31 março 2010

AS TELE-RECEITAS DO CHEFE CRAVINHO

O Chefe Silva foi um fenómeno de notoriedade aparecido na televisão vai para mais de 30 anos. Quase sempre fardado a rigor e de chapéu de cozinheiro à cabeça a sua actividade desdobrava-se não apenas por programas televisivos de culinária como também por revistas, apropriadamente baptizadas de TeleCulinária (abaixo). A sua actividade no final da década de 70 tornou-se frenética, chegando a saturar: lembro-me de o ter visto como jurado num dos concursos da RTP (como então era moda…) , em que parecia que se obrigava a usar metáforas de cariz culinário em todas as intervenções que fazia, o que era uma seca...
A corrupção devia ser um assunto bastante mais sério que a culinária mas o tratamento que tem sido dado a João Cravinho como uma espécie de Senhor (anti)Corrupção faz-me lembrar precisamente o que outrora se deu ao Chefe Silva como Senhor Culinária. O homem aparece e a média só lhe pede que ele fale de corrupção. Ainda não arranjou indumentária própria nem apareceram revistas nas bancas, mas a verdade é que João Cravinho já dá receitas, como a que cá veio dar aos deputados: despartidarizar a administração pública e escolher dirigentes públicos pelo mérito e competência. Olha a novidade...
Já aqui escrevi, repeti e torno agora a repetir que João Cravinho tem ainda menos moral para falar de corrupção do que qualquer cidadão comum visto que, quando teve de a defrontar em concreto e teve o poder de a combater na Junta Autónoma das Estradas que tutelava enquanto ministro…, acabou por não fazer nada. Isso aconteceu em Junho de 1998, quando o organismo era dirigido pelo General Garcia dos Santos que, desde então, recorda esse episódio cada vez que profere afirmações públicas, acusações a que, o sobre outros temas tão prolixo, João Cravinho tem tido sempre o cuidado de evitar responder…
Nunca provei qualquer prato que tivesse sido confeccionado pelo Chefe Silva para poder concluir se ele, mais do que tele-cozinheiro, era mesmo um daqueles cozinheiros de mão cheia… No entanto, creio que o assunto da corrupção tem demasiada importância para que seja sério entregar o papel de tele-combatente a João Cravinho. A corrupção existe e pode ser combatida quotidiana e socialmente com os variados instrumentos legais que existem. Trazer o artista lá do estrangeiro para cá vir mandar mais umas bocas mais me desperta as suspeitas que a aposta do combate é para a fotografia, não para a eficácia

Duas notas finais para as fotografias da capa da Tele-Culinária (retirada daqui) e deste apetitoso bolo (neste blogue vem a receita).

