31 maio 2010

QUEM É QUE SE QUERIA ENCONTRAR COM QUEM

No fim, as dúvidas sobre quem se queria encontrar com quem no encontro entre Chico Buarque e José Sócrates acabaram por ficar esclarecidas. À portuguesa. Ou seja, a culpa acaba solteira, que as responsabilidades, conforme se pode ler na explicação do jornal, vão recair nessa entidade abstracta e colectiva que se chama o gabinete do primeiro-ministro. É pena. Porque agora sou eu que gostaria de conhecer o assessor que congeminou aquela inacreditável história de Chico Buarque querer conhecer José Sócrates. Apenas para lhe dar um carolos na cabeça e sondar a dimensão do vazio interior…
Mas evidentemente que, depois do alvo potencial da notícia ter deixado de ser o próprio primeiro-ministro, o interesse dito jornalístico do episódio desapareceu por completo. Porque na vida do jornalismo político é um suicídio hostilizar quem lhes enche as manjedouras. E quem lhes enche as manjedouras são aquele conjunto de assessores que gravitam à volta dos políticos, designados colectivamente por gabinete. Que, não por acaso, são, numa maioria dos casos, eles próprios jornalistas. Amanhã muda o governo e os papéis trocam-se. É isso que torna improvável que se venha a saber o nome do rapaz da cabeça oca

30 maio 2010

DE ABRIL PARA MAIO EM PORTUGAL

Conheço múltiplas interpretações da famosa música Abril em Portugal – a versão que aqui inseri é do inesquecível Louis Armstrong. Mas a canção parece-me nitidamente datada. Para os dias que correm estaremos a precisar de uma outra, que se intitularia, de forma mais actualizada, Maio em Portugal. Maio tornou-se a época em que tradicionalmente os dois extremos do nosso espectro ideológico organizam as suas manifestações de massas: a da direita tradicional religiosa em Fátima, e sempre a 13 de Maio; a da esquerda radical religiosa em Lisboa, a começar no dia 1, mas com prolongamentos até ao fim do mês.
A primeira (acima), que este ano contou com a presença de Bento XVI, teve 500.000 pessoas, superando o anterior máximo de 400.000 de 2000 por ocasião da beatificação dos pastorinhos. A segunda (abaixo) superou as expectativas iniciais de 200.000 alcançando a cifra de 300.000 manifestantes, outro record batido. Mas estranho estas estimativas de participantes - dadas pelos organizadores - serem sempre tão redondinhas. Para mais quando, na única vez que vi estimativas deste género comparadas com contagens científicas da multidão, os 1.500.000 manifestantes anti-aborto de Madrid ficaram reduzidos a 55.361Adenda de 17 de Junho: A Lynce, a mesma organização que encolheu em 96% os presentes na manifestação madrilena referida acima, quando em comparação com os números dos organizadores, reduziu em 92% o número de presentes estimados pelos organizadores na missa que foi realizada em Fátima em 13 de Maio.

29 maio 2010

O QUEIJO QUE OS INTELECTUAIS COMUNISTAS TÊM COMIDO EM EXCESSO

Eu suponho que já tenha saído de moda a associação entre comer-se queijo em excesso e o esquecimento mas, a redacção do título acima, tal qual está redigida, é mais uma expressão das minhas preocupações para que mais uma vez, Não se Apague a Memória! Ainda a respeito da Jornada de Luta de 17 de Junho de 1953 (acima), aquela a que me referi no poste anterior, em que perderam os que era de esperar que perdessem, por muito que o regime jurasse governar em seu nome, um intelectual comunista, de seu nome Bertold Brecht (abaixo), escreveu o poema Die Lösung¹:
A Solução

Depois da Revolta de 17 de Junho
O Secretário da União de Escritores
Pôs panfletos a distribuir pela Avenida Estaline
Afirmando que o povo perdera a confiança do governo
E que só a poderia reconquistar
Através de esforços redobrados. Não teria sido mais simples,
Nesse caso, para o governo
Dissolver o povo
E eleger um novo?

Mais do que uma crítica ideológica², trata-se de uma crítica irónica à personalidade e à mediocridade dos aparelhistas que prosperam em todas as organizações, os partidos comunistas não são excepção. 55 anos depois, outra intelectual comunista chamada Odete Santos, citou a parte final, mas apenas a parte final daquele poema, com o trocadilho da dissolução do povo para estabelecer um paralelo com a governação de José Sócrates no seu discurso ao XVIII Congresso do PCP (acima). Esquecido³ entre os aplausos ficou o pormenor que o governo da ironia original era comunista…
¹Die Lösung (A Solução)
Nach dem Aufstand des 17. Juni
ließ der Sekretär des Schriftstellerverbandes
in der Stalinallee Flugblätter verteilen,
auf denen zu lesen war, daß das Volk
das Vertrauen der Regierung verscherzt habe
und es nur durch verdoppelte Arbeit
zurückerobern könne. Wäre es da
nicht einfacher, die Regierung
löste das Volk auf
und wählte ein anderes?
² Brecht, no jornal oficial do partido, o Neues Deutschland, mostrou-se publicamente favorável às medidas repressivas então aplicadas pelo governo leste-alemão.
³ Odete Santos, nesta entrevista, minimiza deliberadamente os acontecimentos que estiveram por detrás do poema: (Brecht) escreveu um poema muito interessante numa altura em que houve um desaguisado entre o povo e um comité local do PCP.

