01 dezembro 2009

A MEDALHA LENINE

Este vídeo que aqui afixo com alguns dos momentos do famoso frente-a-frente Álvaro Cunhal – Mário Soares que teve lugar a 6 de Novembro de 1975 recorda pormenores muito interessantes, a começar logo pelo fiasco inicial, que aparece perfeitamente enquadrado no espírito do Processo Revolucionário Em Curso (PREC) daquela época, em que há uma entrada em falso com a música do genérico a calar-se subitamente e a recomeçar depois. O mediador, de cigarro na mão (!), larga então umas apressadas palavras de circunstância, comportando-se quase com um árbitro de um combate de boxe antes do mesmo.

Arrisco-me a dizer que, dado o clima existente, que não terá havido ninguém que se tivesse convencido a mudar de lado da barricada por causa do que foi dito nos 220 minutos que durou aquele debate. E os 34 anos que entretanto se passaram fizeram sintetizar na memória colectiva algumas das frases mais famosas perdidas do contexto. Como o famoso Olhe que não! Olhe que não! de Álvaro Cunhal (aos 4:30 do vídeo), que se costuma esquecer que é uma réplica à grave acusação que Mário Soares lhe estava a lançar, a de que o PCP estava a querer transformar Portugal numa ditadura…

Mas é o trecho seguinte e final do vídeo – o da medalha Lenine – que eu quero aqui destacar (aos 4:45). Já me referi aqui neste blogue, num outro poste, à importante condecoração soviética que era conhecida por Ordem de Lenine. E, neste debate, Soares nem seria o verdadeiro Soares se, num dos seus remoques irónicos a Cunhal – … que se eu fizesse essa aliança que o shoudôtor (propôs) dar-me-ia uma medalha Lenine e nós teríamos uma ditadura em Portugal… – não desse mostra da sua tradicional trapalhice e falta de rigor (bem à portuguesa…), adulterando o nome da condecoração…

Aliás, nem Cunhal seria o verdadeiro Cunhal se, na sua tentativa de ser igualmente espirituoso na sua réplica a Soares ­– Essa política pode não lhe dar a Medalha Lenine mas pode dar-lhe uma Medalha Sá Carneiro ou uma medalha vinda desses lados… ­- não desse mostra da sua proverbial falta de sentido de humor... Além de, significativamente, uma ignorância óbvia sobre qualquer condecoração importante de um país capitalista. Uma das ironias desta história da medalha Lenine, é que Mário Soares veio a receber em 1987 uma condecoração soviética quando da sua visita, como Presidente, à União Soviética.

Apesar das pesquisas, não consegui identificar a condecoração que foi então recebida por Soares, mas é improvável que tivesse sido a tal Ordem de Lenine, que raramente era usada para essas ocasiões protocolares das visitas de Chefe de Estado estrangeiros. Mas uma ironia ainda maior dessa mesma história é que foi Álvaro Cunhal – que, refira-se, por altura do debate, já fora condecorado com a Ordem soviética da Revolução de Outubro… ­– que afinal foi condecorado com a reputada Ordem de Lenine em 1989… Ironia suprema: quem assinou o decreto que a concedia era Mikhail Serguéievich Gorbachev…

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