30 março 2010

A DESCOLONIZAÇÃO DO CONGO BELGA

A mensagem ideológica da colonização belga dificilmente se podia distinguir mais da portuguesa. Enquanto os portugueses sempre enfatizaram o seu papel de pioneiros dos descobrimentos e os séculos e séculos de presença portuguesa noutros continentes, os belgas assumiam o seu papel de recém-chegados a África e, além disso, a sua condição de colonizadores quase acidentais. Não fosse o fraquinho do seu monarca Leopoldo II (abaixo, 1835-1909) pelas actividades coloniais e podia muito bem ter acontecido que os belgas nunca se tivessem visto metidos em tais empreendimentos.
O Congo Belga começou por ser um Estado Livre (1885-1908), administrado por uma sociedade denominada Associação Internacional do Congo, que tinha Leopoldo II por accionista principal. No quadro do Direito Internacional, a existência de uma colónia que era detida por uma entidade de sujeito privado era, no mínimo, bizarra… Tendo formalmente subsistido durante 23 anos mas sujeito a uma tremenda pressão britânica, em 1908, Leopoldo II transferiu os seus direitos para o seu país. Os belgas incorporaram bem essa transferência, como se pode deduzir pela leitura de Tintin no Congo (1931).
A Bélgica constituía assim, conjuntamente com Portugal, uma das duas potências coloniais africanas mais pequenas. Orgulhava-se da sua acção colonial, mas não usava essa sua presença como afirmação perante o exterior: não havia nenhum Império Colonial Belga, como o português ou o italiano, por exemplo. Mas essa gestão desapaixonada do destino alheio não era desprovida de complexos de superioridade que se mostraram evidentes quando, depois da Segunda Guerra Mundial, os ventos de mudança no continente começaram a apontar para as independências das colónias.
Em 1958, o governo belga criou um grupo de trabalho para o estudo da evolução do problema político congolês. Era muito mais do que em Portugal se sonharia fazer por essa mesma altura… mas o grupo de trabalho belga possuía o notável defeito de não incluir um único africano. Como acontecera em todo o resto de África, os belgas nunca se haviam preocupado com a formação de quadros superiores africanos. Porém, ali como em outros lados, isso nunca impediu que os africanos mais qualificados fundassem organizações políticas adaptadas à realidade local – acima, Patrice Lumumba.
Adaptação à realidade local é, em África, um sinónimo de organizações de base étnica. Apareceram dezenas no Congo, especialmente depois da promessa governamental de uma auto-determinação futura, a que o Rei Balduíno juntou uma mensagem pessoal em que afirmava a sua firme resolução de conduzir os congoleses à independência na paz e na prosperidade, sem demoras funestas, mas sem precipitações irreflectidas. Estava-se em Janeiro de 1959. E as futuras relações políticas entre as várias comunidades do Congo bem se podiam inspirar nas da metrópole belga.
Precisamente um ano depois disso havia-se esgotado toda a boa vontade negocial dos intervenientes. Numa conferência em Bruxelas, contando agora com a participação de quase uma dúzia de partidos congoleses, marcou-se a independência do Congo para Junho daquele mesmo ano (1960), depois da eleição de um parlamento em Maio. Nelas, ganhou o MNC de Patrice Lumumba, mas apenas com cerca de ¼ dos deputados. A 7 de Junho Lumumba foi encarregado pela câmara de formar o primeiro ministério congolês e a 24 de Junho Joseph Kasavubu foi eleito Presidente da República.
Foi Kasavubu o encarregado de servir de anfitrião a Balduíno, Rei dos Belgas (acima), na última cerimónia do processo de descolonização, a da proclamação solene da independência a 30 de Junho de 1960. Se em Angola em 1975, connosco, não houve qualquer cerimónia, no Congo em 1960 com os belgas houve mas teria sido melhor não ter havido... O discurso solene do tímido Balduíno (abaixo) enaltecia a obra do seu antecessor: A independência do Congo é a coroação do trabalho concebido pelo génio e pela coragem firme do Rei Leopoldo II e continuado pela Bélgica com perseverança
Em retaliação, Joseph Kasavubu decidiu riscar do seu discurso alguns parágrafos mais simpáticos para os colonizadores, mas foram trechos do discurso de resposta de Patrice Lumumba que ficaram registados para a posterioridade: Vimos as nossas terras ser tomadas em nome de alegadas Leis que na prática não passavam do estabelecimento da Lei do mais forte. Vimos que a Lei não era a mesma para um branco e para um negro, acomodatícia para o primeiro, cruel e desumana para o outro. Até hoje, formou-se uma solidariedade crítica entre europeus, pela insolência do discurso
É por isso que não há fotografia que melhor represente a descolonização belga, quiçá mesmo a europeia, que este instantâneo acima, obtido naquele dia, onde um espontâneo congolês, mesmo de fato e gravata (como os brancos), ignora as conveniências e o decoro e salta para a estrada para roubar a espada de Balduíno I que este deixara no banco traseiro do automóvel que o levava, mostrando-se simultaneamente consciente das oportunidades que aquela nova liberdade lhe podia oferecer, mas inconsciente das possibilidades de sucesso que um roubo com aquela exposição pudesse ter…
Pode até ser uma síntese da História do Congo dos últimos cinquenta anos...