MAIS UMA JORNADA DE LUTA – MAS SEM A PARTICIPAÇÃO DOS BLINDADOS…


Dias como os de hoje são sempre anunciados de forma combativa – Jornadas de Luta! – e o resultado do combate é tradicionalmente previsível, com a vitória do proletariado – a burguesia é vencida por falta de comparência… Neste dia primaveril onde a esquerda radical se começa a congratular antecipadamente por mais uma demonstração do poder dos trabalhadores nas ruas, ocorreu-me voltar a não deixar que Apagassem a Memória! e a evocar outros dias primaveris do passado em que outros trabalhadores também vieram para as ruas lutar…

Diga-se, entretanto, que há uma certa injustiça em que, nestas invocações, se confronte apenas as incoerências dos comunistas, que os bloquistas da outra esquerda radical, com o rebranding por que passaram, parecem ter perdido o seu passado: Francisco Louçã não nos pode esclarecer sobre as conquistas do socialismo albanês; Miguel Portas dissociar-se-á talvez dos excessos da Revolução Cultural chinesa; já Fernando Rosas não nos pode esclarecer sobre algumas passagens mais controversas dos textos de Trotsky e Ana Drago é apenas tonta.

Já os comunistas e o seu partido têm um passado. Remendado, mas têm-no. E têm uma família constituída por partidos irmãos. A maioria dela está muito mal ou no cemitério, mas tiveram-na. E é engraçado recuperar o que é que os membros da família fizeram e o que é que o PCP pensava desses gestos quando confrontado com declarações actuais, como fez recentemente Tomás Vasques… Mas regressemos a essa Primavera em que outros trabalhadores vieram para as ruas protestar (acima) contra uma outra ofensiva contra os direitos dos trabalhadores

A data era 17 de Junho de 1953 e o local, a cidade de Berlim, já dividida administrativamente mas ainda não fisicamente. Mas os trabalhadores contestatários – Oh Surpresa! ­– eram os da metade oriental da cidade, precisamente aquela onde os seus mais legítimos representantes estariam no poder… O Conselho de Ministros do governo comunista da Alemanha Democrática aprovara um pacote de medidas que incluíam um aumento de preços, um aumento de impostos e um aumento nas quotas de produção das empresas públicas – quase todas…
Como se pode observar por este conjunto de fotografias, deu-se mais um daqueles momentos gloriosos do poder de persuasão da dialéctica marxista-leninista, em que o rugir do motor de um T-34/85 é imbatível a esclarecer as massas operárias… Foram mais do que retóricas jornadas de luta: morreram pessoas. Felizmente, e não graças aos vencedores desta jornada de luta, vivemos numa democracia verdadeira. A última vez que os blindados saíram à rua em Lisboa foram para derrubar um regime caduco, não para esclarecer a classe operária…
Convém não esquecer estas coisas...

28 maio 2010

ALGUNS QUADROS DE MONET

Claude Monet (1840-1926) terá pintado este quadro acima, onde se vê o Sol a nascer por entre o neblina matinal do porto do Havre na Primavera de 1872. O título que o autor lhe deu, Impression: Lever du Soleil (Impressão: Nascer do Sol) estava destinado a perdurar e a marcar um movimento artístico, que não só iria transbordar da pintura para outras formas de expressão artística como a música e a literatura, como se iria tornar dominante nas primeiras décadas da França da III República: o impressionismo.
O impressionismoexistia nos quadros anteriores de Claude Monet, como o de cima, datado de 1869 e intitulado La Grenouillère, uma piscina natural com um café adjacente nas margens do Rio Sena que o autor frequentava com Auguste Renoir (1841-1919) que é autor de um quadro muito semelhante. Porém, a palavra impressionismo terá nascido como uma espécie de sound bite depreciativo criado pela imaginação de um hoje anónimo crítico artístico numa exposição realizada em Paris em 1874. Os criticados acarinharam a palavra…
Confesso que tenho um enorme fraquinho pela obra de Claude Monet que parece produzir obras-primas a partir de temas que são um quase-nada: na sua série de quadros sobre a Gare de Saint Lazare que foram pintados em 1877 o elemento predominante e comum é um fumo que parece mais sufocante de contemplar do que de respirar, assim como a condensação de uma casa de banho em que o chuveiro já está ligado há tempo demais. Mas gostaria de chamar a vossa atenção para o quadro de Monet que mais me intriga…
Camille Monet (1847-1879) casou com Claude em 1870, e foi o modelo de alguns dos seus quadros. Contudo, em 1879, Camille havia contraído tuberculose e, apesar dos seus 32 anos, estava às portas da morte. Em Camille Monet sur son lit de mort (Camille Monet no seu leito de morte), um pintor visivelmente amargurado retrata a expressão da sua companheira de forma fluida, ocultando as expressões de dor, rodeada de uma aura branca, qual vestido de noiva, e preservando-a numa espécie de seda de aranha

