11 julho 2009

COCKTAIL MOLOTOV

Suponho que a esmagadora maioria dos que lerem este poste saibam, de antemão, que o assunto que aqui se vai tratar não é propriamente de bebidas... Se não sabiam depressa o descobrirão ao ler a receita do cocktail: enche-se parcialmente (até 2/3 da capacidade) uma garrafa de vidro com um líquido inflamável (gasolina ou álcool – metanol ou etanol); há quem adicione outros ingredientes(*) para que o líquido se torne mais espesso e pegajoso e para que depois de incendiado, ele produza mais fumo; a garrafa é selada com uma rolha ou de uma outra forma qualquer onde se possa amarrar e inserir um trapo.
Quanto às instruções de emprego: antes de se arremessar a garrafa, molha-se o trapo num líquido inflamável para o incendiar. Incendeia-se o trapo e atira-se. Ao atingir o alvo, a garrafa parte-se com o impacto espalhando o líquido, que se incendeia quase de imediato por causa do trapo em chamas. Manuais de utilização mais sofisticados recomendam que, para multiplicar os seus efeitos, devem lançar-se sucessiva e rapidamente (o líquido inflamável é extremamente volátil) vários cocktails não acesos para o alvo, para terminar com um convencional que depois desencadeará o incêndio.
O cocktail Molotov será provavelmente o artefacto mais simbólico da guerrilha urbana do Século XX. A receita para o fazer está muito longe de ser um segredo – não me considero irresponsável por a ter escrito aqui, quando ela está disponível em inúmeros locais da internet. Menos conhecida será a sua história, onde não faltam os aspectos irónicos de uma arma que parece ter sido concebida de propósito para ser usada pelos revolucionários, normalmente patrocinados pela esquerda, mas cujas origens e nome de baptismo até estão associados a episódios de luta contra os soviéticos…
O primeiro registo do emprego dos cocktails Molotov é de Outubro de 1936, na Batalha de Seseña, um dos primeiros recontros de blindados da Guerra Civil de Espanha (1936-1939). Os blindados soviéticos T-26B, que haviam acabado de chegar a Espanha em apoio do exército republicano, mostraram-se muito superiores aos Fiat CV-35 italianos do exército nacionalista. Os nacionalistas, remetidos à defesa, tiveram que improvisar uma arma anti-tanque e essa arma foi o cocktail Molotov, que se veio a revelar um enorme sucesso: a Batalha de Seseña é hoje considerada um sucesso nacionalista.
Mas só dali por três anos é que a arma ganhou o seu famoso nome. Vyacheslav Molotov (1890-1986), o padrinho e Ministro dos Negócios Estrangeiros da União Soviética à época, tem com a arma uma relação tão indirecta quanto irónica. Os soviéticos, ao invadirem a Finlândia em Novembro de 1939, criaram uma das rábulas mais cínicas da diplomacia moderna: assinaram um Tratado de Amizade com um governo finlandês no exílio(**), enquanto as tropas soviéticas entravam na Finlândia para prestar auxílio alimentar aos finlandeses. O cocktail Molotov era a resposta irónica dos finlandeses ao auxílio alimentar
É uma pergunta retórica, mas mesmo assim engraçada, perguntarmo-nos quantos, de entre os muitos milhares de arremessadores de cocktails Molotov da História, onde creio que uma ampla proporção dos quais foram simpatizantes e seguidores da antiga ideologia dominante em (quando não mesmo patrocinados por) Moscovo, saberiam que nas origens desta arma tão revolucionária e do seu nome, estariam duas manifestações de resistência às intenções imperialistas soviéticas?...

(*) Alcatrão, óleos vegetais (especialmente de palma), detergentes para a roupa ou para a louça, etc.
(**) Por coincidência esse governo estava exilado – adivinhem lá? – em Moscovo. E o seu presidente, Otto Kuusinen, era – surpresa! – o líder do Partido Comunista Finlandês.

3 comentários:

  1. A coisa é como o bacalhau

    tem várias receitas

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  2. Por mais que o António Teixeira diga o contrário, eu continuo a pensar que o dito cocktail é uma bebida. Até me lembro de um senhor atirar um, dizendo: "Ora toma!"

    Quanto a ser revolucionário, só mesmo na medida em que revolucione...

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  3. ...o que não impede que haja revolucionários que revolucionam involuntariamente. Olhe, António Marques Pinto, estou-me a lembrar do Bernardino Soares que, com as suas dúvidas, revolucionou a nossa maneira de pensarmos a Coreia do Norte, essa Meca da Revolução Socialista.

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