21 outubro 2012

AO RITMO DE UM «ASSASSINATO DE ROGER ACKROYD»

O Assassinato de Roger Ackroyd (1926) terá sido provavelmente o livro mais responsável por catapultar Agatha Christie para a notoriedade que a tornou na rainha de um certo estilo policial. O efeito fatal da história, guardado para o fim do livro, é que o assassino de que todos andam à procuram, e de que todos são suspeitos de ser, é afinal o próprio narrador que está a contá-la – que se aproveita da atitude descontraída e desatenta dos leitores daquele estilo literário para não nos escamotear uns quinze minutos cruciais da sua vida (peço desculpa por alguma imprecisão colateral: estou a citar de memória). Sendo um estilo específico, ele há quem parece ler e escrever essa mesma ligeireza em que não se dá pelas omissões do doutor Sheepard - o tal que ajudou Hercule Poirot a desmascarar-se a si próprio.
A outra história que me fez lembrar a de Roger Ackroyd, redigida para um público com essa mesma disposição descontraída, apareceu num blogue aqui da vizinhança, é engraçada e versa o tema dos companheiros que se apanham numa longa viagem de avião, predispostos a usar a conversa como terapia ocupacional para o tempo de voo enquanto a nossa é outra… No caso do narrador desta outra história, é a leitura de livros, revistas, jornais, todos em francês, já que ele ocupa vários cargos em Paris. E é lá para o fim da historieta que, quiçá leitor severo demais para um blogue daqueles, tropecei com o meu momento Roger Ackroyd, ao ler a confissão do narrador que duas horas depois do início da viagem já despachara um recém saído livro de 300 páginas, La Nuit et le Jour de Henri Guaino, um ex-assessor de Sarkozy.
O resultado cronometrado disso equivale a uma leitura a um ritmo médio ininterrupto de 24 segundos por cada página durante aquelas duas horas, o que diz imenso sobre: a desenvoltura do leitor em francês (nem uma palavra que suscitasse dúvidas?); a sua capacidade de concentração (nem uma interrupçãozita sorridente da hospedeira a perguntar se beberia qualquer coisa?); a resistência da sua bexiga (…?). Pelos vistos, em França tais proezas ainda passarão por verosímeis e os comentadores daquele blogue validam-nas por boas. Em Portugal, mesmo perante um auditório subqualificado como o da TVI, não: até o próprio Marcelo já se deixou de dizer que lia todas aquelas dúzias de livros que apresentava por causa das suas insónias nocturnas...

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