31 maio 2012

CORAR PELOS GREGOS E CHORAR PELA GRÉCIA

Corar pelos gregos e chorar pela Grécia (For greeks a blush, for Greece a tear, na redacção original), foi a expressão escolhida por Lorde Byron (1788-1824), o poeta romântico inglês (acima) para exprimir a sua opinião sobre os gregos quando, tendo partido para a Grécia para combater pela liberdade do país em 1823, descobriu que os seus filhos não se adaptavam mesmo nada à imagem que a literatura clássica deles fizera. Como muitos outros românticos, convictos dessa abstracção antiga (que, se calhar, nunca terá existido…), também Byron partiu disposto a combater ombro a ombro com os novos hoplitas gregos em novas Batalhas das Termópilas… Vieram a descobrir que eles eram mesmo invencíveis, mas apenas por causa da sua ignorância e do desrespeito pelas tácticas militares convencionais que eram então adoptadas em todo o resto da Europa…

Embora não sendo o caso de Byron, contava-se uma apreciável percentagem de voluntários (que se auto-denominavam filo-helenos), que eram veteranos das Guerras Napoleónicas. Estas haviam terminado apenas seis anos antes do conflito grego começar. E para esses homens, habituados à guerra, a suposição era que, por debaixo daquela sujidade e de toda a ignorância, os gregos continuavam a ser o mesmo povo (das narrativas) da Antiguidade. Percy Shelley (1792-1822), um outro poeta romântico inglês, ainda mais entusiasmado que Byron, escreveu: É a mais grandiosa Era do Mundo que recomeça / São os anos de Ouro que retornam. Mas Shelley morreu afogado num naufrágio antes de poder ver por si próprio o disparate que escrevera. Os combatentes gregos modernos não só não eram nada disso, como nem sequer estavam dispostos a mudar de estilo...
O guerrilheiro grego típico daquela época era conhecido por klepht¹ e era um marginal, meio bandido e rebelde, mas só se isso lhe fosse conveniente. O poder otomano podia-o contratar e então eles passavam a ser conhecidos por armatoloi. O seu comportamento não se alterava substancialmente por causa disso. Mas quando os oficiais ocidentais filo helenos os procuraram enquadrar para lhes ensinar os rudimentos de ordem unida conforme a norma da época (haviam passado seis anos apenas depois da Batalha de Waterloo), descobriram que a matéria-prima diante deles não se assemelhava aos espartanos. Os klephts não estavam dispostos a avançar de peito feito e a deixarem-se matar pela artilharia inimiga. Aliás, aquilo parecia-lhes estúpido, a ideia essencial era sobreviver para combater no dia seguinte e não ganhar a guerra, objectivo que muitos deles nem sequer conseguiam atingir.        
        
À luz dos nossos conhecimentos actuais, os gregos tinham razão apesar do seu atraso. As guerras podem ser assimétricas. Aliás, a maioria das da segunda metade do Século XX e XXI têm-no sido, ao contrário do que acontecia na Europa da primeira metade Século XIX. Aquela era-o, arrastou-se por onze anos (1821-32) e no fim o desgaste da insurreição e a pressão política das potências ocidentais sobre os otomanos acabou por produzir o seu efeito conduzindo à independência grega. Mas o essencial deste exemplo é que os gregos já eram (e parecem continuar a ser) genuinamente aquilo que são e de uma forma não permeável às concepções românticas estrangeiras sobre aquilo (que eventualmente poderá ter sido o) seu glorioso passado. Comparando-os connosco, não só entraram seis anos antes de nós na CEE como, se se safarem desta, isso acontecerá apesar da sua atitude…
¹ A palavra grega κλέπτειν (kléptein) corresponde a roubar. Confirma-se em português no significado de palavras como cleptomaníaco, por exemplo.

DOIS NÚMEROS SEM QUALQUER RELAÇÃO APARENTE ENTRE SI

Começando pelo fim, o número que desencadeou este poste, é 13,7. Em milhões de €uros, trata-se do número que representa o valor das exportações de vinhos portugueses para a China – que aparece assinalada apropriadamente no mapa acima a cor de vinho. Em valor, a China é o quinto importador e Portugal o sétimo exportador mundial de vinhos. Ouvi-o hoje na TSF e esse número, associei-o a um outro, 50% superior, que ouvira recentemente a Pedro Passos Coelho, quando da Cimeira da NATO em Chicago. Ele mencionou perto de 20 milhões de €uros por ano como o custo da participação portuguesa na missão internacional no Afeganistão (ISAF) – e o Afeganistão também se encontra devidamente assinalado no mapa com cores de camuflado militar…

É evidente que os interesses portugueses na Ásia não se esgotarão nem na China nem nas nossas exportações de vinho para os vários mercados locais. Mas torna-se evidente que se gasta muito mais no Afeganistão do que aquilo que se vende em vinho à China, o maior mercado asiático. Este género de comparações, mesmo podendo ser incipientes, quase nunca se fazem e, quando se tentam fazer, costumam ser constantemente refutadas com a intangibilidade dos objectivos da nossa política externa: óptima formula para que quem a define, não sejam eles escrutinados... Em casos da NATO a intangibilidade é a da solidariedade para com os nossos Aliados. Pedro Passos Coelho parece querer prosseguir aqui uma política de fazer de conta – a dos botões areados com as peúgas rotas

Raramente vejo a política externa portuguesa a ser discutida e objecto de controvérsia - o que é uma pena! - mas estou convencido que neste caso Pedro Passos Coelho e Paulo Portas se iludem a si próprios nessa tentativa de iludir as opiniões públicas alheias. A esmagadora maioria nem sabe que existimos. E os outros que importará impressionar conhecem bem demais as nossas debilidades... Quanto aos decisores, são eles, ainda que indirectamente e por intermédio dos organismos internacionais especializados (FMI), a ajudar-nos na recuperação da nossa situação financeira. Certamente que eles compreenderão a nossa indisponibilidade temporária em afectarmos recursos a missões a que apenas nos engajámos por princípios de solidariedade para com eles. E poupavam-se mais uns milhões...

