14 outubro 2009

A GRANDE CISÃO SINO-SOVIÉTICA E A FESTA DO BOLINHA

A cisão entre as correntes soviética e chinesa no início dos anos 60 terá sido um dos acontecimentos maiores da história do marxismo-leninismo. Quem a viveu, tende a levá-la ainda hoje muito a sério. Mas também há quem, ao mesmo tempo, pretenda que nada aconteceu. A meio caminho entre essas duas posições extremas, e tentando ter um humor que nenhuma delas conseguirá provavelmente alcançar, vou aqui contar uma visão dessa cisão, embora obtida de uma certa perspectiva aligeirada: a dos Congressos.

Mas antes, convém explicar do que se trata: é que as regras de cortesia estabelecidas naquele tempo para os congressos dos grandes partidos marxistas-leninistas irmãos pareciam ser decalcadas das que ainda hoje se praticam nas festas de aniversário dos pré-adolescentes. O partido anfitrião (no papel de aniversariante) tinha que ser criterioso na questão dos convites, na atenção dada a cada convidado, em assegurar-se que tudo corria a contendo durante a festa (congresso), sob pena de sair mal visto do evento…

Ora aconteceu que, num dos momentos mais incandescentes da cisão sino-soviética, entre o final de 1962 e o inicio de 1963, concentrou-se a realização de cinco congressos de partidos irmãos, para os quais as regras de cortesia obrigavam a convidar tanto o Partido Comunista da União Soviética (PCUS) como o Partido Comunista Chinês (PCC), que estavam não só em rota de colisão como em fase de contagem de aliados… O primeiro, a ter lugar foi a 5 de Novembro de 1962, o VIII Congresso do Partido Comunista Búlgaro
Foi logo uma vitória clara dos soviéticos. Wu Xiuquan e a sua delegação tiveram que jogar à defesa, abstendo-se de bater palmas quando os soviéticos o faziam, batendo-as nos tópicos controversos em que aqueles se mantinham quietos… A impressão final foi tão má que a delegação chinesa preferiu seguir logo para Bucareste na Roménia para fazer um ponto de situação antes de seguir para Budapeste na Hungria onde iria decorrer o VIII Congresso do Partido Comunista Húngaro a 20 de Novembro. Mas não havia bilhetes

Obtida esta resposta dos camaradas romenos, a delegação chinesa dirigiu-se aos húngaros que lhes arranjaram bilhetes num avião que, vieram eles a descobrir depois, até estava meio vazio… Mas a delegação chinesa não se mostrou particularmente grata pelo gesto, pois o discurso de Wu Xiuquan foi considerado mais agressivo ainda do aquele que fora proferido em Sófia. Até no próprio banquete de despedida houve um incidente e, novamente, a delegação chinesa foi convidada a partir para aguardar em Varsóvia o próximo congresso.

Entretanto, a 2 de Dezembro começara o XII Congresso do Partido Comunista Italiano, onde a delegação chinesa era dirigida por Zhao Yimin. Os dois congressos precedentes pareciam mostrar que havia um padrão de comportamento agressivo nos discursos dos comunistas chineses e a reacção dos soviéticos e, sobretudo, dos anfitriões italianos mostrou ser muito menos permissiva do que nos dois casos anteriores. Inclusive, o discurso de Zhao foi acompanhado de comentários desagrados da parte dos delegados na assistência.
Excepcionalmente e só por esta vez, os italianos vieram a ser batidos em exuberância pelos seus camaradas checoslovacos, pois no XII Congresso do Partido Comunista Checoslovaco cujos trabalhos se haviam iniciado entretanto a 4 de Dezembro e onde a delegação chinesa era chefiada pelo já nosso conhecido Wu Xiuquan, o discurso deste último veio a ser saudado com uma pateada acompanhada de assobios e vaias. Só mesmo os norte-coreanos é que se mostraram solidários com a má educação da assistência…

Quando começou o VI Congresso do Partido Comunista Alemão, em 15 de Janeiro de 1963, e apesar do discurso inicial surpreendentemente conciliatório de Khrushchov, já Wu Xiuquan possuía uma reputação e os metódicos alemães já haviam imaginado um dispositivo para lhe desligar o microfone. Que - claro! - teve que ser utilizado. Mesmo sem ele, Wu continuou a discursar até ao fim no meio das vaias da assistência e retribuiu depois, abandonando a cerimónia de encerramento enquanto se cantava a Internacional...

É verdade que a cisão sino-soviética representou muito mais do que uma sucessão de broncas em congressos, mas também é verdade que, considerando a analogia que acima tracei entre o cuidado que se dedicava às organizações desses congressos e o que os pré-adolescentes dedicam aos seus aniversários, uma boa forma de representar todos estes percalços ideológicos que aqui contei bem poderiam ser sintetizados através do vídeo (abaixo) de um sucesso musical brasileiro dos anos 60: A Festa do Bolinha

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