30 janeiro 2022

«BLOODY SUNDAY»


30 de Janeiro de 1972. Hoje completam-se cinquenta anos sobre os acontecimentos da Irlanda do Norte que vieram a ficar conhecidos pela designação de Bloody Sunday. O episódio, popularizado pela canção dos U2 de 1983 (acima), terá reunido tudo o que devia para se poder transformar num marco simbólico e sangrento da discriminação a que a comunidade católica minoritária da Irlanda do Norte se via então submetida: não foram apenas as mortes injustificadas (14), foram sobretudo os esforços posteriores do governo britânico para desculpabilizar a conduta dos soldados paraquedistas autores da chacina. Actualmente parece ter-se assentado numa análise simples e unidimensional das causas para o que aconteceu, com os algozes e as vítimas perfeitamente identificados, a que se adicionou uma revisão finalmente razoável dos factos, desmascarando os relatórios de cobertura originais, a que seguiu um pedido de desculpas formal por parte do primeiro-ministro britânico Cameron em 2010 que lhe terá valido alguns pontos de bónus nos índices de popularidade. Reviravoltas da história, agora há quem tenha de se dispor a defender publicamente a inoportunidade do julgamento dos militares envolvidos.
Ora, se houve algum ensinamento que se devia ter retirado daquilo que aconteceu há cinquenta anos, é que os responsáveis britânicos nunca deveriam ter recorrido o emprego de forças militares em substituição das desacreditadas forças policiais da Irlanda do Norte. Apesar destas últimas (conhecidas por RUC) serem reconhecidamente parciais (porque compostas por 92% de protestantes e apenas 8% de católicos), um erro não se deve corrigir com outro. E é um erro recorrente dos protagonistas políticos (que costuma sair muito caro em caso de azar), o de se considerar os militares como uma espécie de polícia musculada para missões especiais onde as polícias regulares falharam. É que, numa situação de aperto, como normalmente são as que exigem esse género de decisão, os decisores tendem a esquecer-se que a preparação tradicional dos militares (ao contrário da dos bombeiros, por exemplo), não inclui qualquer preocupação com o bem-estar do inimigo (antes pelo contrário...). E isso é um risco que se costuma pagar em sangue quando as situações se descontrolam. Mas, sobre esse risco político que correu mal, é improvável que assistamos ao mea culpa de David Cameron em nome dos seus antecessores…
A verdade é que o problema nuclear era, além de político, de cariz policial (o da sua neutralidade) e devia ter sido resolvido por forças policiais neutras vindas do resto do Reino Unido. Convém acrescentar que é precisamente para essas situações que existe a vantagem da existência de forças paramilitares, como serão os casos da nossa GNR, da Gendarmerie francesa ou dos Carabinieri italianos, cuja existência era, porém, estranha à tradição anglo-saxónica. Pode-se hoje especular se, naquelas circunstâncias e naquele dia, um destacamento de uma hipotética força paramilitar teria tido um desempenho menos sangrento do que o dos paraquedistas, uma unidade de combate de elite do exército britânico. A intuição induz-nos a acreditar que sim, mas torna-se impossível de comprovar essa impressão. O que já se torna evidente é que, depois disso, os sucessivos governos britânicos não consideraram útil a criação de uma unidade com essas características para eventualidades semelhantes. É por isso que, se se repetirem os distúrbios que tiveram lugar em todo o Reino Unido em Agosto de 2011 (abaixo) e a polícia dessa vez não conseguir controlar a situação, é garantido que se tornará a ver a nata dos combatentes do exército britânico a perseguir de arma em punho os saqueadores… E adivinhe-se lá quem vai ficar com as culpas das mortes se elas se tornarem impopulares?...
(Republicação de um texto de 2014)

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