30 maio 2012

«CARTOONS» ACTUAIS

Apesar de ter sido originalmente concebido por um francês no Século XIX, o cartoon acima voltou a tornar-se pertinentemente actual. O sujeito da direita é o credor e os da esquerda os devedores, e no cartaz que o primeiro segura pode ler-se:

Deve a Grécia à Inglaterra

Capital..………….………1.000.000
Encargos..……….…………..50.000
Falsos Encargos.….............225.775
Juros.………...…….…..…….20.000
Juros sobre os juros….........137.000
Compra das pistolas……....375.000
Total:…………...…..Quatro Milhões

A história financeira do estado helénico ao longo do Século XIX, e os seus problemas em satisfazer os compromissos externos que tinham sido assumidos desde a Guerra de Independência em 1830, culminaram no final do Século na criação de uma Comissão Financeira Internacional, composta pelas potências de então (Reino Unido, Rússia, Áustria-Hungria, Alemanha, França e Itália) que, instalada em Atenas, cativou as receitas do monopólio do tabaco, do imposto de selo e dos direitos alfandegários. 

29 maio 2012

UMA CABEÇA NUMA BANDEJA

 A partir do episódio bíblico da execução de São João Baptista, a imagem de uma cabeça decapitada numa bandeja tornou-se recorrente, sempre susceptível de impressionar, quer quando usada na pintura (acima, um quadro de Caravaggio), fosse no cinema (abaixo, trata-se da cabeça de Jim Henson) ou até na BD (mais abaixo, Largo Winch em H).
 Contudo, embora a narrativa seja muito precisa quanto à questão da apresentação, cumprindo os desejos de Salomé, nada é referido quanto à resistência do executado, pormenor que perturbaria a sua aura de santidade. Mas se atendermos ao exemplo de Miguel Relvas – que não aspira certamente à santidade... – a resistência deve ter sido feroz!    

OS «AMNISTIADOS»

Se recentemente havia aqui questionado o bom senso das considerações da Amnistia Internacional sobre a legalidade da operação que conduziu ao assassinato de Ossama Bin Laden, gostaria de voltar a um assunto associado a esse, sobre o qual a Amnistia ainda não se pronunciou mas onde, se calhar, já o devia ter feito…
Há cerca de uma semana foi notícia a condenação a 30 anos de prisão de um médico paquistanês chamado Shakil Afridi por ele ter ajudado à certificação da identidade de Bin Laden antes da operação que o liquidou. O facto do tribunal ter considerado o réu como um traidor explicará a dureza da pena. Segundo se pode ler na imprensa local em língua inglesa, o irmão do réu, que é advogado, queixa-se de não o ter podido acompanhar durante o julgamento, de ainda não ter tido acesso ao teor da sentença para poder começar a fundamentar sequer um recurso, de nem sequer ter podido estar ou comunicar com o réu. Apesar de ter sido amplamente noticiado local (acima) e internacionalmente, até hoje, nem no site da secção paquistanesa da Amnistia Internacional, nem no central da organização sediada em Londres (muito entretido com a Síria, com a Rússia e com o… Canadá) aparece qualquer referência àquele episódio. Ora não vale a pena iludir a questão, que na Amnistia também se conhecerá o poder da manipulação do mediatismo e sabe-se quanto o silêncio da organização a respeito de um prisioneiro tão simbólico quanto este se torna eloquente...– assim, até parece que há prisioneiros que estão mais aprisionados que os outros…
Há organizações que só se respeitam se se ativerem ao campo estrito dos princípios. Só assim se lhe aceitam patacoadas como a tal da legalidade da execução de Bin Laden. Agora, se a exigência for rigorosa, omissões tão óbvias e tão politicamente orientadas como esta podem retirar significativamente o prestígio que a Amnistia Internacional tenha adquirido…

28 maio 2012

«A GRÉCIA É UM PAÍS INVENTADO; ERA UMA PROVÍNCIA DO IMPÉRIO OTOMANO»

Por uns dias este nosso mundo circunscrito dos blogues foi atravessado por ondas de indignação por causa da frase acima, que terá sido proferida por José Luís Arnaut numa intervenção sua na SIC Notícias. Apesar de já aqui ter classificado o alegado autor um completo pateta, considerei aquela afirmação demasiado idiota para que a acolhesse aqui, ponderada a incerteza que ela tivesse sido realmente proferida. Ontem porém, no seu programa semanal naquele mesmo canal, José Pacheco Pereira tirou-me as dúvidas ao refutar aquilo que designou cripticamente como as asneiras que se ouvem por aí a respeito da Grécia – sem referência a quem as profere... Tendo privado amenamente com o putativo autor do disparate ( com a estima e consideração pessoal inerente...), José Pacheco Pereira parece-me das pessoas mais idóneas para ajuizar do potencial de José Luís Arnaut.
Eu suspeito que só as quotas dos partidos justificarão que a SIC Notícias tenha que endereçar certos convites, padronizados e falhos de imaginação (como serão os casos de Bernardino Soares ou de Luís Fazenda), mas há casos, como este de José Luís Arnaut ou então o de Alfredo Barroso, que são para mim verdadeiros mistérios…