27 maio 2010

UMA MODERNA HISTÓRIA DE PRINCESAS

O Príncipe André, segundo filho de Isabel II, e Sarah Ferguson casaram-se em mais um casamento do século em 1986. Associado à cerimónia, André e a esposa receberam da Rainha o título de Duques de York. À semelhança da cunhada Diana, a imprensa popular tablóide também adoptara a Duquesa dando-lhe a simpática alcunha de Fergie. Mas, depois de seis anos e duas filhas, o seu casamento atravessava aquilo que a imprensa britânica, ainda colaborante, costuma designar por dificuldades. Em Janeiro de 1992, o casal havia anunciado que se iria separar.
Foi em Agosto de 1992 que rebentou a bomba no Daily Mirror (acima). Não foi a primeira vez que um paparazzo viu a sua persistência recompensada, mas o conjunto de fotografias que o jornal publicou é considerado um dos mais conseguidos da história da actividade. A que se impôs naquele lote foi a de baixo, em que o companheiro de Sarah – um americano chamado John Bryan – lhe chuparia o dedão do pé enquanto o Sol da Riviera francesa fazia reluzir a sua careca e bronzeava um pouco mais as mamas da Duquesa que fazia topless à borda da piscina...
O ridículo da situação pesou de forma desfavorável junto da Casa Real de e na imagem pública de Sarah Ferguson e, depois de quatro anos de separação oficial, os Duques divorciaram-se em 1996. Mas eu não a teria escolhido para tema deste poste não se tivesse ela metido novamente em sarilhos com outro jornal tablóide, o News of the World (NoW, abaixo). Sinal dos tempos, já não se trata de fotografias, mas de um vídeo em que se pode ver a Duquesa numa entrevista, já um bocado entornada, a prometer, por meio milhão de libras, o acesso ao seu ex-marido.
O NoW é conhecido por esta prática jornalística de forçar a notícia: foi um jornalista seu que, disfarçado de empresário, abordou Sarah mostrando-se interessado em comprar a sua influência junto de André. É um processo de uma deontologia mais do que duvidosa e que nem sequer procura justiça. No caso, mais do que venal, Sarah mostra ser gananciosa e estúpida, ao nem se perguntar por que razão alguém se disporia a pagar-lhe tanto dinheiro pelo contacto com quem tem um cargo sobretudo protocolar e que, como a própria reconhece, nem sequer é corruptível…

26 maio 2010

AS FILAS DO CAPITALISMO E AS FILAS DO COMUNISMO

Ao longo da sua existência o capitalismo moderno alcançou a supremacia mundial sem nunca conseguir superar uma das piores consequências das suas crises cíclicas: o desemprego maciço.
Mesmo se se considerar apenas os últimos cem anos podemos afixar aqui no blogue fotografias de enormes filas de desempregados à procura de emprego com 80 anos, com 50 anos ou actuais.
O que o capitalismo se limitou a fazer foi a amenizar de alguma forma o impacto social desse desemprego através da criação de sistemas de segurança social, agora também em crise.
Mas quando se ouve o discurso moralista dos herdeiros do antigo sistema rival do capitalismo, onde não haveria desempregados, convém afixar outras fotografias históricas para comparação.
Porque, desaparecendo o problema das filas para arranjar empregos, criava-se o problema das filas onde se pudessem gastar os ordenados dos empregos que não havia problema em arranjar...
Actualmente, parecerá incrível, mas formavam-se filas de pessoas empregadas para comprarem um par de sapatos, algumas peças de carne e até por causa de uns rolos de papel higiénico…

25 maio 2010

UMA CULTURA INSTALADA: A NECESSIDADE DA APRESENTAÇÃO DA CARTA DE CONDUÇÃO…

Aconteceu-me ontem a infelicidade do meu carro estacionado ter sido abalroado por um outro que se destravara inopinadamente. Felizmente, no meio do azar, tocou-me a sorte de ter sido o último dos premiados, i.e., quando embateu na minha já a viatura culpada perdera a velocidade e os estragos foram irrelevantes. No meio de um acidente com alguns contornos peculiares (Identificação do condutor da viatura que provocou o acidente? - Ninguém...) o polícia júnior usava a cabeça e procurava simplificar os procedimentos administrativos, dispensando a apresentação e o preenchimento dos dados da carta de condução dos proprietários das viaturas abalroadas, já que elas estavam simplesmente estacionadas…

- Não, não. Pede-lhes também as cartas de condução. Nunca se sabe… - corrigiu o colega mais graduado.

É nestes momentos que se percebe o que custa a quem é jovem alterar uma cultura de mediocridade que já há muito está instalada…

QUANDO OS JOVENS RICOS SE ABORRECEM

O episódio terá servido posteriormente de inspiração a uma peça teatral chamada A Corda, que veio mais tarde a ser transposta para o cinema num filme com o mesmo nome realizado por Alfred Hitchcock em 1948. Mas aconteceu em 1924, quando dois filhos de famílias abastadas de Chicago de 19 e 18 anos, Nathan Leopold Jr. e Richard Loeb, decidiram assassinar um conhecido deles do mesmo meio social (Robert Franks com 14 anos) apenas pelo desafio intelectual que constituiria, segundo as suas alegações, a autoria de um crime que fosse perfeito…

