19 janeiro 2013

A FLUORETAÇÃO DA ÁGUA

Uma boa teoria da conspiração possui sempre aquela habilidade de desaparecer perante o desgaste dos argumentos lógicos para ressurgir alguns anos depois com novos proponentes que reiniciam o ciclo, convencidos de uma perspicácia que não passa de ignorância. E assim se passam décadas e as teorias, continuando tão estúpidas quanto no dia da sua invenção, ganham a patine da antiguidade. Hoje tornei a encontrar a teoria conspirativa da fluoretação da água no facebook (acima, retirei naturalmente a identificação do autor). Estabelece tal teoria que a água canalizada é perversamente fluoretada pelas autoridades para se assegurar do comportamento aquiescente das massas. Houve variações na teoria ao longo dos tempos: nos agentes que fluoretam perversamente as águas – já foram os comunistas; nos efeitos que a fluoretação provoca – no exemplo acima mencionam-se implicações nas taxas de fertilidade na China.

Com a democratização do acesso à informação proporcionado pela internet, é cada vez mais difícil ser indulgente. O que outrora foi ignorância é hoje negligência, senão mesmo estupidez, estando a maioria dos assuntos ao alcance de uma pesquisa simples. A que nos informa, por exemplo, que o processo de fluoretação é actualmente muito raro nos países europeus. Mas o que é mais interessante nesta teoria da fluoretação não é a sua antiguidade, mas a antiguidade com que ela é parodiada, numa das cenas mais importantes de Dr. Strangelove (1964). Nela, o General Jack. D. Ripper (Sterling Hayden), que  instruíra os B-52 da sua base aérea para que bombardeassem a União Soviética, desencadeando a III Guerra Mundial, abre o seu coração ao Coronel Lionel Mandrake (Peter Sellers), explicando como tudo não passava de um problema de fluoretação da água... De acordo com o que li no facebook, parece que o problema continua…

General Jack D. Ripper: Mandrake, já se apercebeu que, para além da fluoretação da água, estão em curso estudos para fluoretar o sal, a farinha, os sumos de fruta, a sopa, o açúcar, o leite,… os gelados. Os gelados, Mandrake, os gelados dos miúdos!
Group Capt. Lionel Mandrake: [muito nervoso] Meu Deus, Jack.
General Jack D. Ripper: Sabe quando é que começou a fluoretação?
Group Capt. Lionel Mandrake: Não, não. Não sei, Jack.
General Jack D. Ripper: Mil novecentos e quarenta e seis. 1946, Mandrake. Veja-se lá como coincide com a sua conspiração comuna do pós-guerra, hmm? É completamente óbvio, não é? Uma substância estranha é introduzida nos nossos preciosos fluídos corporais sem o nosso conhecimento. Sem qualquer possibilidade de escolha. É assim que os seus comunas ortodoxos operam.  
Group Capt. Lionel Mandrake: Ah, Jack, Jack, ouça… diga-me, diga-me, Jack: quando é que foi que se sentiu… bom, desenvolveu esta teoria?
General Jack D. Ripper: [um pouco embaraçado] Bom, eu, aah…, aah…, apercebi-me pela primeira vez disso, Mandrake, durante o acto de amor físico.
Group Capt. Lionel Mandrake: Hmm.
General Jack D. Ripper: Pois, uma, aah…, uma sensação profunda de fatiga… a que se seguia uma sensação de vazio. Felizmente… tive a capacidade de interpretar correctamente a sua causa: perda da essência.
Group Capt. Lionel Mandrake: Hmm.
General Jack D. Ripper: Posso assegurar-lhe que não é recorrente. As mulheres, aah…, as mulheres são sensíveis ao meu poder e procuram a essência da vida. Eu aah..., eu não as evito, Mandrake.   
Group Capt. Lionel Mandrake: Não.
General Jack D. Ripper: Mas… não lhes transmito a minha essência.

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