O BAILE DOS «REDNECKS»

Nunca a houve mas, em paralelo com as internacionais operárias, bem poderia ter havido uma Internacional dos Saloios. Na cultura ocidental, parece que todos os agricultores pobres se assemelham e têm traços identificativos reconhecíveis comuns. Nos Estados Unidos – onde eram conhecidos por rednecks – é preciso recuar até 1940 para os encontrar em números significativos, proletarizados pela recessão que se seguiu à crise de 1929. Esta fotografia de um baile deles (onde, por ser a cores, os pescoços são mesmo vermelhos), foi feita por Russell Lee (1903-1986) e data desses anos que precedem de pouco a expansão económica que se registou com a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial (Dezembro de 1941). Os rapazes foram incorporados, as moças foram trabalhar para as fábricas de armamento e, quando a guerra terminou em 1945, já foram poucos os que quiseram regressar a McIntosh County, Oklahoma, onde a fotografia foi tirada.        

F-22 RAPTOR, O AVIÃO QUE TERIA ENCANTADO VEGÉCIO

 Ao contrário da maioria dos caças da concorrência, o F-22 Raptor (acima) é um avião feio. Porém, como se arroga pertencer a uma nova geração (a quinta) de aparelhos para essa finalidade, talvez estejamos perante uma geração de aviões feios. E sofisticados. E caríssimos. Calcula-se que o F-22 tenha um custo de produção unitário que rondará os 120 Milhões de €. Mesmo os Estados Unidos só se puderam dar ao luxo de construir 195 unidades deste avião quando, num passado mesmo recente, os caças das suas esquadrilhas se contavam por milhares. E o F-22 foi concebido para enfrentar um avião inimigo que ainda não existe e que, aos preços em vigor, se arrisca a nem vir a existir.
 Este exemplo do F-22 faz-nos ressuscitar exemplos do passado, de impérios opulentos em fases onde já se temia pela decadência e quando se escreviam tratados militares onde se tentava sistematizar os conhecimentos militares dos períodos áureos da expansão e/ou se preconizavam sistemas de armas cada vez mais sofisticados como resposta às novas ameaças. Na Roma dos finais do Século IV apareceu o Tratado de Ciência Militar de Vegécio (abaixo) e na China da Dinastia Song, em meados do Século XI, um grupo de sábios elaborou o Wujing Zongyao, incluindo uma das fórmulas originais da pólvora. Ambos os impérios desapareceram mas não por causa da sofisticação das armas dos inimigos…

27 maio 2012

EISENACH, O BUCOLISMO SOCIALISTA

Eisenach é uma cidade da Turíngia, quase precisamente no centro geográfico da Alemanha actual. É famosa por ser a terra natal de Johann Sebastian Bach. E, como se pode deduzir pela fotografia acima, ficou do outro lado do Muro entre 1945 e 1989. Contudo, em vez de realismo socialista, trata-se de uma imagem bucólica, centrada num casal jovem e aquecida pelos raios de um Sol que deve ser bem raro por aquelas paragens. Como o parque habitacional parece decrépito e mal cuidado e os trabalhadores ao fundo parecem não estar a fazer nada, a localidade até poderia passar por mediterrânica não fosse a presença do inconfundível Trabant e a pichagem na parede de apoio ao PDS, o sucessor do famigerado SED.

26 maio 2012

INDRA LAL ROY – O HERÓI RETOCADO

Indra Lal Roy (1898-1918) foi o único ás da aviação de ascendência indiana durante a Primeira Guerra Mundial. E com isso, considerada a cultura da época, a sua (curta) carreira militar tornou-se num absurdo. Os britânicos até podiam conceber a existência de feitos de armas protagonizados pelos povos coloniais – mas dos primários, demonstrando coragem pura. Era inesperado um herói de um povo colonizado que se destacasse numa actividade militar tão sofisticada quanto a aviação, vanguarda tecnológica do conflito.
É essa ambivalência que podemos perceber nestas duas fotografias acima, ambas imagens retocadas da original do início. À esquerda vemos um Roy de feições mais ocidentalizadas e com um sorriso que lhe foi desenhado; à direita um Roy com olheiras mais acentuadas e um olhar distante que desafia a câmara. Não é por acaso que a primeira é a que ilustra a entrada referente ao aviador na Wikipedia e a segunda a escolhida para ilustrar a da Banglapedia, um projecto alternativo à primeira do nacionalismo bengali...

