04 janeiro 2010

O QUILOMBO DE ALBINA

Um dos subprodutos das sociedades esclavagistas do Novo Mundo foi o aparecimento de outras sociedades paralelas, que se constituíam em regiões que estavam fora do alcance das primeiras, compostas principlamente pelos escravos dali fugidos, algumas vezes mesclados com elementos das populações indígenas. No Brasil, eram denominadas por quilombos (uma palavra originária do quimbundo, língua de Angola), mas o fenómeno verificou-se sob várias designações em todos aqueles países da América do Sul, do Norte e das Antilhas onde se recorreu à escravatura para o seu povoamento.
O fenómeno dessa coexistência, que era muito mais frequente do que o que as fontes históricas da altura reconheciam, tratava-se de um indício de como, naquelas extensões continentais, o exercício da autoridade do Estado se tendia a diluir com as distâncias. Contudo, mesmo nas maiores Antilhas como Cuba, Haiti ou a Jamaica, a constituição de sociedades que coexistiam no seu interior com as das potências coloniais europeias do litoral são factos documentados, tanto mais que, por várias vezes, essas mesmas sociedades clandestinas foram capazes de desestabilizar as legítimas.
O crescimento demográfico, o fim da escravatura e a imigração de europeus durante o Século XIX fizeram com que a grande maioria dessas sociedades paralelas se aculturassem e viessem a ser absorvidas na estrutura das novas nações americanas nascidas, na grande maioria dos casos, no princípio desse Século. Actualmente, as que ainda possam existir, não passam de curiosidades turísticas. Mas restaram algumas excepções significativas, naquelas regiões (hoje países) que se revelaram demasiado insalubres para que os projectos de colonização dos europeus pudessem ter vingado.
É o caso do Suriname (acima, a sua bandeira nacional), que era originalmente uma das três Guianas (a holandesa), celebrizadas como sendo daqueles locais de desterro dos mais inóspitos do mundo no livro (e filme) Papillon de Henri Charrière. A fotografia abaixo poderia ter sido tirada numa qualquer aldeia africana, mas trata-se da população de uma aldeia do interior do Suriname que é constituída pelos descendentes dos tais escravos fugidos há séculos atrás. Falam o saramacano, um crioulo cujo vocabulário (corrompido) se inspira predominantemente no inglês (½) e no português (⅓).
É por isso que há uma certa ironia nos acontecimentos que recentemente tiveram lugar numa dessas povoações do interior do Suriname chamada Albina (assinalada no mapa mais abaixo, sobre o rio que faz a fronteira oriental do Suriname) quando a população local, de origens muito semelhantes às da fotografia acima, desencadeou, na noite de Natal, uma perseguição contra os estrangeiros, tendo morto e ferido um número indeterminado deles. A grande maioria dos alvos eram garimpeiros de origem brasileira, uma comunidade que já constituirá cerca de uns 4% da população surinamesa.
Enquanto o sonho dos surinameses tem sido o de emigrar para a antiga metrópole(*), deixando a impressão que o colonialismo holandês não terá sido o sucesso que alguns brasileiros tanto gabam(...), são os mais pobres da sociedade brasileira moderna, os prováveis descendentes dos escravos que outrora não se atreveram a fugir (ver a fotografia abaixo), aqueles que procuram agora um parco modo de vida naquelas regiões remotas da selva para onde os antepassados de muitos dos actuais agressores de Albina então fugiram e onde encontraram a liberdade mas não a prosperidade…
(*) Actualmente, de entre os cerca de 800.000 surinameses e seus descendentes, serão 470.000 os que (ainda…) vivem no país e (mais de) 330.000 os que residem nos Países Baixos. Trata-se de uma proporção de 2 emigrados para cada 5 habitantes.

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