08 maio 2022

A POMPEIA DAS ANTILHAS

(Porque hoje se completam 120 anos da data, republica-se este texto, narrando a erupção do Monte Pelée na Martinica, que destruiu completamente a cidade de Saint Pierre)
Tal como Pompeia, a cidade romana que em 79 foi destruída durante uma erupção do Monte Vesúvio, também a cidade francesa de Saint Pierre, na Martinica, uma das Antilhas, fora construída à sombra de um vulcão – baptizado de Monte Pelée. Muito do que então aconteceu a Pompeia – acima, vemos uma reconstituição feita por computador da erupção – sabe-se não só pela discrição de uma testemunha presente no local (Plínio-o-Jovem) e cujo relato sobreviveu até aos nossos tempos, como também pelo resultado dos trabalhos de arqueologia, que desenterraram cerca de 2.000 vítimas. A erupção do Monte Pelée que destruiu Saint Pierre ocorreu em 1902, foi narrada por várias testemunhas, foi fotografada por outras e causou quase 30.000 mortos… A ilha da Martinica havia começado a ser colonizada pelos franceses a partir de 1635. Saint Pierre havia sido o local de assentamento inicial e permanecera desde aí a cidade principal da ilha, situada mesmo à sombra do vulcão. Como aconteceu com as outras possessões coloniais, Martinica especializara-se numa cultura: açúcar. A produção de açúcar exige mão-de-obra e seguiu-se a importação de escravos africanos. A estrutura social da colónia assemelhar-se-ia à que os portugueses criaram por aquela mesma altura em Cabo Verde. Hierarquizada em função do tom de pele, em 1848, ano da abolição definitiva da escravatura, a população da Martinica distribuir-se-ia por 8% de brancos, 32% de livres (principalmente mestiços) e 60% de ex-escravos (negros).
Já por duas vezes, em 1792 e 1851, o vulcão já dera sinal de si, em pequenas erupções. Apesar disso, Saint Pierre continuava a ser a capital económica de Martinica. A sua rival política, Fort-de-France além de ser insalubre, estava sujeita a terramotos (o de 1839 quase a destruíra totalmente) e a furacões (o de 1891 causara mais de 400 vítimas). Saint Pierre, com 26.000 habitantes superava em importância a sua rival com 17.000 – mas onde residia o governador! Louis Mouttet era um francês metropolitano de origens modestas, experiência colonial prévia mas sobretudo possuidor de umas boas conexões políticas que lhe haviam conseguido aquele cobiçado lugar onde chegara apenas em Dezembro de 1901, cinco meses antes dos primeiros sinais de mais uma erupção…
Todas as narrativas posteriores aos acontecimentos são unânimes na presciência de que os sinais dados pelo vulcão mostravam que aquela erupção iria ser diferente das outras mas a realidade deve ter sido bastante diferente. Os primeiros sinais significativos de que algo podia vir a acontecer datam de finais de Abril e, recorde-se, está-se em 1902, muito antes da vulcanologia se ter tornado uma ciência(*). O que se pedia ao governador – a evacuação parcial ou mesmo total de Saint Pierre – era uma medida que teria tido um impacto tremendo nos equilíbrios económicos e políticos da Martinica, estabelecidos pela rivalidade entre as duas cidades principais. A fazê-lo, ainda para mais para um governador recém-chegado, Louis Mouttet só o faria mesmo em caso de força maior.
A ocupação humana estendia-se quase até aos contrafortes do vulcão e foram essas povoações, plantações e engenhos os primeiros a sofrer as consequências da erupção. Num claro sinal de que desta vez as consequências poderiam ser muito mais graves, a 5 de Maio uma enorme torrente de lama arrasou completamente a centenária plantação dos Guérin com 800 hectares, uma das maiores da ilha. A seriedade dos acontecimentos fez com que o governador se decidisse a ir a Saint Pierre para, além de encorajar os residentes, há quase duas semanas submetidos a uma chuva contínua de cinzas, se inteirar pessoalmente da situação. Louis Mouttet partiu de Fort-de-France no dia 7 de Maio, acompanhado protocolarmente da esposa. Seriam mais duas vítimas da catástrofe que se anunciava...
Alguns minutos antes das 8 da manhã do dia 8 de Maio de 1902, aquilo que um observador descreveu como uma coluna de fogo que calculei que tivesse uns 350 metros de altura precipitou-se sobre a cidade. Estendeu-se até ao porto, alcançando os navios ali ancorados. Em três minutos Saint Pierre foi completamente devastada. Mas não só. A explosão devastou uma área de 58 km² em redor do Pelée. Na cidade propriamente dita houve apenas dois sobreviventes e o número total de vítimas foi mais tarde calculado em 29.933. 1 em cada 7 habitantes de Martinica morreu naqueles escassos minutos daquela manhã. Saint Pierre tem hoje a aparência paradisíaca desta última fotografia mas a sua população (4.500) é apenas uma pequena fracção da que foi outrora…
(*) – A vulcanologia existe, mas continua a ser uma ciência muito falível para responder às perguntas que se colocavam em 1902 no caso do Monte Pelée. Recentemente esteve quase a ocorrer um erro trágico durante a erupção do Monte Saint Helens (1980 - 57 vítimas) e ocorreu mesmo um erro trágico durante a erupção do Nevado del Ruiz (1985 - mais de 20.000 vítimas).

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