29 março 2010

O MACARTISMO EM IMAGENS

O que torna mais repugnante a actuação do Senador republicano Joseph McCarthy (1908-1957) durante aquilo que veio depois a ser classificado como o período do Macartismo, no princípio da década de 1950, não foram as suas acusações, normalmente mais encenadas que substanciadas, foram antes os métodos inqualificáveis a que McCarthy recorreu para conspurcar quem se atravessasse no seu caminho...
Ao contrário do que possa parecer, os expedientes de McCarthy vitimaram muitos mais que não apenas comunistas ou simpatizantes marxistas. Incluiu outros senadores como foi o caso de Millard Tydings (1890-1961), um Senador democrata eleito pelo Maryland e que presidiu a um subcomité, durante o primeiro semestre de 1950, que foi desmontando uma após outra as acusações excessivas de McCarthy …
A retaliação produzida pela quadrilha de assessores de Joseph McCarthy foi uma fotografia de Millard Tyddings mandada para a imprensa onde ele aparecia (acima, à direita) no que parecia ser uma conversa com Earl Browder (1891-1973), que fora até ao final da Segunda Guerra Mundial (entre 1934 e 1945) o Secretário-Geral do Partido Comunista dos Estados Unidos da América. Só em nota de rodapé é que se esclarecia que se tratava de uma fotomontagem
Para cúmulo do descaramento, a imagem de Browder – naquela época ele já era um comunista dissidente, fora expulso do partido em 1946 – que foi usada na montagem fora recuperada de uma fotografia sua de Abril de 1950, quando da sua comparência perante aquele mesmo subcomité presidido por Tyddings (acima) e de que McCarthy fazia parte, só que recorrendo ao truque de inverter a imagem (abaixo)...

Quanto a Tyddings, a atenção que parecia estar a dar ao que Browder diria afinal fora dada, mas muitos anos antes e a um programa de rádio… Estas escroquerias são inqualificáveis, mas o facto de Tyddings ter perdido a reeleição para o seu lugar de Senador nesse Outono de 1950 (um cargo que ocupara por 24 anos...) também nos indica que o Macartismo foi muito mais do que as pulhices de Joseph McCarthy…

28 março 2010

SOLUÇÕES MUITO SIMPLES EM ENTREVISTAS MUITO SIMPLES FEITAS POR JORNALISTAS MUITO SIMPLES

(…) Bastava reavaliar ou renegociar os contratos militares cujas contrapartidas não foram pagas a Portugal. Quem fez negócios connosco está em falta.
- Podia rasgar-se esse contrato?
- Não, tem de se renegociar, foi o que eu utilizei. Nós compramos equipamento militar em três mil milhões de euros e havia contrapartidas de três mil milhões de euros. Neste momento…
- O próprio ministro já disse isso.
- Porque reconheceu a nossa razão a esse respeito! Agora, se os vendedores não executaram a sua parte do contrato, temos de lhe bater à porta e dizer: “Meus amigos, nós comprámos a um preço mais alto que o preço verdadeiro porque nos garantiram contrapartidas.” Devem-nos 2300 milhões de euros! Mais do que 1% do produto…
- E, já agora, como é que chegava a essa poupança dos três mil milhões?
- Mil milhões nos off-shores, renegociar os contratos militares, vender os submarinos – são mil milhões de euros – renegociar as parcerias público-privadas, porque elas implicam 45 mil milhões de euros durante os próximos 30 anos
. (…)
Este é um dos trechos mais importantes da entrevista dada hoje por Francisco Louçã ao Diário de Notícias e à TSF que mobilizaram para a mesma os seus dois directores. O que está em causa neste trecho que transcrevi é, nas próprias palavras de Louçã, saber se há ou não outra forma de consolidação orçamental. E ele diz que sim: uma parte dessa consolidação é a que podemos ler aqui em cima. Que, por acaso, serão soluções que não terão bem a ver com consolidação orçamental, visto abordarem situações circunstanciais e não serem medidas que alterem a estrutura das receitas e despesas do estado. Mas não se trata só disso...