AS AUTORIZAÇÕES CAMARÁRIAS EM FALTA…

É possível identificar no último relatório publicado internacionalmente pela Amnistia Internacional a coragem das convicções deles contra a opinião esmagadora de milhões. Atitude que é sempre de saudar. O exemplo internacional mais evidente de tal dissonância com a opinião predominante é a opinião ali expressa que a execução de Bin Laden no Paquistão em Maio passado foi um acto ilegal.
Pode ser que haja quem proponha sardonicamente que se devia ter esperado pelos membros da delegação paquistanesa da Amnistia, para que fossem eles a correr os riscos que os militares armados do comando que executou Bin Laden não quiseram correr, dando-lhe a voz de prisão que até poderia ter sido acatada. Afinal assiste à direcção da Amnistia o direito de presumir (e não há forma de a contradizer...) que, desde que tratado com civismo, Ossama Bin Laden até se podia comportar com a civilidade de um Anders Breivik
Porém, não me parece que a Amnistia tenha abordado o assunto com a imparcialidade que se lhe exige quando refere apenas a ilegalidade da execução de Bin Laden. É que, quanto a legalidades, era importante relembrar que para a operação que ele patrocinou houve vários regulamentos municipais nova-iorquinos que foram infringidos: por exemplo, aquela que impedia voar tão junto dos edifícios altos…

25 maio 2012

AS «RIVAIS»

Em 2007, Ségolène Royal (acima, à esquerda) concorreu e perdeu as eleições presidenciais francesas contra Nicolas Sarkozy. Um mês depois da derrota, escassos dias depois das eleições legislativas que se seguiram, Ségolène Royal anunciou publicamente haver tomado a iniciativa de se separar de François Hollande, encerrando um certo género de especulações sobre a sua vida conjugal, mas abrindo espaço a um outro género de especulações sobre qual teria sido a sua atitude se ela tivesse ganho as eleições… Cinco anos depois é François Hollande que concorre e ganha as eleições presidenciais francesas contra Nicolas Sarkozy. Será apenas humano supor que, para François Hollande, esta sua vitória tenha tido mais do que um sabor especial. E todavia, as associações do candidato em campanha com a sua ex-companheira foram cuidadosamente negociadas e monitorizadas pelos respectivos staffs. Ninguém se lembrou, na hora da vitória de Hollande, de mandar um remoque em jeito de desforra à dor de cotovelo de Ségolène Royal. Segundo as notícias postas a correr, estandartizadas, ela estava felicíssima

Poucas semanas passadas, a felicidade de Ségolène parece estar a transbordar. Na imprensa francesa podem-se ler notícias recorrentes sobre os ciúmes exagerados que Valérie Trierweiler (acima, à direita), a nova companheira de François Hollande, dedicará a Ségolène Royal. A notícia e o enredo associado é uma daquelas que dará ao povo precisamente aquilo de que o povo gosta, mas vale a pena perguntarmo-nos a quem é que convirá a publicidade que lhe está associada... Aí, os indícios apontam todos para Ségolène Royal. Não é apenas a redacção (típica de informação plantada) das várias notícias, que tornam que seja sempre Valérie Trierweiler o objecto da troça: numa delas, revela-se que na visita recente à Casa Branca ela teria sido tratada por First Girlfriend – mas esquecendo-se que Hollande e Royal também nunca foram casados… É constatar que, sem estes pormenores, que bem poderiam ser cantados por Mónica Sintra (abaixo), Ségolène Royal é uma eminência socialista que vale apenas uma fracção ínfima do peso de uma Martine Aubry – que não consta que já tivesse dormido com o presidente…

24 maio 2012

OS «CANGALHEIROS» DO MODERNO OESTE POLÍTICO

Quando me deparo com um exemplo tão flagrante de recondicionamento de uma notícia como acontece no caso abaixo, a respeito da execução orçamental do primeiro quadrimestre de 2012, associo aqueles que se incumbem de tal tarefa àqueles gatos-pingados do velho Oeste – acima é a caricatura de um deles, esverdeado, feita por Morris para uma história de Lucky Luke. Naquelas circunstâncias, trata-se de duas profissões reconhecidamente necessárias, normalmente prósperas… e tradicionalmente desprezíveis.

A EXECUÇÃO ORÇAMENTAL DE ABRIL


…esse esforço está a ser feito e os resultados estão a ser conseguidos. A receita que vem evidenciada neste boletim de execução orçamental (Fevereiro) – como já tinha sido referenciado no mês passado a propósito da execução do mês de Janeiro e como voltará a ser evidenciado quando em Abril forem conhecidos os resultados de Março – terá sempre o desvio face àquilo que está orçamentado que há medidas que estão incluídas – sobretudo ao nível dos impostos netos(?), como é o caso do IVA – que só se reflectirão por inteiro – dado o regime de contabilidade que existe na maior parte das empresas, que é um regime trimestral – só estará reflectido na execução orçamental até Abril. Portanto só em Maio é que teremos uma notícia correcta dos efeitos das medidas que adoptámos no orçamento para este ano, aaah…, aaah…, na execução orçamental. (Pedro Passos Coelho em Março de 2012)
 Os tais dados referentes à tão ansiada execução orçamental de Abril foram tornados públicos ontem. Acima aparece o cabeçalho da notícia do Jornal de Notícias sobre o assunto, ainda antes de retoques. E veja-se o contraste com os cabeçalhos (e as fotos) das notícias de hoje (abaixo, a do Jornal de Negócios) quando a notícia já foi devidamente trabalhada pela malta do costume. As declarações de Passos Coelho de há dois meses com que começo o poste demonstram, não só que isto não era o esperado, como até que Passos Coelho não contava encontrar-se agora nesta situação quando então chutou a bola  para a frente, para a execução que seria conhecida daí por dois meses. O facto de não existir alternativa credível a esta equipa governamental não significa que não possamos reconhecer quando, em termos de controlo das finanças públicas, os seus modelos macroeconómicos estão errados e não aderem à realidade e quando em termos de execução, se anda à deriva, va-ga-ro-sa-men-te... à deriva.