Considerado como totalmente desprovidos de sentimentos, conforme uma famosa fotografia (acima) dos dois em pleno julgamento pretende realçar, ao mesmo tempo que excepcionalmente inteligentes, o que ajudará ao enredo mas é muito mais duvidoso, considerando todos os erros que cometeram e que fizeram com que viessem a ser descobertos, acabaram por ser condenados a prisão perpétua (pelo homicídio) e a mais 99 anos (pelo rapto de Franks). Loeb morreu na prisão em 1936 mas Leopold veio a ser libertado condicionalmente em 1958.
Praticamente 50 anos depois daqueles acontecimentos, a atenção mediática dos Estados Unidos foi atraída para o julgamento de uma outra jovem rica chamada Patricia Hearst. O episódio também contém um enredo elaborado: a jovem foi primeiro raptada por um grupo de guerrilha urbana da Califórnia de discurso marxista radical, nome exótico e imagem esotérica¹, o Exército Simbionês de Libertação, que se assemelhava muito a algumas organizações revolucionárias daquela época em que se elaboravam justificações políticas para a violência…

Mas a vítima acabou por vir a aderir e a integrar a organização que a raptara (fotografia acima), tendo participado mesmo em alguns assaltos a bancos... Capturada (ou libertada…) 19 meses depois do rapto, veio a ser julgada e por sua vez condenada a 35 anos de prisão, dos quais apenas cumpriu 22 meses… Na continuidade, cerca de 25 anos depois desses últimos acontecimentos houve ainda um outro jovem rico que se aborrecia e que, embora não sendo de origem norte-americana, conseguiu mais uma vez captar a atenção mediática dos Estados Unidos…
¹ O símbolo do grupo era uma cobra estilizada de sete cabeças conforme se vê na bandeira por detrás de Patty Hearst.

24 maio 2010

O DISCURSO DO PRESIDENTE DOS ESTADOS UNIDOS DA EUROPA

O discurso do presidente dos Estados Unidos da Europa do vídeo abaixo data já de 1972. Fiz dele um arremedo de tradução para aqueles menos familiarizados com o francês e agradecia que os mais familiarizados contribuíssem para a melhoria desse arremedo. Já falei aqui do seu autor, Herbert Pagani, um judeu de origem líbia que devia muito da sua formação cultural à impertinência italiana, como se percebe por esta visão mediterrânica particularmente irónica da unidade europeia. Que se torna muito oportuna nos dias que correm. Mas a maior ironia de todas será talvez o idioma em que é proferido o discurso e o destaque que o autor do vídeo pretendeu dar a Nicolas Sarkozy usando-o no lugar da figura simbólica do presidente... Os franceses a dirigirem a Europa?!… Was für ein Unsinn¹!

Bom dia caros telespectadores. É para mim um enorme prazer, uma emoção tremenda e uma grande honra anunciar-vos que iremos transmitir em directo do Grande Estádio de Megalópolis o discurso do Senhor Maxim van der Love, o nosso bem-amado presidente-director-geral dos Estados Unidos da Europa. E não se esqueçam que esta emissão vos é oferecida por…
Mega-Cola! Mega-Cola! Mega-Cola! Os jovens têm sede de presidência! O presidente tem sede de juventude! Por isso bebem: Mega-Cola! É bom, Mega-Cola! É bom, é borbulhante, como o nosso presidente: Mega-Cola!
Consumidoras! Consumidores!

Será que vos devo agradecer pelo vosso apoio caloroso e maciço? Um presidente que acabou de ser reeleito não agradece, ele justifica a vossa confiança pelos actos e um programa. Esta Europa cuja responsabilidade pesa sobre mim encontra-se num momento crucial. Há quem pretenda que as nossas estradas, as nossas telecomunicações, os nossos espaços de cultura acelerada, as nossas cúpulas de existência experimental estão em crise… Uma crise? Mas claro que sim! A mais sã que possamos imaginar: uma crise de crescimento. E qual é o pai que não se orgulha de ver os seus filhos crescer? Crescer e prosperar! O meu governo soube resolver a equação: a cada um o consumo que quiser segundo a produção que lhe compete.

