15 abril 2014

MEMÓRIAS DE GRÃ-CRUZES DA ORDEM DA LIBERDADE

A LUAR (Liga de União e Acção Revolucionária) definiu-se, ao concluir o seu I Congresso em Fevereiro de 1975 como uma organização marxista revolucionária, que, numa dinâmica anticapitalista, se insere na luta do proletariado por uma emancipação capaz de operar a revolução socialista que permita a construção de uma sociedade sem classes, onde não exista a exploração do homem pelo homem. Outras decisões importantes foram a eleição por aclamação de Hermínio da Palma Inácio para o cargo de secretário-geral da organização e, por uma esmagadora maioria, recusar a legalização para concorrer às eleições burguesas que se aproximavam, não por falta das 5 mil assinaturas (necessárias para o efeito), mas pelo seu desinteresse em se inserir neste processo eleitoral (que viria a ter lugar em 25 de Abril de 1975). Fervente por causa do Verão Quente e do PREC, abaixo pode ler-se a edição de 28 de Junho de 1975 do órgão central da LUAR, onde se comentam os trabalhos da Assembleia Constituinte que fora eleita dois meses antes, precisamente nessas primeiras eleições livres a que a LUAR havia optado por não concorrer.
Acabemos com o triste espectáculo de São Bento: uma constituição do povo que trabalha, só o povo a fará

A «Assembleia» entrou em «democraticamente» funcionamento. Há uns dias para cá, entre novos nas andanças e uns «habitués» vindos do antigo regime, políticos bem falantes, engravatados «representantes da classe operária», envergonhados sociais-democratas ou sem vergonha, pepedistas e fascistas, tratando-se por «V. Exª.» e «Senhor deputado», exibem-se em S. Bento com brilharetes oratórios que fazem pensar nos saudosos tempos da primeira República, onde não faltam as exclamações em latim e o recurso à mitologia. E até o secretário geral Guerreiro (o do dinheiro!...) fala do «leito de Procusta» e dos gladiadores de César.
Camaradas da Lisnave ou de não importa que fábrica e oficina, repara como são brilhantes estes senhores! Eloquentes, cultos e tudo o mais! Como poderias rivalizar com eles se naquelas cadeiras te sentasses?
Porém, e finalizando com o humor, diremos muito seriamente que é uma ofensa intolerável para quem trabalha que na situação que vivemos em que está em jogo o futuro do país, se permita que políticos burgueses até à raiz dos cabelos, fascistas do CDS e pseudo-representantes da classe operária, utilizem aquele palco para as suas exibições declamatórias e para tentar fazer da Constituinte um parlamento tradicional que lhes permita intervir na vida política, pressionar e manipular, contra-revolucionariamente.
Sempre dissemos que esta Assembleia seria fantoche dada a natureza de colaboração de classes que a fundamenta. E aqui reafirmamos que uma Constituição ao serviço do povo trabalhador nunca poderá ser feita por aqueles que defendem a sua exploração, portanto, ela só poderá nascer de um governo revolucionário de operários e camponeses.

Vale a pena concluir esta evocação, lembrando que o secretário-geral desta organização que aqui se lê a pôr descaradamente em causa a legitimidade de uma assembleia que fora livre e democraticamente eleita pelo povo, veio a ser condecorado em 2000 com a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade: Hermínio da Palma Inácio. O entendimento do conceito da palavra liberdade terá, por definição, de ser livre, mas, na minha opinião, não poderá ter a elasticidade que Jorge Sampaio se lhe atreveu a dar neste caso. Combater uma ditadura para tentar  instalar uma outra, só por possuir uma semântica diferente, não é, não deveria ser nunca, um atributo de Liberdade.

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