23 maio 2012

OS CORTESÃOS RUSSOS DO GRANDE CARLOS

Se recentemente ouvi, no rescaldo das eleições presidenciais francesas, referências venerandas, nostálgicas e/ou elogiosas a François Mitterrand, permanece óbvio que será de Gaulle que a História consagrará como o presidente simbólico da V República francesa, que foi, de resto, institucionalmente moldada de acordo com a sua personalidade. Charles de Gaulle, sem ser propriamente fotogénico, podia revelar-se um excelente modelo fotográfico. Esta fotografia foi tirada em Julho de 1966, quando de uma visita oficial sua à União Soviética. O fotógrafo foi Elliot Erwitt, que se escapulira discretamente para conseguir captar este instantâneo das conversações privadas do visitante com os anfitriões depois das cenas oficiais.
 Sendo neutral (norte-americano), a fotografia de Erwitt tem um outro valor ao mostrar um de Gaulle enorme que se impõe claramente às eminências do Kremlin, onde se identificam Leonid Brejnev (A), o dirigente máximo do partido, Alexei Kossygin (B), o dirigente máximo do governo e Andrei Gromiko (C), o dirigente histórico da política externa soviética. A crer na fotografia, a França é que seria a superpotência mundial e a Rússia a potência em crise de afirmação. Mas há uma explicação racional para tudo. Por um lado, a liderança soviética (além de colectiva – com Brejnev, Kosygin e Podgorny) era recente e ainda um pouco insegura: menos de dois anos se haviam passado após da deposição de Nikita Krushchev.
Por outro lado, alguns meses antes, de Gaulle anunciara o abandono por parte da França da estrutura militar da NATO, incluindo a desactivação das bases norte-americanas que estavam sediadas em território francês. E aquela ocasião era propícia demais para que os soviéticos não cortejassem assim para uma aproximação o grande dissidente da aliança adversária. Só que, para rematar, mesmo tendo sido da autoria de um neutral e clandestina, a fotografia mostrava uma grandeza da França, ficcionada ou não, que era boa demais para não ser aproveitada para a escarrapachar na primeira página da Paris-Match, uma das revistas francesas de maior circulação da época…

OUTRO HOMEM A QUEM PARECE QUE ACONTECEU NÃO SE SABE BEM O QUÊ

Ricardo Araújo Pereira tornou-se num sucesso social estrondoso. Nestas suas últimas aparições, ele já mal consegue articular três frases encadeadas antes da assistência não se desatar logo a rir. Contudo, apesar da popularidade da sua mensagem parece-me que há quem continue obtusamente a protagonizar reproduções fiéis de alguns dos seus quadros mais célebres, daqueles onde se critica ferinamente aquilo que de mais ridículo existe na sociedade portuguesa. E o auditório continua a aplaudir veementemente...tanto a caricatura quanto o original.

Tomemos para exemplo o vídeo acima, aquele famoso quadro intitulado o homem a quem parece que aconteceu não sei o quê. É um monólogo que dura quase um minuto e meio e onde o protagonista se mostra profundamente indignado por algo que não se chega a perceber do que se trata por falta de concretização. Comparemo-lo agora com um outro vídeo televisivo, a participação de um convidado num canal informativo quando o tema a debater é o da corrupção.

O convidado é um fiscalista chamado Tiago Caiado Guerreiro que mostra desde o princípio ter as suas opiniões muito vincadas sobre aquele assunto. Parece um sucesso! E todavia, repare-se como, ao longo dos quinze minutos que a entrevista dura (ou seja, dez vezes mais que o monólogo anterior), nos exemplos que deu, nos casos que citou, nem uma só vez o ouvimos nomear concretamente um indivíduo corrupto que fosse, que tivesse sido julgado e condenado como tal. É que citar os nomes dos corruptos julgados e condenados é, em si, uma forma descomplexada de distanciamento, de condenação cívica e de sanção social!

Se a corrupção for perpetrada não se sabe bem por quem, não por Isaltino Morais, Nuno Cardoso, Fátima Felgueiras, Costa Freire (nomes de condenados), e nos abstivermos de condenar os corruptos publicamente pelos seus actos, então há que dizer ao Tiago Caiado Ribeiro que já estamos servidos de combatentes contra a corrupção - olhem, como o João Cravinho, de que se lá fala na entrevista…

22 maio 2012

GUARDAS-CIVIS NUMA POVOAÇÃO ESTREMENHA

 As relações entre os Estados Unidos e a Espanha não eram propriamente cordiais em 1950, quando o fotógrafo norte-americano W. Eugene Smith (1918-1978) tirou esta fotografia acima em Deleitosa, um povoado esquecido da província de Cáceres. O regime espanhol era uma ditadura, estivera muito próximo da Alemanha nazi no decurso da Segunda Guerra Mundial e os Aliados só não haviam contribuído para o seu derrube porque entretanto o habilidoso Franco não lhes dera pretextos para tal.

E Smith consegue ser o intérprete perfeito dessa forma desdenhosa de mostrar o franquismo, através das expressões desconfiadas (e inspirando por sua vez muito pouca confiança…) de três guardas-civis que, recorde-se, seriam a expressão da autoridade do Estado… Por detrás, as rachas na pintura induzem-nos a atribuir ainda mais um ar de decrepitude ao regime… Antecipado de quinze anos, a cena bem podia figurar num Western Spaghetti, onde os guardas seriam indubitavelmente dos maus!

