26 outubro 2010

A ENTREVISTA FATAL

Serão muitos os casos em que um político danifica irremediavelmente a sua carreira numa aparição televisiva. Contudo, quando acontece, é muito mais frequente que o episódio se registe num qualquer país desenvolvido e só muito raramente num dos países do Terceiro Mundo. Em 1963 então, creio que uma situação dessas entre estes segundos seria mesmo inédita. E, a acrescer a isso tudo, é ainda mais estranho quando a causadora dos estragos não se trata de um dos responsáveis políticos do regime mas apenas de um dos membros da sua entourage social: a primeira-dama. É completamente bizarro, mas o regime sul-vietnamita dos irmãos Ngô (1955-63, acima o Presidente Ngô Đình Diệm) era mesmo assim…
Um nacionalista conservador, oriundo de uma das famílias das elites vietnamitas, Ngô Đình Diệm havia-se tornado na aposta norte-americana para a construção de um regime adequado para o Vietname do Sul, depois da divisão do país resultante da assinatura dos Acordos de Genebra de 1954. Os Ngô funcionavam como um clã de irmãos. Ngô Đình Thục, um dos irmãos, era Arcebispo de Hué, porque os Ngô professavam o catolicismo num país que era maioritariamente budista. O cristianismo aparecera no Vietname no Século XVI, portanto muito antes do domínio colonial francês (Século XIX). Era uma religião minoritária mas sem o estigma da origem colonial e, sobretudo, era uma religião socialmente selectiva…
Era por ser um católico devoto que Ngô Đình Diệm nunca se casara e que as funções de primeira-dama do Palácio em Saigão foram entregues a uma cunhada, Trần Lệ Xuân, a esposa de Ngô Đình Nhu, o irmão encarregue de gerir a ala política e os pretorianos do regime. Como se percebe pelas fotografias do poste, a primeira-dama (que ganhou a designação – e incorrecta¹ – de Madame Nhu) era uma daquelas personalidades riquíssimas em termos mediáticos, com aquela capacidade de se tornarem notícia por causa nenhuma, como – para quem ainda se lembra – a colecção de milhares de sapatos de Imelda Marcos ou, actualmente, as aparições a pretexto de não-sei-bem-o-quê de Paris Hilton.
A partir de Maio de 1963, o regime dos Ngô entrou em choque (talvez com o incentivo dos próprios norte-americanos...) com a comunidade religiosa budista. A propósito desses confrontos, produziu-se uma das fotografias mais impressionantes da Guerra do Vietname com o monge Thích Quảng Đức a imolar-se (veja-se aqui). Foi a ocasião escolhida para a opinativa Madame Nhu enterrar definitivamente a imagem do regime do marido e cunhados junto da opinião pública norte-americana ao comparar o gesto a um churrasco (barbecue) ainda por cima feito com gasolina que tivera de ser importada! Quando o regime foi derrubado e os Ngô assassinados (em Novembro de 1963), a América já fora preparada...
Comprovando o ditado popular que diz que só quem não presta é que é feito para durar, hoje com 86 anos, Madame Nhu continua por aí…

¹ O nome de família do marido é Ngô, portanto correctamente deveria ser Madame Ngô.

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