É que da renegociação dos contratos militares com os fornecedores em falta e antes de se lhe exigir a conversão do que está em falta em descontos no preço final, como Louça propõe, há que se exigir em primeiro lugar o cumprimento do contrato em vigor, nomeadamente as cláusulas das contrapartidas. Ora, se os fornecedores preferirem cumprir o que se encontra em falta nos contratos, o cumprimento dessas contrapartidas não terá qualquer impacto directo nas contas públicas ao contrário do que Louçã sugere…

E depois há a questão do preço dos submarinos encomendados por Paulo Portas, que é muito inferior aos mil milhões referidos por Louçã, porque esse valor resulta não só do preço dos próprios submarinos (770 milhões) como da forma como são financiados. Anunciar assim que se vendem parece ser uma ideia expedita mas poderá Louçã adiantar-nos que preço de venda tem em vista e em que países compradores estará ele a pensar¹?...

O que é mais engraçado é que estas aleivosias foram proferidas perante dois jornalistas (João Marcelino e Paulo Baldaia) que são ambos considerados geralmente como pró-governamentais. Mas, pelos vistos, ambos parecem aceitar como válidas para uma consolidação orçamental alternativa algumas inanidades que um estudante de economia atento não deveria ter deixado escapar… Não será que antes da questão do alinhamento político dos dois se deva colocar a da sua competência profissional?

¹ Contando com a notícia que os gregos também estão vendedores de submarinos recém-adquiridos da mesma classe U-214 dos nossos - notícia que Louçã, Marcelino e Baldaia talvez desconhecessem de todo... - percebe-se que a realização de um bom negócio nessas circunstâncias é muito improvável...

CONSTANTES DA POLÍTICA EXTERNA DA ALEMANHA

Der ganze Balkan ist nicht die gesunden Knochen eines einzigen pommerschen Grenadiers wert.

Esta frase terá sido proferida há mais de 100 anos pelo chanceler Otto von Bismarck, o senhor que aparece acima da frase. Com as reservas que uma tradução destas sempre coloca, a frase poder-se-á ler: Nem mesmo todo o conjunto dos Balcãs chegará a valer os ossos (o sacrifício) de um só granadeiro da Pomerânia. A Pomerânia era uma província da Prússia, que hoje está quase toda incorporada na Polónia, e confesso que desconheço as razões que levaram o chanceler de ferro a seleccioná-la como local de origem para o soldado que não valia a pena sacrificar por causa dos Balcãs.
Mas é uma frase que nos ajuda a perceber as causas desta atitude recente de Fräulein Merkel a propósito da crise financeira grega... Tome-se em conta que a Grécia é apenas a extremidade meridional de toda a península balcânica…

27 março 2010

ODE A UM FOLHADO DE SALSICHA


Nem sequer se trata de uma das crónicas mais felizes do José Esteves, mas a eficácia dos efeitos sonoros acrescentados à degustação de um vulgaríssimo folhado de salsicha neste episódio de O Tal Canal, e o impacto que esses efeitos poderão ter na nossa gula, deixam-me com a ideia que, assim como nas comédias se acrescentam as gargalhadas em off para nos incitar a rir, naqueles programas televisivos de cozinha também se deveria experimentar adicionar o som do trincar e do mastigar do cozinhado, para realçar a qualidade da confecção e excitar as glândulas salivares da audiência…

OS INSUBSTITUÍVEIS

A edição de A Trick of the Tail pelos Genesis em 1976 foi um momento importante para me fazer descobrir que aquilo que era dado como indispensável (Peter Gabriel – o antigo vocalista e o elemento mais proeminente do conjunto até então) podia não o ser e que a solução (Phil Collins – baterista que agora aparecia como novo vocalista da banda) podia revelar-se tão satisfatória quanto improvável à primeira vista. Uma evocação para reflexão de José Sócrates após a eleição de ontem de Pedro Passos Coelho…