Sim, meus caros concidadãos consumidores: o futuro sorri-vos tal qual eu sorrio para vós neste momento!
PDG! PDG! Viram os dentes do nosso presidente? São (…………………) E tudo porque ele usa PDG! PDG! A Pasta Dentífrica Governamental. Façam como o nosso presidente, usem também PDG, a Pasta Dentífrica Governamental. Dentes tão brancos são um escândalo! PDG!
Escândalo? Mas que escândalo? Falemos de escândalos. São (…...) desses promotores de desordens que pretendem colectivizar esses espaços livres em detrimento da iniciativa individual. Enfim, todos sabem que um espaço livre é livre e se ele é livre então está à venda! É necessário arrancar os espaços improdutivos a essa concepção retrógrada do estetismo ecológico duma colectividade marginal que nós (………) nas suas estruturas secretas. Nós iremos forçar esses grupos, sindicatos e partidos a respirar de acordo com as nossas normas políticas. E o nosso governo está em condições de vos prometer para amanhã uma redução na ordem dos 15% na taxa de consumo do ar potável!
Respirem em cores! Viram a máscara de gás do papá? A nova máscara a gás Colibri acabou de sair! Tão pequena! A (……….), a (………..), a flores. Respirem em cores! Todas as raparigas a experimentam. A venda em todos os Megalopoliprix. Com a máscara a gás Colibri serão um sucesso nos engarrafamentos…
A batalha da circulação será a nossa vitória. O Reno, o Danúbio, o Tibre, o Sena e o Tamisa, essas maravilhosas vias de circulação natural serão cobertas de betão… para vos permitir ir mais rapidamente e mais longe. Nós já tínhamos as auto-estradas, agora teremos os auto-rios! Quanto… obrigado, obrigado... quanto ao problema dos resíduos industriais poluentes de todos os tipos, também aí encontrámos uma solução rápida e eficaz: esses resíduos serão, a partir do próximo semestre, evacuados quotidianamente pelos nossos mísseis da nossa base europeia da Sicília para a Lua! Sim, a Lua! Esse caixote de lixo celeste que a Natureza nos colocou no nosso Espaço próximo e possível!
Vinte e quatro horas sobre vinte e quatro, a vida será mais segura, com Hercule o compressor, dos seus pequenos excrementos. Sim! Construa você mesmo o seu abrigo anti-atómico graças a Hercule o mini compressor. Hercule, o mini compressor de excrementos faz tijolos duros, duros, duros, duros, duros, duros, verdadeiramente duros.
Ganhámos a batalha do ar. Os nossos Bango 12, 35 e 60 conquistaram todos os mercados da aviação mundial. Ganhámos a batalha da paz. Exportamos para o mundo inteiro os nossos mísseis bacteriológicos, única fórmula de equilíbrio entre as grandes potências. Ganhámos a batalha do petróleo graças aos nossos poços submarinos do Pireu, de San Remo, de Rimini, de Saint Tropez e de (….) Os vossos automóveis nunca mais terão
sede! E ganhámos a batalha da energia. Megalópolis centralizou todo o parque das centrais termonucleares da Europa à volta de uma única e maravilhosa rede. É assim que a nossa bem-amada capital tomou a seu cargo a distribuição de energia a todos os lares e fábricas de todas as cidades dos nossos Estados Unidos.

Cada um destes feitos faz com que nos situemos nos primeiros lugares da produção mundial, logo imediatamente a seguir à China e muito à frente dos USA. As minorias barulhentas estão agora remetidas ao silêncio. É o crepúsculo dos grupúsculos.

Consumidores! Consumidoras!

Temos assim uma república pura, madura, dura e segura. Viva Megalópolis! Viva esta Europa da liberdade!

¹ Mas que disparate! (em alemão)

23 maio 2010

VIVA A FRELIMO! ABAIXO OS CORRUPTOS!

O vídeo já circula por aí há uns meses mas creio que vale a pena inseri-lo num poste, a esta arenga política tão tipicamente africana que inclui o bónus adicional de possuir um tradutor gestual para os surdos-mudos que estejam a assistir à cerimónia. Depois das gargalhadas, e para além das outras representações mais exuberantes (...), note-se, para reflexão, como alguns dos gestos que representam a Frelimo, nomeadamente o bater nos dois ombros, simbólico de galões e de autoridade, se empregam também para os corruptos…

AS CERIMÓNIAS DA DEPOSIÇÃO DE COROAS DE FLORES

Sempre considerei as cerimónias de deposições de coroas de flores uma fantochada. Em primeiro lugar, porque nunca são os depoentes que verdadeiramente depõem as enormes coroas de flores, mas sim um par de carregadores de serviço, e os depoentes limitam-se a fingir que ajeitam as fitas das coroas, que visivelmente nunca precisam de ajeitamento algum. Depois, porque o depoente se limita a ficar por ali por uns momentos afivelando um ar falsamente compungido: abaixo podemos ver Xanana Gusmão a preparar-se para desempenhar uma cena dessas quando de uma visita a oficial a Jacarta, no cemitério dos heróis nacionais indonésios, um panteão que o não deve deixar cheio de saudades
Além da hipocrisia, em décadas de cerimónias dessas, não me lembro de que tivesse acontecido algo de verdadeiramente interessante durante alguma delas, com a notável excepção abaixo, a 7 de Dezembro de 1970, quando o então chanceler da Alemanha Federal, Willy Brandt, se ajoelhou diante do Monumento erigido ao Levantamento do Gueto de Varsóvia durante a Segunda Guerra Mundial. Hoje promovida à categoria de fotografia histórica e simbólica da política de aproximação a Leste de Brandt baptizada de Ostpolitik, esquece-se que o gesto por muito que nos agrade lembrar tempos em que os chanceleres alemães eram humildes… – já então havia sido considerado como excessivo por 48% dos alemães ocidentais...
A humildade associada ao gesto de Willy Brandt foi verdadeiramente, e em mais do que um sentido, uma verdadeira excepção histórica, como temos andado gradualmente a perceber cada vez melhor… Por isso, vale a pena terminar o poste com uma abordagem ligeira e uma cena muito recente de mais uma dessas cerimónias. Esta teve lugar esta semana em Kiev, na Ucrânia, no quadro da reaproximação que o recém-eleito presidente Viktor Yanukovych está a fazer com o seu grande vizinho, a Rússia. Apesar do mau tempo que fazia, os dois presidentes (Dimitri Medvedev e Yanukovych) foram depor duas grandes coroas de flores no túmulo do soldado desconhecido… Mas o resto é melhor ver no vídeo abaixo:

22 maio 2010

WOLOF, O DIALECTO DO PROFESSOR

O episódio já tem mais 10 anos mas é intemporal, o de uma mãe, chiquérrima do estilo esquerda caviar e atenta à correcção política do multiculturalismo conveniente, que observava que a filha, que frequentava um colégio infantil de algum nome tinha um professor africano e que ele até falava o dialecto dele com os miúdos nas aulas. Se a ideia tivesse sido a de dar uma imagem de tolerância multicultural ela ruiu naquele instante ao desqualificar a língua materna do professor (um senegalês) ao estatuto de dialecto; fosse o professor da Noruega ou do Japão e nunca aquela mãe atenta teria tropeçado naquele seu lapso linguístico - que não dialéctico

Sendo senegalês, então muito provavelmente a língua que conferiria aquele carácter práfrentex às suas aulas tornando os seus jovens alunos muito mais cosmopolitas desde tenra idade seria o wolof, que é a língua materna de cerca de 40% da população senegalesa e que depois da independência (1960) se tornou a lingua franca coloquial naquele país – a lingua franca escrita continuou a ser o francês. Em Seven Seconds (vídeoclip acima), um estrondoso êxito musical de 1994, as primeiras estrofes que o cantor (Youssou N´Dour – que também é senegalês) canta são precisamente em wolof. À mãe em questão, embora atenta, deve-lhe ter escapado a música...

21 maio 2010

A VIDA DOS OUTROS

A Vida dos Outros (Das Leben der Anderen) é um filme alemão de 2006 cuja acção decorre na Alemanha Democrática da década de 1980. A história gira à volta de um operacional da Stasi, que é encarregado de vigiar um casal culturalmente proeminente, composto por um escritor e uma actriz. E a vigilância, naquela sociedade socialista, era uma actividade revolucionária que se levava muito a sério, tudo em prol da defesa da causa do socialismo – ou talvez se trate de mais um daqueles pequenos desvios do marxismo-leninismo sobre os quais a Rita Rato ainda não teve oportunidade de se informar devidamente durante o seu curso de Ciência Política e Relações Internacionais… Mas a história que eu quero contar é outra…
Ao contrário da de Rita Rato, trata-se de uma história com alguém que aparece sempre como pessoa muito bem informada e que se reclama ter estado – pelo menos a partir de certa altura da sua viagem ideológica… – do outro lado do Muro de Berlim. E que se sabe condenar de forma enérgica o ambiente de vigilância e denúncia que se viveu em sociedades como a da Alemanha oriental. Pelo menos na teoria. Porém, na prática, José Pacheco Pereira parece considerar que escutas, que foram autorizadas judicialmente para um certo fim, podem legitimar-se à posteriori para um outro fim… Era assim que a Stasi justificava as suas escutas preventivas e eu não tenho Pacheco Pereira na mesma fraca conta que Rita Rato…
Uma observação final para pedir desculpa pela crueza da fotomontagem acima, já que me falta a habilidade de outros.

20 maio 2010

A HISTÓRIA DE QUEM, DANDO O ESTOIRO NOS MERCADOS, PARECE VENCER EM ALGUMAS NOTÍCIAS


Num dos episódios mais caricatos das finanças portuguesas dos últimos anos, precisamente antes de atirar o banco que dirigia (BPP) para a falência, a figura de João Rendeiro tornou-se conhecida do grande público por aparecer na capa de um livro (provavelmente encomendado por si) onde se apresentava como alguém que venceu nos mercados. Felizmente o ridículo não mata…

Relacionado de algum modo com esse disparate, pergunto-me que passará pela cabeça de um editor de um jornal como o Público e que critérios jornalísticos poderá ele invocar quando, numa coluna da página 7 da edição de hoje (reproduzida à esquerda, pode-se ampliar), em que se apresentam as reacções dos partidos da oposição parlamentar à entrevista dada por José Sócrates à RTP anteontem, se escolhe dar-lhe o título e começar a notícia pela importantíssima opinião de João Rendeiro, em detrimento das de Miguel Relvas do PSD, Paulo Portas do CDS-PP, Dias Coelho do PCP e José Manuel Pureza do BE.

No fim, lê-se que a notícia é da co-autoria da Lusa, e é para esta dupla imbatível formada pelo jornal e pela agência noticiosa que eu, se bem percebi o critério de interesse jornalístico que levou àquela hierarquização das opiniões sobre a entrevista do primeiro-ministro, lanço este meu desafio: que tal, numa próxima ocasião, começar por pedir e dar destaque à opinião de João Vale e Azevedo?... Não se lhe reconhece a ele também um perfil «vencedor»?

TERIA O PROZAC REDUZIDO O TERRORISMO URBANO NA EUROPA DA DÉCADA DE 70?

São estas pequenas descobertas que, numa atitude de fazer lembrar um coleccionador de antiguidades, transformam a blogosfera num território ainda e sempre interessante. Vale a pena ver-se de antemão o filme acima mais a sua tradução, que levanta a hipótese de que Irene Pimentel, a autora do parágrafo acima citado, talvez se tenha contido em excesso no seu diagnóstico. Não é descabido levantar a dúvida se o evidente desequilíbrio ali manifestado por Ulrike Meinhof será momentâneo ou será mesmo estrutural…

É curioso como, entre o que eu já sabia sobre as actividades da autodesignada Rote Armee Fraktion (a designação «Baader-Meinhof» terá tido origem jornalística e é, aliás, enganadora: o núcleo central dirigente do grupo original era constituído pelo casal Andreas Baader/Gudrun Ensslin), e que até incluía o pormenor acessório das suas preferências musicais rituais quando da preparação de mais uma das suas operações (A Whiter Shade of Pale dos Procol Harum), mas nunca tivesse tido ocasião de ver as devastadoras imagens acima…
É que, comparados com o discurso que acima ouvimos a Ulrike Meinhof, os de Renato Curcio em Itália ou de Isabel do Carmo entre nós até podem passar por modelos de consistência, muito embora o proletariado, o eterno pretexto para a acção violenta de todos eles, nunca mostrasse ter acompanhado tanta visão política… Como também não se dá muita relevância ao facto de Jean-Paul Sartre ter ido visitar Andreas Baader à prisão de onde saiu criticando o sistema penal alemão, mas com a opinião que o prisioneiro era um enorme cretino: Quel Con!