TV NOSTALGIA – 66

Quando esta série China Beach passou na televisão (ainda na RTP monopolista, nos anos do apogeu do cavaquismo) já eu não me considerava o ingénuo que me levou a qualificar de nostálgicos esta série de postes. Pelo menos, conseguia identificar onde os autores se haviam ido inspirar: a MASH, o filme (depois também série televisiva) sobre um hospital de campanha na Coreia. Em MASH a referência ao local da acção estava sublimada mas em China Beach ele tornou-se finalmente assumido: o Vietname. E para dar um ar mais fresco a um tema que à época já fora bastante desbastado, escolheu-se uma enfermeira para protagonista, num inovador retoque feminino – embora a desproporção entre homens e mulheres norte-americanos a cumprir serviço no Vietname tivesse sido de 350 para 1

21 maio 2012

A MESA DE TRABALHO

Houve uma tradição militar russa (também soviética e, por arrastamento, de alguns outros países do bloco Leste) de estudar táctica utilizando a modelagem à escala em vez de se recorrer predominantemente a mapas, como costumava ser o costume nos exércitos ocidentais¹. Argumentava-se que esse método, onde se recorre a miniaturas simbólicas em vez dos sinais convencionais da cartografia, facilitava não só a aprendizagem dos alunos como também a compreensão dos futuros intervenientes quanto à forma como se iria desenvolver a operação onde iriam participar. Assim, mesas de trabalho como aquela que aparece na fotografia acima, com simulações do relevo e até reproduções de árvores, eram muito comuns nas Academias militares dos países de Leste. E há ali qualquer coisa de infantilmente atractivo nela, como terreno de brincadeira, apesar da compostura dos aspirantes a oficial que estão sentados à sua volta.

¹ As simulações em computador substituiram com vantagem um e outro método.

DOIS EGOS INTELECTUAIS

 Ontem assisti à intervenção de Marcelo na TVI e fiquei com muitas reservas quanto à continuidade daquele figurino que foi recentemente estreado em conjunção com Judite Sousa (abaixo). Judite acha que tem várias opiniões interessantes e gosta de ouvi-las ditas por si em voz alta enquanto Marcelo não esconde preferir os assistentes prestáveis, que estejam quietinhos quando ele finge que os serra ao meio ou então que apanhem discretamente a pomba que entretanto voou depois dele a ter tirado da cartola no truque anterior…

20 maio 2012

A INTIMIDADE… E A INANIDADE

Ainda a propósito de cenas na cama, recorde-se como, em Março de 1969, os recém-casados John Lennon e Yoko Ono promoveram uma acção a que deram o nome de Bed-in em prol da Paz durante a sua viagem de núpcias. Apresentando-se os dois deitados na cama diante de uma imprensa mundial que parecia sequiosa de pormenores picantes, o casal desapontou as expectativas com pijamas apertados até ao pescoço e declarações protestando contra a Guerra do Vietname (acima). E, estando ainda os Beatles no auge da fama, mal se ouviram vozes na imprensa mundial que se atrevessem a pronunciar-se, para além das (boas) intenções, sobre a superficialidade e a inconsequência daquela exibição.    

Mas, quinze anos depois, pode apreciar-se abaixo uma magnífica paródia à iniciativa de Lennon, num programa de televisão britânico intitulado Spitting Image, que era em si outra paródia mas com outro destinatário, o (verbalmente) belicoso presidente dos Estados Unidos da época, Ronald Reagan. Na paródia, este último conjuntamente com a sua mulher Nancy, fazem também o seu Bed-in só que em prol da Guerra e a música que acompanha o episódio, em vez do Give Peace a Chance original é uma versão de Da Do Run Ron (Reagan apresentava-se à reeleição nesse ano). Ele há quem só perceba o ridículo de um Bed-in pela Paz quando se apercebe que pode haver outro… pela Guerra.

A OBSCENIDADE

Até há bem poucos anos, imagens como estas acima, retiradas do filme O Fabuloso Destino de Amélie seriam improváveis, por causa da sugestão sexual explícita que contêm. Contudo, agora que a moral prevalecente parece aceitar outras convenções, essas mesmas imagens não deixam de continuar a ser profundamente chocantes, embora por um outro motivo... É de perguntar se a expressão – mais do que distante, trocista mesmo! – de Audrey Tatou (a actriz que interpreta Amélie) durante o coito, não se vem a revelar muito mais cruel do que qualquer pudor beliscado que houvesse anteriormente impedido a cena de ser exibida…

19 maio 2012

A INUTILIDADE DAS FLORES E DAS PALAVRAS BONITAS

 Esta Crise é muito séria e portanto já não há a paciência de outrora para as proclamações recheadas de palavras bonitas que se sabe não significarem absolutamente nada. A esquerda livre, a esquerda plural, a esquerda lírica, a esquerda sólida, a esquerda pronunciada-de-voz-cava-à-Manuel-Alegre, tendem a revestir-se do significado daquele último traque soltado na casa de banho... Para mais, depois de décadas em que a manipulação da palavra na política adulterou os conceitos – como liberdade ou democracia – para chavões significando tudo o que se quiser.