26 março 2010

VILLA, ZAPATA E OS OUTROS QUE TAMBÉM MORRERAM CALÇADOS

O período que acabou designado por Revolução Mexicana e que, iniciado em 1910, se prolongou pelos 20 anos seguintes, mais não passou do que uma prolongada Guerra Civil em que se confrontaram múltiplas facções num jogo muito fluído de alianças frágeis entre essas facções. Dos vários dirigentes que a Revolução produziu, os que se tornaram mais conhecidos no estrangeiro foram Pancho Villa e Emiliano Zapata, especialmente depois de se tornaram (nomeadamente o primeiro) personagens de filme. Porém, na história das Revoluções, dificilmente encontraremos personalidades tão contrastantes quanto as dos dois revolucionários, aliados ocasionais, ambos hoje presenças indicutíveis no panteão mexicano.
A fotografia acima foi tirada em Dezembro de 1914 (a Europa acabara de imergir em plena Primeira Guerra Mundial…), no Salão Nobre do Palácio Nacional do México, depois das colunas revoltosas dos dois, conjuntamente com as de mais alguns aliados terem acabado de conquistar a capital. Significativamente, é Villa que, numa pose exuberante, se deixa fotografar usurpando a cadeira presidencial, enquanto Zapata, acompanhado do seu tradicional sombrero pousado nos joelhos, parece assumir uma atitude mais discreta. A vitória dos revoltosos veio mais tarde a ser celebrada com um banquete no Palácio que, milagre das técnicas modernas, até foi filmado! - podemos ver as imagens abaixo.

Apesar de ambos serem oriundos de meios sociais humildes, o filme dos dois líderes a comer rodeados de um luxo a que não estariam habituados reforça a ideia do contraste entre a exuberância de Villa e a reserva timorata de Zapata. Para além dos caracteres, os seus objectivos políticos e estilos eram muito diferentes e os seus percursos não tardariam a divergir, embora os seus destinos acabassem por ser idênticos… Voltando à fotografia mais acima e aos quatro líderes que aparecem sentados (da esquerda para a direita): Tómas Urbina foi assassinado em 1915, Pancho Villa em 1923, Emiliano Zapata em 1919 e Otilio Montaño (de cabeça enfaixada) executado em 1917. Todos morreram calçados

25 março 2010

MESSERVY, O BARBAS

Sair de uma Guerra com a reputação de se ter evadido com sucesso não é propriamente um grande feito de armas. Já aqui falei de um desses evadidos, o General Henry Giraud, (acima) o francês em que os norte-americanos apostaram para agregar as forças da França não engajadas com Vichy durante a Segunda Guerra Mundial. A verdade é que Giraud não veio a ter sorte nenhuma quando teve de se defrontar com a habilidade política de uma raposa velha como Charles de Gaulle…
Outro evadido célebre, mas provavelmente menos conhecido, foi Frank Messervy, um general britânico, mas que fizera carreira como oficial no Exército da Índia Britânica. Aliás, mostrando como este último era distinto do Exército Britânico propriamente dito, Messervy foi o único oficial general com essa origem a comandar uma Divisão britânica durante toda a Segunda Guerra Mundial… Foi até quando exercia esse comando – o da 7ª Divisão Blindada – que se passa esta história que vou contar.
Uma das características de Messervy, que lhe fez ganhar a alcunha de Bearded Man entre os seus subordinados (literalmente, o homem barbado, mas cuja melhor tradução será o barbas), era o de não se barbear regularmente e de trajar informalmente quando em situações de combate, situação que acontecia em Junho de 1942 quando da ofensiva do Afrika Korps que culminou com a Batalha de Gazala em que os britânicos não só enfardaram como o próprio Messervy acabou sendo capturado…
Por essa vez, o seu aspecto valeu-lhe pois, ao desfazer-se dos seus galões, conseguiu passar por uma velha ordenança de um dos seus oficiais. – Para mim, a África acabou-se: faço 35 anos dentro de 3 dias e esse é o limite de idade no Afrika Korps – disse-lhe um enfermeiro alemão que o atendeu depois da captura – mas espanto-me que um homem da tua idade ainda sirva no deserto. – Que queres tu que faça um velho soldado profissional…? – respondeu-lhe em jeito evasivo e filosófico Messervy...
No dia seguinte, aproveitando a falta de atenção dispensada a um velho soldado profissional, Frank Messervy (que tinha então 49 anos de idade) evadiu-se e conseguiu regressar às linhas britânicas…

