20 fevereiro 2014

O CASO MARKOVIC

O Caso Markovic começou em 1 de Outubro de 1968 quando o cadáver de Stevan Markovic foi descoberto a boiar nas águas de uma ETAR dos arredores de Paris. Markovic, um sérvio de 30 anos que emigrara para França, era um belo rapaz (acima, à esquerda) conhecido entre uma certa faixa da sociedade parisiense porque gravitava à volta do círculo de relações de um outro belo rapaz, o actor Alain Delon. Originalmente, pela sua própria aparência e essência, o episódio parecia não passar de mais um caso crapuloso, com a sordidez de tantos outros semelhantes que também haviam culminado com o assassinato de um gigolo que se tornara incomodativo...
O Caso adquiriu uma conotação política quando, segundo se crê hoje, alguns dos verdadeiros implicados no processo o quiseram embrulhar, envolvendo nele figuras gradas da sociedade para se protegerem. Entre as visadas contar-se-ia Claude Pompidou, a esposa do antigo Primeiro-Ministro Georges Pompidou. Para apimentar o assunto apareceram a circular informalmente umas fotografias comprometedoras de participações nuns bacanais cuja posse e utilização para chantagem haviam custado, alegadamente, a vida a Markovic. Transitando assim para as esferas da alta política francesa daquela época, o caso adquiriu um revigorado interesse.

Georges Pompidou deixara de ser o primeiro-ministro francês três meses antes do começo do Caso e perfilava-se como o mais natural sucessor do General de Gaulle, Presidente e então em vias de completar 78 anos. O interesse da facção gaullista contrária à ascensão de Pompidou deu toda uma outra pujança ao Caso, mesmo que isso tivesse sido feito à custa da investigação, que cada vez mais se dispersava da identificação de quem cometera o crime (vídeo acima). Mesmo afastado das áreas do poder Pompidou reagiu com a fúria de quem sabia que em França aqueles casos só aconteciam porque, além de serem fomentados, alguém permitia que eles acontecessem¹.
«Capitant por estupidez, Vallon por sacanice, Couve por negligência.» Pompidou sintetizará nestes três nomes todos aqueles que considerou responsáveis pelo que se passou: incluía em primeiro lugar o Ministro da Justiça (esq.) e a forma como ele acompanhara a investigação e, last, but not least, o primeiro-ministro que lhe sucedera, Couve de Murville (dir.), que deixara a caravana do circo prosseguir estrada fora. A verdade é que o Caso não chegou a afectar a imagem popular de Pompidou. Nove meses depois, em Junho de 1969, Georges Pompidou foi eleito presidente com um pouco mais de onze milhões de votos. E o Caso Markovic perdeu todo o seu interesse.
No final, ninguém veio a ser condenado criminalmente pelo assassinato do belo Stevan Markovic. Mas René Capitant, Louis Vallon, Maurice Couve de Murville e todos aqueles que o Presidente responsabilizara pela evolução do Caso Markovic viveram anos bem desconfortáveis nos cinco anos em que Georges Pompidou ocupou o Palácio do Eliseu. Mesmo depois da sua morte em 1974 (de uma doença oncológica que lhe havia sido diagnosticada em 1971, em mais um dos inúmeros segredos cuidadosamente preservados da política francesa…), nenhum dos visados pela vingança presidencial conseguiu regressar à notoriedade pública e política que adquirira anteriormente.
Eis um Caso com um remate moral, mas sobretudo para tomar em consideração como referência sempre que rebenta um novo escândalo político…
 
¹ Mais de uma dúzia de anos depois, por exemplo, ainda François Mitterrand era eleito presidente sem que um murmúrio se ouvisse sobre a sua segunda família.

Sem comentários:

Enviar um comentário