03 maio 2023

UMAS CALÇAS PARA O CARAÇAS

(Republicação)
A campanha pelos direitos civis dos negros norte-americanos tornou-se um exemplo de uma confrontação que foi vencida pelo poder daquilo que se veio depois a designar por softpower. Um dos momentos mais significativos dessa confrontação ocorreu em Maio de 1963 em Birmingham, uma cidade do estado do Alabama, no Sul profundo dos Estados Unidos. As marchas de protesto dos activistas perderam as batalhas travadas no terreno contra as forças da ordem locais para as vencerem junto da opinião pública por intermédio dos órgãos de informação que iam relatando o que estava a acontecer.
As imagens recolhidas no local por fotojornalistas como Charles Moore ou Bill Hudson eram não apenas chocantes como pareciam ser eloquentes quanto à repressão aplicada sobre os manifestantes. Ver os bombeiros (tradicionalmente conhecidos por soldados da paz) a usar o seu material como armamento de dispersão de manifestantes (acima) seria algo que a opinião pública norte-americana não parecia disposta a aceitar. Contudo, é engraçado como os detalhes das fotografias destas situações confusas se prestam a criar muitas dúvidas sobre a veracidade daquilo que a imagem geral pretende transmitir…
Tomemos o exemplo desta fotografia acima de Bill Hudson que recebeu o destaque do New York Times: o polícia, de óculos escuros e dentes cerrados, agarra o manifestante pela lapela do casaco enquanto incita o cão que ataca. Todavia, se prestarmos atenção à inclinação do corpo do manifestante parece que será ele que está a avançar e a provocar o contacto com o cão e não o contrário. Note-se como a sua perna esquerda está levantada como se ele se preparasse para dar uma joelhada (defensiva) no peito do cão. E note-se ainda como a sua mão esquerda agarra o pulso do braço do polícia que o está a agarrar...
Faça-se o contraste com esta outra fotografia desses mesmos acontecimentos, cujo tema é praticamente o mesmo (manifestantes, polícias e cães) embora o seu autor seja Charles Moore. A violência do momento não será tão ostensiva quanto acima mas será muito mais gratuita porque não foi provocada. Percebe-se que os manifestantes estariam a afastar-se ordeiramente e que o ataque do cão, a interpretar-se a expressão entre o surpreso e o embaraçado do polícia que o controlaria, foi intempestivo. O desgraçado, atacado à traição, olha para trás e lá deve pensar resignado: - Lá se foram umas calças para o caraças

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