18 maio 2012

TRANSGERACIONAL

Estes dois videoclips parecem transmitir aquele mesmo entusiasmo ingénuo e optimista que é tão característico de um certo período da nossa vida. Há cerca de 25 anos a separá-los… mas nem se nota. Foi só por questões de etiqueta que o velhinho teve precedência.

O CARTAZ E OS CASTORES

Paris. Maio de 68. O cartaz de um filme então em exibição (título original: Madigan) foi aproveitado para enfeitar uma barricada mais do que provavelmente por causa da sentido irónico do título que recebera em francês: Police Sur la Ville. A fotografia é, mais uma vez, do turco Goksin Sipahioglu. A guarnição da barricada parece entretida, como castores à volta da sua barragem.

17 maio 2012

JOGOS SEM FRONTEIRAS


Hoje, a pretexto da crise financeira na Europa, deu-me para escrever um cripto-poste. No género, só espero que se consiga entender melhor a simplicidade do vídeo escolhido do que se costumam perceber aquelas elaboradas reflexões de José Adelino Maltez

16 maio 2012

DISTO JÁ NÃO HÁ MAIS – 5

Durante a Guerra-Fria havia quem publicasse manuais como os acima (da Salamander Books britânica em 1986), para que se pudesse imaginar como seria a guerra se ela passasse a ser quente. Com cerca de 500 páginas profusamente ilustradas e obrigando os conhecedores a comprar os dois volumes (americano e soviético) para que ajuizassem fundamentadamente sobre o potencial de combate das duas superpotências, os livros do género destinavam-se a um público que apreciava - e parece continuar a apreciar, mas agora sem o atractivo da rivalidade... - o tema mas a quem faltava a preparação teórica para explorar devidamente a informação que eles continham e para perceber quais as suas (importantes) limitações.

No caso concreto dos livros expostos, das quase 500 páginas de qualquer deles, só em 15 a 20 páginas (ou seja uns 3 a 4% do total) se procurava explicar aos leitores como funcionavam e se articulavam as organizações complexas de milhões de pessoas das forças armadas rivais que empregavam todo aquele material. E o material é apresentado com uma neutralidade tal que quase se emparceira uma ogiva nuclear com uma granada de mão, apesar da primeira ter uma capacidade destrutiva milhões de vezes superior à segunda. Ora o material de guerra é concebido para ser destrutivo e não pode ser tomado como um catálogo de fichas técnicas impessoais que se assemelhariam às de uma aparelhagem estereofónica ou de uma máquina de lavar roupa…

A ANTEPASSADA DAS CAMPEONÍSSIMAS DA ALEMANHA DE LESTE

Um dos raros aspectos da Guerra-Fria em que aquela disputa merece a referência à participação de um terceiro interveniente que não as duas superpotências é o desportivo. Associou-se às atletas femininas da Alemanha de Leste um estilo muito próprio, que se tornava reconhecível de imediato (aprecie-se acima), e que se consagrou no terreno com a conquista de centenas de medalhas em todas as competições internacionais.
Pode ver-se que a atleta acima também compartilhava aquele estilo característico. Chamava-se Lilli Henoch e também vinha da Alemanha de Leste (nascera em Konigsberg na Prússia). Contudo, Lilli Henoch podia ser avó de qualquer uma das atletas da fotografia inicial: tendo nascido em 1899, ela era cinquenta anos mais velha que o próprio país que as promovera, a República Democrática Alemã, aparecida em 1949.
Durante a década de 1920, Lilli Henoch foi recordista mundial do lançamento do peso, do disco (por duas vezes) e da estafeta de 4 x 100 metros. Foi campeã nacional alemã em qualquer destas disciplinas, num total de dez títulos. Mas, como Lilli Henoch era judia, este impressionante currículo atlético não evitou que ela tivesse sido deportada e executada em 1942. O horror do Holocausto é também o destas pequenas histórias pessoais… 

15 maio 2012

O COMISSÁRIO POLÍTICO

Durante as décadas da Guerra-Fria, o comissário político era o graduado com funções mais difíceis de explicar aos militares do lado de cá, que viviam em sociedades que eram completamente distintas da soviética. Os comissários eram os encarregados da motivação e do bem-estar das tropas mas a sua importância e o seu estilo de actuação não se assemelhava quase nada à dos capelães ocidentais. Mais: sendo uma espécie de segundo comandante das unidades onde estavam colocados, nunca poderiam aspirar a comandá-las porque a sua carreira militar era paralela à dos outros oficiais do quadro.
O que aparece na fotografia acima, comissário da Armada Soviética, parece dedicar-se à análise do conteúdo de um artigo de primeira página do Pravda, que era à época o jornal oficial do comité central do Partido Comunista da União Soviética. A audiência é, como seria conveniente mostrar nas fotografias de um estado multinacional, de proveniências étnicas diversas. Ao fundo, o mais indispensável de tudo: a presença tutelar de Lenine. Mas o que nunca é referido é que o responsável pela criação da figura do comissário político em substituição dos conselhos de soldados foi Kerensky em Maio de 1917…         