Parece que Meinhof viveu aquela época em que era politicamente incorrecto, em que seria até ofensivo, associar a opção pelo terrorismo urbano a desequilíbrios psiquiátricos. Num tempo em que quem se revoltava inventava slogans tão imaginativos como É proibido proibir, parece, visto a esta distância, que essa intenção de liberdade total também guardava os seus tabus, como o de evitar colocar a hipótese que, entre aqueles que então se revoltavam ultrapassando as fronteiras da violência, pudesse haver desequilibrados psiquiátricos…
A canção dos Boomtown Rats foi inspirada em Brenda Ann Spencer que, em 1979, decidiu começar a disparar sobre o pátio de recreio de uma escola primária, matando duas pessoas e ferindo outras nove. Quando capturada e questionada sobre as razões para o seu acto, em vez de afirmar que escolhera aquele gesto para expor a opressão do sistema educativo que formatava o futuro proletariado desde a infância, ou denunciar a organização preversa da semana pelo capitalismo, apenas disse que não gostava das Segundas-Feiras...

19 maio 2010

A CAMPÂNULA INVISIVEL

Fernando Pessoa escreveu que todas as cartas de amor são ridículas; que não seriam cartas de amor se não fossem ridículas. Eu acrescentaria que muitas músicas românticas são pirosas e que não seriam românticas se não fossem pirosas. O que se poderia evitar é que os seus videoclips não as tornassem ridículos como as cartas de amor. Os dois exemplos que aqui mostro (acima, os 10CC I’m Not In Love, abaixo Joe Dassin L’Été Indien) vivem de arranjos de estúdio, e não faz qualquer sentido que os seus intérpretes apareçam a cantá-las ao ar livre com uma sonoridade que só seria possível se estivessem rodeados daquelas campânulas de vidro, mas invisível…

18 maio 2010

– É TRETA, PÁ!

Não foi certamente por causa do meu poste de ontem que José Sócrates se sentiu na obrigação de provocar uma notícia em que nega ter complexos de inferioridade perante os alemães. Foi um bom esforço, mas:

a) Em política, o que parece é.
b)
Nas relações europeias, manda quem pode, obedece quem deve.
c)
No mundo académico, ninguém conclui licenciaturas ao Domingo.

Da mesma forma com que terminei aquele poste, deixem-me que vos diga com toda a sinceridade que a tentativa de desmentido de José Sócrates só terá qualquer valor se ele apresentar o tal brinquinho do ministro das finanças sueco, de preferência com um bocadinho de orelha agarrada…

SÓ AS MÁS NOTÍCIAS É QUE SÃO BOAS NOTÍCIAS?

Uma das raras unanimidades entre a comunidade dos economistas é a constatação que, com a adesão ao Euro, se perdeu a capacidade de intervir na fixação do câmbio da nossa moeda, que foi um dos instrumentos de política cambial tantas vezes utilizados no passado para reagir a situações críticas como a actual. Quanto então se desvalorizava o escudo de forma súbita e administrativa, pretendia-se aumentar a competitividade dos nossos sectores exportadores e de serviços (como o turismo) embora as importações se tornassem mais caras e tendessem a diminuir – no conjunto, tratava-se de um tratamento de choque destinado a forçar o equilíbrio das nossas contas externas. Ora foi esse tratamento que deixou saudades nalguns sectores de economistas, mas que agora deixou de ser possível.
Porém, se a crise financeira que está a envolver o Euro é uma ameaça séria, uma das consequências associadas a ela tem sido a desvalorização da moeda continental que também é a nossa, o que vem precisamente em consonância com a tal desvalorização (à Medina Carreira) que se havia tornado impossível… Pelo contrário, a China, o maior país exportador mundial, já manifestou a sua preocupação com os impactos que esta desvalorização do Euro poderá vir a ter na sua economia… Mas o que me intriga em tudo isto não são os aspectos económicos e financeiros da questão, mas os seus aspectos noticiosos: porque é que aquela informação tem que ser noticiada em Portugal numa perspectiva que não é a nossa e/ou realçando apenas os seus aspectos negativos?...

17 maio 2010

LYNDON JOHNSON E A ANEDOTA

A fotografia acima é um instantâneo em que o presidente Lyndon Johnson (à direita, 1908-1973) se inclina de uma forma excessiva sobre o seu amigo pessoal (e juiz do Supremo Tribunal) Abe Fortas (1910-1982), tentando-o contagiar com a sua sonora gargalhada, a que este procura corresponder, numa atitude que não poderemos apostar ser totalmente sincera… Ocorreu-me publicar esta fotografa no seguimento do meu poste anterior e da profecia do Tratado de que se ouviria falar daqui por 30 anos, (o de Lisboa de acordo com a visão atribuída a José Sócrates), porque a considero uma excelente metáfora sobre a embriaguez e o autismo que o poder pode provocar em quem o detém.

