26 setembro 2011

A DISTÂNCIA ENTRE A RELEVÂNCIA JORNALÍSTICA E A RELEVÂNCIA HISTÓRICA DE UMA CRISE. O CASO DA CRISE DE ÇANAKKALE (1922).

Çanakkale é uma cidade turca no litoral asiático do Estreito dos Dardanelos. Em 1915, durante a Primeira Guerra Mundial, era ali que estava sedeado o Quartel-General do 15º Corpo do Exército turco, quando dos desembarques franco-britânicos que vieram a ser conhecidos pela campanha de Galípoli ou dos Dardanelos. Contudo, por causa daquela localização, os turcos deram à campanha um outro nome ainda, o de Çanakkale (acima). Seja qual for o nome que se queira dar à campanha, ela veio a saldar-se por um fiasco dos aliados e assim não valerá a pena explicar porque, sete anos passados e a Primeira Guerra terminada com a derrota turca, esses mesmos aliados houvessem escolhido Çanakkale para instalar simbolicamente uma guarnição das suas tropas de ocupação…
A Crise a que Çanakkale veio a associar o seu nome desencadeou-se depois da vitória turca na Guerra que este país vinha a travar com a Grécia no encadeamento da Primeira Guerra Mundial (1919-1922). Subitamente animados e robustecidos por essa vitória, os turcos cresceram para os dois ocupantes ocidentais pressionando-os para que retirassem os seus contingentes militares ali destacados. O Governo britânico, dirigido desde 1916 por David Lloyd George (acima) adoptou não apenas uma posição de resistência, mas subiu até a parada, ameaçando os turcos com uma declaração de Guerra em forma da parte do Reino Unido e dos seus Domínios. E… correu mal em vários aspectos. De imediato, porque a posição de força assumida veio pôr em causa a coesão do governo britânico.
A posição de força fora decidida sem a participação do responsável pelos Estrangeiros, Lorde Curzon (acima), que a criticou veemente porque, na sua opinião, ela não seria acompanhada pelos franceses deixando o Reino Unido isolado. Os factos vieram a dar-lhe razão: o Primeiro-Ministro Raymond Poincaré deu ordens para que o destacamento francês em Çanakkale fosse evacuado. Mas o isolamento dos britânicos revelou-se num outro aspecto mais inesperado: o Primeiro-Ministro canadiano Mackenzie King (abaixo) insistiu em tornar claro que o Canadá apenas endossaria aquele género de decisões por parte da Metrópole se elas viessem a ter a aprovação expressa do Parlamento canadiano, o que era algo que se afigurava muito improvável dadas as circunstâncias…
Todo o episódio veio a revelar-se uma humilhação profunda para o prestígio britânico. Lorde Curzon teve que negociar uma posição concertada com Poincaré (que acusava os britânicos de duplicidade) que não podia deixar de ser uma cedência aos turcos, ausente a vontade dos dois países em se engajarem numa nova guerra de média dimensão. E as manobras de Lloyd George a definir a política externa nas costas de Curzon foram a espoleta para um acerto de contas tanto político como sociológico entre os dois. Nem se passara um mês quando foi convocada para o Carlton Club (abaixo) uma reunião dos deputados conservadores que até aí apoiavam a coligação governamental. Dela saiu a decisão de retirar esse apoio. E no mês seguinte os conservadores ganhavam as eleições gerais.
Era o fim do ciclo de poder de Lloyd George, que chegara ao poder também através de uma intrigalhada política parecida em plena Primeira Guerra Mundial (1916). Fora (e continuará a ser até hoje) o único galês a alcançar o cargo de Primeiro-Ministro. Para além da política havia uma natural animosidade sociológica entre pessoas como ele e pessoas como Lorde Curzon, Marquês, Conde e antigo Vice-Rei da Índia (1899-1905). Não é preciso ser-se jornalista para nos apercebermos da qualidade do filão jornalístico que os vários aspectos da Crise de Çanakkale terão constituído, páginas de intriga política no seu melhor. Contudo, serve-nos de ensinamento que hoje ninguém se lembre dela, porque o jornalismo se dedica ao que as pessoas gostam de ler, não àquilo que é importante.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.