O FUNERAL DE MITTERRAND E O ENTERRO DA REPUTAÇÃO DA COMUNICAÇÃO SOCIAL FRANCESA

As cerimónias do funeral de François Mitterrand (1916-1996) em 11 de Janeiro de 1996 assinalam também uma espécie de enterro da reputação da comunicação social francesa. Descobria-se que o conjunto de redes informais que controlam a sociedade francesa – sobretudo as lojas maçónicas – havia conseguido que Mitterrand permanecesse por quase 50 anos na ribalta da vida política – ministro por oito vezes desde 1947, candidato presidencial por quatro desde 1965 – sem que alguns aspectos muito controversos do seu percurso político e pessoal houvessem chegado ao conhecimento da opinião pública e por ela fossem debatidos. 
 Naquele dia e pela primeira vez diante dos olhos de todo o Mundo, juntava-se a família oficial do ex-presidente (na fotografia inicial e da esquerda para a direita), com as netas Pascale e Justine, a mulher oficial Danielle (de cachecol branco) e os seus filhos Jean-Christophe (imediatamente a seguir) e Gilbert (na ponta), à família clandestina que era constituída pela sua outra filha Mazarine (acima) e pela amante Anne Pingeot (por detrás da filha, num plano mais recuado que os restantes). As imagens recolhidas na cerimónia (acima), destacando-lhes tanto o recolhimento quanto a discrição são nitidamente simpáticas para com as segundas.
Mas estes gestos tardios só se podem interpretar como penitência e não podem esquecer o facto incontornável que fora apenas por determinação do próprio Mitterand, já no final da vida, que se haviam tornado públicos os tais pormenores embaraçosos que haviam permanecido escondidos durante quase todo o período de catorze anos que havia durado a sua presidência (1981-95). Detalhe complementar: Mitterrand sabia que ia morrer em breve porque desde 1981 lhe haviam diagnosticado um cancro na próstata – esse era apenas mais um dos vários segredos da presidência que esta conseguira manter afastada do grande público durante esses catorze anos…
Entre eles, havia aqueles segredos que a comunicação social desconhecia: no caso indicado imediatamente acima, os boletins de saúde do presidente Mitterrand foram devidamente falsificados ao longo dos anos. Depois, havia os segredos que a comunicação social conhecia mas que era vivamente aconselhada a não investigar como era o caso da existência da outra família. Todavia, a investigação do tema seria tanto mais do que pertinente do ponto de vista jornalístico, quanto Mitterrand mostrava não ter qualquer problema em usar a sua família oficial em campanha ou para conferir mais estatuto ao cargo que ocupava (acima, fotografias de 1974 e 1982).
Por fim, havia os assuntos que não eram segredo só que, pura e simplesmente, não se falava deles. Nem no mais aquecido dos debates políticos que travou, nunca o percurso sinusoidal de François Mitterrand sob o regime de Vichy do general Pétain (acima - que lhe valeu de resto receber a sua mais alta condecoração), conseguiu ganhar o interesse mediático que se esperaria de um tal tema, tão controverso¹. Naquele funeral, naquele dia, percebia-se que, não fosse pelo próprio, nenhum destes assuntos quentes teria sido revolvido. Como se fosse uma última mostra de desprezo do defunto pela subserviência do jornalismo francês para consigo… 
          
 ¹ Note-se neste debatede 2011  a persistência do desconforto que o tema ainda suscita, quando Marine Le Pen da FN o usa para deflectir as acusações de extremismo político da sua organização e o jornalista David Pujadas se vê obrigado a defender-se corporativamente.

14 maio 2012

A ANÃ

O segredo do impacto desta fotografia de Jerry Schatzberg (1927-    ) não será tanto a presença da protagonista e a descoberta da sua deformidade, é muito mais o contraste entre elas e a pretensa beleza sofisticada (ainda para mais avalizada pelo nome Christian Dior) daquilo que se vê exibido na montra, que se revela inequivocamente piroso…

AS REACÇÕES DE «OS MERCADOS»

Trading Places (em Portugal recebeu o título de Os Ricos e os Pobres) é um filme de 1983 de John Landis, protagonizado por Eddie Murphy e Dan Ackroyd. A cena crucial do filme tem lugar na Bolsa de Philadelphia e o produto em disputa é sumo de laranja concentrado congelado. Mesmo sem se perceber inglês e sem compreender totalmente o que está acontecendo a cena é cómica. Ackroyd e Murphy sabiam antecipadamente o conteúdo do relatório que foi anunciado a meio da sessão, e resolveram enganar os seus rivais, fornecendo-lhes informações falsas.

Aproveitaram a disposição compradora daqueles para venderem a descoberto contratos futuros de sumo enquanto a cotação subia bem acima dos 100 pontos, para mais tarde os recomprarem quando ela caiu a pique. Em suma, pediram emprestado algo (os contratos futuros) para os venderam por cima e recomprarem mais barato, devolvendo-os no fim aos seus proprietários e enriquecendo no processo… Não tem moral, mas os grandes parodiados da cena são os operadores da Bolsa que mostram um comportamento colectivo digno de um ajuntamento de animais domésticos  
Quase trinta anos passados, a evolução ideológica de aí para cá fez com que a perspectiva que agora se pretende dar sobre o comportamento da manada se tornasse coisa respeitável: agora, os mercados (como entretanto passaram a ser designados) continuam com a mesma ânsia do dinheiro de sempre mas a imagem do seu comportamento quer-se respeitável e a sua opinião sobre assuntos de política internacional incontornável. Por exemplo, há uma semana atrás fomos informados que os ditos mercados haviam reagido mal aos resultados eleitorais em França e na Grécia

É uma pena que quem escreve isso nem sequer se aperceba que a grande notícia do futuro poderá ser a inversa: que os eleitorados venham um dia destes a reagir mal aos resultados operacionais dos mercados