07 dezembro 2011

O JORNALISMO DO MASTOIDEU

Aproxima-se o Natal e, cumprindo-se uma tradição recente, torna-se notícia o volume e valor dos levantamentos que foram realizados pelos portugueses nas máquinas ATM nas semanas próximas à quadra. Os anos sucedem-se mas a notícia permanece essencialmente na mesma, dando-se destaque aos montantes na ordem das centenas de milhões de euros que foram levantados e/ou transaccionados durante essas semanas por causa das compras de Natal. Com os montantes a aumentarem ano após ano, o fundo moral dessas notícias era sugerirem que os portugueses eram indiferentes às conjunturas, com os autores das notícias a esquecerem-se de mencionar que parte da explicação para esse aumento sucessivo se deveria à universalização do uso dos cartões multibanco…
Este ano a notícia difere ligeiramente: muito embora o montante continue semelhante ao dos anos anteriores (580 milhões de euros), houve um decréscimo de 18 milhões quando comparado com o período homólogo do ano anterior e, como isso não vem no press release da SIBS, ficou para além da capacidade do autor da notícia o cálculo percentual desse decréscimo (-3%). Esse deveria ser o cerne desta notícia, mas em sintonia com a crise ela perde interesse. Se os autores das notícias mostram frequentemente não dominar o assunto sobre o qual escrevem, por outro lado também nunca me canso de me surpreender com esta nossa habilidade simétrica de disfarçar essa mesma ignorância quando somos nós a receber a notícia – mostrando-se impressionados mas sem nada percebermos da sua essência.
Por exemplo, em nenhum lugar nos esclarecem qual o montante de dinheiro que é movimentado nas ATM numa semana normal para se poder ajuizar qual a ordem de grandeza relativa dos 580 milhões… Que este hábito de fazer de conta estar-nos-á enraizado, mostra-nos aquela famosa cena do exame de Vasco Santana em A Canção de Lisboa. Quando perguntado qual é o principal músculo latero-flexor do pescoço, o examinando respondeu de um só fôlego (acima, ao 1:25): é o esternocleidomastoideu! Da assistência ouve-se em uníssono um murmúrio de espanto mas os vários diálogos que se sucedem, culminando no telefonema de António Silva para Beatriz Costa, mostram que, por detrás da admiração, ninguém faz a mínima ideia do que se trata: - O mastoideu! (…) Mas o que será o mastoideu?...

Sem comentários:

Enviar um comentário