30 março 2014

AS PRIMEIRAS E ÚLTIMAS ELEIÇÕES LIVRES DO ZIMBABWE

Costuma dizer-se e escrever-se que Portugal foi a última potência europeia a abandonar as suas colónias em África. Não é verdade, nem factual, nem formalmente. Foi só em Junho de 1977, por exemplo, que a França concedeu a independência a Djibuti, 19 meses depois da de Angola e, por quatro meses, entre Dezembro de 1979 e Abril de 1980, a Rodésia voltou a ser uma colónia britânica, para reganhar uma nova independência sob um governo de maioria negra. De acordo com os Acordos de Lancaster House, durante esses quatro meses a Rodésia voltou a ser uma colónia britânica com o Reino Unido a responsabilizar-se pela administração do processo de transição do país que viria a ser conhecido por Zimbabwe.
Um dos elementos basilares dessa transição era a organização das eleições de onde sairia a nova assembleia legislativa do país. Como o futuro executivo precisaria de uma maioria nessa câmara de 100 deputados, os resultados e a transparência dos mesmos seriam cruciais para o sucesso do processo de transição. Um dos resultados das negociações em Lancaster House fora que a minoria branca, que detivera o poder até então, havia conseguido cativar para si 20 lugares numa sobrerrepresentação do seu peso demográfico (equivalente a 6 a 7%). Estes 20 lugares eram círculos uninominais seguindo a tradição eleitoral britânica. Os outros 80 lugares seriam ocupados pelos eleitores da maioria negra.
Considerada a celeridade imposta ao processo, esses outros 80 deputados seriam eleitos proporcionalmente em sistema de listas apresentadas a oito círculos eleitorais correspondentes à divisão administrativa do país (um processo muito semelhante ao empregue em Portugal). O problema que incomodava a administração colonial britânica dirigida por Lord Soames era, não apenas o acantonamento e controle dos guerrilheiros da ZANU e da ZAPU que haviam até aí lutado contra o governo (acima), mas uma forma desburocratizada de assegurar a justiça eleitoral, em que todos votavam, mas que o faziam apenas uma vez. E foi assim que apareceu a tinta indelével a marcar os eleitores que já haviam votado¹!
Num último vestígio nostálgico do Império, a administração de Lord Soames recorreu à mobilização de 570 polícias britânicos que, com os seus reconhecíveis uniformes tradicionais (abaixo), acompanharam as eleições durante os três últimos dias de Fevereiro de 1980 em que elas tiveram lugar. Entre o eleitorado branco, as eleições não tiveram história: só 6 dos seus 20 lugares foram disputados, e mesmo assim, todos os 20 foram ganhos pela Frente Rodesiana que apoiara o governo anterior. Como é óbvio, a verdadeira disputa travava-se pelos 80 deputados e pelos votos dos 2,7 milhões de eleitores da maioria negra. E aí havia três grandes partidos que as ambicionavam vencer: a ZANU, a ZAPU e a UANC.
A ZANU (União Nacional Africana do Zimbabwe) e a ZAPU (UniãoPopular Africana do Zimbabwe) eram as duas organizações que haviam combatido militarmente o governo da minoria branca. Estavam separadas pela etnia predominante nas suas bases (shona vs. ndebele), pelos apoios materiais e ideológicos externos que recebiam (chinês vs. soviético), pelos países de onde as suas guerrilhas operavam (Moçambique vs. Zâmbia) e, claro, pela personalidade dos seus dirigentes (abaixo: Robert Mugabe vs. Joshua Nkomo). Contudo, ambas capitalizavam o prestígio de terem sido organizações combatentes. Depois, havia a organização moderada, a UANC (Congresso Nacional Africano Unido).
A UANC, dirigida pelo bispo (metodista) Abel Muzorewa, que sempre se opusera à luta armada assim como nunca aceitara um regime de supremacia branca, via-se agora acarinhada com meios inauditos de propaganda eleitoral financiados por ela, incluindo mesmo uma frota de helicópteros. A esperança era fazer com que a UANC conseguisse alcançar um mínimo de 30 lugares que, adicionados aos 20 da minoria branca, formassem uma maioria parlamentar e um governo moderado para o futuro Zimbabwe independente. Os rodesianos (e os sul-africanos) acreditavam que isso seria possível mas estavam redondamente enganados. No encerramento do escrutínio, a UANC elegera só 3 deputados, menos do que os helicópteros da frota…
A ZANU de Mugabe, com 63% dos votos e 57 lugares, obtivera sozinha a maioria absoluta no parlamento. A ZAPU de Nkomo ficara-se pelos 24% e pelos 20 deputados. Os 3 deputados da UANC correspondiam a 8% dos votos. Foi a primeira vez que em África um partido marxista-leninista chegara ao poder pela via eleitoral, em eleições livres monitoradas e avalizadas pelo Reino Unido. Nas eleições seguintes disputadas em 1985 já havia os 80 círculos uninominais e os candidatos governamentais foram reeleitos com mais de 90% dos votos. Já se realizaram meia dúzia de eleições depois disso, mas 34 anos depois (virtudes científicas do marxismo-leninismo), Robert Mugabe e a ZANU ainda continuam a ocupar o poder no Zimbabwe…
¹ Um método hoje recorrentemente empregue em todas as eleições mundo fora onde possa haver dificuldades com a existência de documentos de identificação.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.