24 março 2010

O MANGUITO DE KOZAKIEWICZ

Tanto quanto uma disputa entre atletas, a final de Salto com Vara dos Jogos Olímpicos de Moscovo em 30 de Julho de 1980 era uma disputa entre as grandes escolas daquela modalidade. Uma delas não estava presente (a norte-americana), por causa do boicote dos Estados Unidos aos Jogos, mas as outras três – francesa, soviética e polaca – viam-se com possibilidades de triunfar através de mais do que um dos seus atletas presentes na final. Os franceses através do recordista mundial Houvion, que roubara há um mês esse recorde ao seu compatriota Vigneron, outro pretendente ao título, os soviéticos através do consistente Volkov e os polacos com o campeão olímpico de 1976, Slusarski, e com um outro ex-recordista mundial (de dois meses atrás!), Kozakiewicz (abaixo).
A competição acabou por correr de feição aos últimos três. Politicamente tratava-se de (mais) uma vitória do Leste frente ao Ocidente. Os três eslavos colocaram-se nos primeiros lugares ao transporem a fasquia colocada a 5,65 metros de altura. Depois disso, tratava-se de uma disputa pelo lugar maior no pódio. Volkov jogava em casa e contava com o apoio da assistência a que se adicionava a tradicional hostilidade entre polacos e russos e que se manifestava de forma negativa quando os atletas polacos saltavam. Portanto, talvez mais recordado que a marca então obtida pelo vencedor, Kozakiewicz, 5,78 metros (e tratava-se de um novo recorde mundial!), o que perdurou para a história foi o seu gesto de desforra logo depois de ter transposto a fasquia que lhe deu a medalha de ouro.
O gest Kozakiewicza (como ficou a ser conhecido em polaco), e que não passa afinal do nosso tradicional manguito, ficou registado como um símbolo de que a política de blocos não conseguia esconder as antipatias nacionais históricas. Consta também que foi feita uma abordagem informal pelos soviéticos junto das autoridades polacas para que Kozakiewicz fosse de alguma forma repreendido pelo seu gesto de hostilidade para com o povo soviético mas que a posição oficial polaca na resposta fora a de o atribuir a um espasmo involuntário de esforço… Nesse mundo de hipocrisia, o gesto permaneceu desconhecido das audiências do Leste (fora a Polónia), como se pode ver mais abaixo no filme oficial da competição onde a cena foi truncada. Enfim. era a verdade a que se tinha direito...

TV NOSTALGIA – 49

Este poste é pretexto para pegarmos nos genéricos de algumas séries de televisão mas ao contrário, i.e., relembrar séries em que a música que acompanhava o fim do episódio se veio a tornar mais célebre do que a de abertura.


Não quis ser exaustivo, mas lembrei-me de dois casos daqueles tempos, Robin Hood (no topo) e os desenhos animados do Linus, the Lionhearted (acima) e de um caso bastante mais recente, que foi o da série Frasier (abaixo).

23 março 2010

O "GRELHADOR" DE OHRDRUF

Num mapa que assinale os tristemente célebres campos de concentração do III Reich, Ohrdruf não é nome que nos ocorra. Assinalado no mapa acima e situado a cerca de uns 50 Km a Oeste da cidade de Weimar, Ohrdruf funcionava como um campo satélite de Buchenwald, esse sim, com Auschwitz ou Dachau, nomes do Holocausto que todos reconhecemos...
Nem sequer se tratou do primeiro campo a ser libertado pelos norte-americanos (havia sido Natzweiler em França), mas Ohrdruf continha todas as evidências horrorosas das atrocidades cometidas pelos alemães e foi por isso escolhido para ser publicitado quando da visita pelas altas patentes americanas a 12 de Abril de 1945, uma semana depois da sua libertação.
A delegação era chefiada pelo próprio Dwight D. Eisenhower (1) e incluía o comandante do 12º Grupo de Exércitos Omar Bradley (2) e o do III Exército George S. Patton (3), para além das numerosas comitivas que qualquer um deles arrastava atrás de si. E de entre todas, uma das aberrações parece ter impressionado mais vivamente os distintos visitantes.
Eisenhower e Patton mencionaram-na depois por escrito: uma espécie de pilha funerária formada por dois carris sustentados por tijolos (acima), numa disposição que fazia lembrar um grelhador, onde os alemães haviam tentado incinerar (mal) os corpos hirtos que haviam sido depositados entre os carris, pois deles ainda restavam pedaços queimados em graus diferentes…
Pormenor irónico final: dos três generais americanos presentes, foi George S. Patton, precisamente aquele que mais cultivava as suas poses públicas (veja-se abaixo a fotografia que lhe haviam tirado quando saía do jipe à sua chegada a Ohrdruf...), aquele que mais se impressionou com o cenário e que acabou por ter de se afastar discretamente e ir vomitar…