AGORA, MAIS DO QUE PORREIRO, É DO CARAÇAS, PÁ!!!

Consta que terá havido uma fase em que, quando alguém procurava alertar José Sócrates para as consequências dos excessos do seu euroentusiasmo, ele replicava profetizando que dali por 30 anos ainda se ouviria falar do Tratado de LisboaPorreiro, pá! Agora, por estes dias em que o vemos a apreciar o porreirismo em toda a sua plenitude, sujeitando-se aos ditames do exterior, manda a magnanimidade recordar que Sócrates (assim como Zapatero) foram apenas os elos finais de uma cadeia de decisores que nos conduziram até à situação actual, em que, depois de outras, também a condução da nossa política orçamental se parece decidir totalmente em Bruxelas, o resultado final de um daqueles verdadeiros (mas não proclamados) Pactos de Regime – provera que isto fique de emenda para quem os defende, aos tais Pactos de Regime
Humilhação adicional para os dois países ibéricos (esquecendo já a Grécia...), e ao contrário da terminologia que se usava há uns anos atrás, o que se está a passar já nem sequer é uma questão de federalismo europeu, porque numa federação a sério (como será o caso dos Estados Unidos), o governador de qualquer outro estado da União nunca ousaria intrometer-se nas competências do seu homólogo da Califórnia (acima) sobre a forma dele evitar a sua bancarrota eminente. Porém, o que temos estado a assistir é pior: há uma relação de sobranceria de alguns parceiros setentrionais acompanhados de uma subalternidade consentida de Portugal e a Espanha… Não fosse isso, e desde quando é que o Ministro das Finanças sueco (quem?) se permite o descaramento de se pôr a dar indicações sobre orçamentos alheios? – É do Caraças, Pá!
PS - Agora é que eu gostava de ver o animal feroz que também consta haver em Sócrates e vê-lo exibir como troféu o brinquinho do ministro sueco (acima), de preferência com um bocadinho de orelha agarrada...

16 maio 2010

ANNA JULIA E OS JORNALISTAS

Anna Júlia foi a composição que catapultou para a fama o conjunto brasileiro Los Hermanos. Percebe-se que, apesar do sucesso, a canção não é uma daquelas baladas simples destinadas a apanhar imediatamente o ouvido, o videoclip (abaixo) é eficaz e a Anna Júlia (a actriz Mariana Ximenes) tem mesmo cara de Anna Júlia. A banda desmembrou-se em 2007, embora eles a tivessem anunciado como um recesso por tempo indeterminado dos trabalhos

Um outro aspecto, menos musical, que os caracterizou e mos tornou simpáticos tem sido o de se mostrarem pouco complacentes com a incompetência de alguns jornalistas que os entrevistaram – especialmente os vocalistas Rodrigo Amarante e Marcelo Camelo, cujo apelido, aliás, já foi confundido numa entrevista com Campelo, trocadilho que se veio a tornar posteriormente numa espécie de sinónimo de entrevista tonta. Eles também sabem dar entrevistas normais

A VITÓRIA DA LINHA NEGRA SOBRE A LINHA VERMELHA

Há 110 anos, Rafael Bordalo Pinheiro dedicou duas páginas no seu jornal humorístico A Paródia a desenhos alusivos às cerimónias do funeral de Eça de Queirós (acima), aproveitando a ocasião para mostrar como se podia ser irónico sobre a sociedade da época sem desrespeitar a memória do escritor então falecido. É esse o espírito que vou tentar manter neste poste a respeito do recém-falecido Saldanha Sanches e dos tempos gloriosos do PREC.
O que eu me recordo é que, logo depois do 25 de Abril, Saldanha Sanches se tornou conhecido, não propriamente como um rosto¹, mas como um nome repetidamente pintado por quase todas as paredes aproveitáveis de Lisboa, que denunciavam a prisão do director do Luta Popular (acima). Parecia coisa grave, mas os apelos para que todos promovêssemos a sua libertação imediata eram pincelados com uma redacção irritantemente imperativa...
Com a minha cultura política actual, percebo agora que essa ausência da imagem do injustiçado director preso não era casual. Estava-se em tempos onde os dirigentes eram grandes, mas as tolerâncias à discordância eram mínimas, onde, como os acontecimentos de Oriente tinham mostrado, a organização onde Sanches militava apenas deveria dever obediência a um Grande Dirigente e Educador do Proletariado Português como o do cartaz acima: Arnaldo Matos.
Depois de se promover dentro do MRPP uma espécie de mini-revolução cultural muito à nossa maneira, a Linha Vermelha do Grande Matos tinha de triunfar sobre a Linha Negra do Renegado Sanches (acima). Mas, perante esta reacção de simpatia que a morte de Saldanha Sanches tem gerado, apesar do tempo, não pude deixar de sorrir à ideia de que esta onda de simpatia se trate de uma desforra tardia da sua Linha Negra sobre a Linha Vermelha

¹ Ao contrário do que pretende Fernando Rosas, sucessor de Saldanha Sanches como director do Luta Popular. Além do de Arnaldo Matos, o único rosto promovido pelo MRPP era o do mártir Ribeiro Santos.