar, tranquilamente, um espaço. O espaço criado pela expectativa, pela exigência, pela impaciência crescente de consideráveis zonas de público leitor. Solidarizamo-nos com os nossos colegas, jornais e jornalistas, no que há de justo na sua luta. Mas não podemos de deixar de tentar responder, também nós, a quantos, e são cada vez mais, reclamam uma imprensa livre, e crítica, e profissional.
Este jornal é o que são os seus trabalhadores. Pela força da Lei de Imprensa e pela força do Estatuto Editorial que hoje publicamos. Mas será também o que forem os seus leitores. Na sua condição de leitores e, se quiserem, na sua condição de co-proprietários deste jornal.
Somos e queremos continuar a ser um jornal independente.
«Jornal Novo» é uma ideia maior do que a ideia de um jornal. É a ideia de uma sociedade transformada na lei, na justiça, na verdade, na convivência. Ideia que, sendo maior que a ideia de um jornal, não dispensa essa coisa tão rápida, tão efémera, tão frágil, mas tão incisiva, tão profunda, tão forte, que é um jornal.
Surgimos para aqueles que exigem mais do jornalismo. E por eles. Esperamos uma resposta. Não apenas a sua leitura. Mas a sua amizade, a sua crítica, a sua solidariedade. A solidariedade da sua crítica.
Pela defesa, pela afirmação, pela criatividade da Revolução Portuguesa.

Percebe-se quanto o que foi escrito está datado: era impossível à época ser-se outra coisa senão socialista ou social-democrata ou socializante ou social-qualquer-outra-coisa. Mas está lá todo um outro conjunto – a começar pelo pluralismo e pela tolerância – de elementos que constituem os verdadeiros alicerces da verdadeira Democracia e da verdadeira Liberdade. Como a LUAR o havia sido para as organizações políticas revolucionárias no pós-25 de Abril, também o Jornal Novo foi um fogo-fátuo do nosso jornalismo, desaparecido quatro anos depois, em 1979. Aceito que, pelo facto de apenas ter encabeçado um jornal onde se lutou por Ela durante o PREC (abaixo a edição de 5 de Agosto de 1975 contra a reintrodução de uma nova Comissão de Censura), Artur Portela Filho não mereça uma qualquer comenda da Ordem da Liberdade. Mas também teria sido muito mais decente se Jorge Sampaio – que, por coincidência, pode ler-se mais acima, foi um dos entrevistados da 1º edição do Jornal Novo – não as tivesse distribuído a eito, enquanto presidente, por aqueles que, como Palma Inácio e outros, nesses mesmos tempos se notabilizaram por ter lutado contra Ela.

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