A CALMA OLÍMPICA DE UM GAJO “COOL”

Ainda a propósito da actual crise europeia e da questão grega, há quem adicione às fundamentações da sua opinião o facto de gostar em George Papandreou da sua calma olímpica, do homem e do camarada. Em suma, Papandreou, além de ser um gajo cool, é um gajo porreiro e um socialista. É o que se pode concluir quando se lê o que escreveu a esse respeito a eurodeputada socialista Ana Gomes no seu blogue. Claro que isso não a ajudará muito quanto à objectividade para a compreensão dos problemas financeiros da Grécia, mas isso é outra coisa.
Quem goste de Ana Gomes, gostará dela pelo estilo, pela sua atitude arrebatada e empenhada com que abraça todas as suas causas (que são muitas!), a maioria das vezes – e esta é mais uma… – fundamentando o seu entusiasmo contagiante de uma forma totalmente superficial. Neste caso, se George Papandreou se lamenta da Grécia esta(r) a pagar as favas por estar no euro (citando a própria eurodeputada), haveria que não esquecer que a adesão da Grécia ao euro se deve ao próprio partido de Papandreou, o PASOK, que governou o país entre 1993 e 2004...
Acontece até que George Papandreou era o Ministro dos Negócios Estrangeiros quando da mudança da moeda grega do dracma para o euro… Se Ana Gomes não sabia disso, devia saber. E se Ana Gomes não pediu ao homem e ao camarada para que, na sua calma olímpica, lhe explicasse as razões que provocaram esta sua recente mudança de atitude, então deveria ter perguntado… Por muito que a cative a pose cool e desafiadora de Papandreou, Ana Gomes é eurodeputada, já não tem 20 anos e tudo isto não é propriamente um outro Maio de 68

22 março 2010

AS PROFECIAS DOS PINK FLOYD

Não resisto a gozar um bom bocado à custa do método científico que transforma as coincidências e as associações forçadas em teses pseudo-científicas. Tal como o famoso Nostradamus vem adivinhando futuros até aos nossos dias parece que os Pink Floyd já há quase quarenta anos anteciparam esta crise europeia que separa os países do Norte dos do Sul.

E para aqueles que se mostrem cépticos quanto a tais capacidades de presciência da parte dos membros de uma banda rock sem os tais conhecimentos científicos, deixem-me mostrar-vos o vídeo acima, de uma música intitulada precisamente PIGS, o acrónimo que agora está da moda, seguido de outro com a música Us and Them (Nós e Eles)…

UMA VISÃO DE TEMÍSTOCLES

Aquela concepção da Antiguidade clássica grega, que costuma enaltecer as virtudes da Democracia ateniense quando em comparação com os defeitos da Aristocracia espartana, costuma omitir alguns pormenores que os que dirigiam a primeira tiveram de pôr em prática para se atingirem os resultados que desejavam. A origem do poder naval ateniense, por exemplo, que serviu posteriormente para pôr em cheque os poderes das cidades rivais da Grécia e sobretudo o incomensurável poder militar do Império Persa, nasceu de um programa de construção naval lançado por Temístocles nos principios do Século V a.C., mas onde este teve que a justificar aos olhos dos seus concidadãos, não por causa da ameaça persa, ameaça demasiado longínqua para a compreensão da maioria deles, mas para a rivalidade quezilenta com a vizinha cidade de Egina
O programa de construção naval então lançado por Temístocles, ainda para mais com o financiamento adicional de jazidas de prata recém-descobertas, levou a que Atenas viesse a dispor de uma frota nunca vista até então e que rondava, no seu apogeu, os 200 trirremes (acima a fotografia de um deles). A frota foi fundamental para a vitória naval dos gregos na Batalha de Salamina em 480 a.C., que se veio a revelar decisiva na luta entre gregos e persas. Mas o que me interessa destacar neste caso foi o expediente democrático mas indirecto empregue por Temístocles para conseguir convencer os seus concidadãos a alocar fundos para a construção da famosa frota, de onde se deduz que, quando necessário, o povo precisa de ser ludibriado para o seu próprio bem... O que nos trás de volta ao presente, a um outro problema dos gregos, mas mais actual.
Os descendentes modernos dos concidadãos atenienses de Temístocles parecem continuar, 2500 anos depois, tão obtusos quanto os seus antepassados aos grandes desígnios estratégicos que os cercam. Essa obtusidade não afectará apenas os atenienses mas os cidadãos do resto da Europa em geral. Se continuarmos a analogia entre a Grécia antiga e a Europa moderna, também agora não faltarão as rivalidades políticas como as que separaram Temístocles, Milcíades ou Aristides, que tantas vezes foram resolvidas a golpes sujos, como o ostracismo a que eram votados os vencidos. Só que agora os golpes sujos chamam-se Cimeiras onde às vezes se assinam Tratados, pretextos para se mostrarem entusiasmos descabidos (abaixo), que o desenvolvimento posterior dos acontecimentos mostra que deveriam ter sido acolhidos com muito mais contenção…
Nos últimos dois decénios, têm-se assinado Tratados em catadupa: Maastricht, Amesterdão, Nice e Lisboa. Mas, a cada incidente, como foi a crise que atacou os sistemas financeiros no Outono de 2008 ou então este que está a afectar a situação financeira da Grécia, os fundamentos da União Europeia, rangem estrondosamente mostrando estar em causa a existência de toda a instituição, apesar de todos os compromissos entretanto assinados… Ora, convém ter uma verdadeira visão de Temístocles sobre as nossas verdadeiras preocupações, ver para além da rivalidade entre Atenas e Egina: se é isto que acontece perante estes episódios menores, que solidez e solidariedade poderemos nós esperar da Europa diante de uma verdadeira ameaça a sério, algo que possa equivaler à invasão da Grécia pelos persas?...

21 março 2010

CATHERINE DENEUVE NA INTIMIDADE

Ter sido considerada a mais bonita no país do Mundo onde mais se costuma associar a beleza com a sofisticação apenas prestigia Catherine Deneuve quando, aos 42 anos¹, foi escolhida para se tornar o modelo de Marianne, o símbolo da República Francesa.
Incensada pela sua carreira como actriz, Catherine Deneuve também costuma tornar-se notícia por causa das suas outras actividades. Como modelo, já promoveu produtos da Chanel, da Yves Saint Laurent, ultimamente da L'Oréal e da Louis Vuitton.
Como activista, Catherine Deneuve já foi embaixadora da UNESCO além de ser uma notória apoiante e contribuinte da Amnistia Internacional. É caso para dizer que tanto prestígio apenas aumenta o embaraço de uma das suas mais famosas fotografias…
À saída da cerimónia do seu único casamento em 1965, onde o noivo era, paradoxalmente, o fotógrafo britânico David Bailey (acima), Catherine Deneuve protagonizou, por causa de uma intempestiva rajada de vento, um dos seus instantâneos mais reveladores
¹ Tendo começado com Brigitte Bardot quando ela tinha 35 anos, as outras modelos de Marianne estavam todas na faixa dos trinta anos (ou mesmo apenas 22,como Laetitia Casta) quando foram escolhidas.