13 março 2009

VÁRIAS HISTÓRIAS DE ÁFRICA

Os acontecimentos da Guiné-Bissau suscitaram, além de mais uns episódios de tele-jornalismo caqui por mim aqui destacados, artigos e análises, alguns deles bastante interessantes, tanto em jornais como aqui nos blogues, sobre a evolução que permitiu que, num país moderno, a mais alta figura do estado e a mais alta figura das suas forças armadas sejam ambas abatidas perante a apatia geral. Em muito dessas análises parece notar-se uma corrente de opinião dominante, a da gradual desresponsabilização das antigas potências coloniais pelo caos em que degeneraram as situações políticas, económicas e sociais dos (já não tão) novos países africanos. É lógica, concisa, mas talvez seja demasiadamente simplificada.
Essas opiniões acabam por corresponder à tese nuclear do livro acima, que se intitula O Estado de África, uma História de Cinquenta Anos de Independência que, datado de 2005, faz uma cobertura crudelíssima, país por país, daquilo que tem vindo a acontecer naquele continente depois do início da Era das Independências, desencadeada com a do Gana, a 6 de Março de 1957. Só que, e há quem o assinale noutras análises, com toda a pertinência, também aqui nos blogues, a História africana não começou propriamente há cinquenta anos… A começar pela evidência que as condições em que essas independências foram alcançadas haviam sido definidas algumas décadas antes…
A Conferência de Berlim de 1884 (acima), que reuniu as potências europeias (incluindo Portugal), configurou uma África à imagem e semelhança da concepção europeia da organização do território, fronteiras e tudo. Faz bem quem relembra que a actual configuração política de África não resulta originalmente dos equilíbrios naturais das capacidades de expansão e de assimilação das próprias etnias africanas, depois transformadas em embriões de nacionalidades, mas de outros factores de equilíbrio, estranhos ao continente. Mas, por sua vez, a História de África não começa em 1884 nem, de resto, terá começado em 1415, data da conquista por Portugal da sua primeira possessão colonial africana (Ceuta).
A História de África acima data já de 1995, mas serve perfeitamente para demonstrar quanto ela é complexa e quanto as interferências europeias antes dos finais do Século XIX foram substancialmente negligenciáveis, com excepção da evolução demográfica do continente. Poderia apontar aqui vários exemplos como os tais 500 anos de colonialismo não passam de um soundbite tão cheio de ideologia quanto vazio de substância. Uma sugestão tão agradável quanto ligeira poderá ser a leitura do álbum de BD da série Passageiros do Vento da gravura abaixo: ali se reconhece que, mesmo no Século XVIII, o poder efectivo pertencia ao monarca africano, ao qual se submetiam as feitorias comerciais europeias.
E, evidentemente, a forma como esse poder era exercido nada tinha do bucolismo que depois veio a ser perturbado pelo colonialismo europeu, conforme postulam algumas versões mais ideológicas da História de África que ainda hoje circulam. Muito pelo contrário, como em todo os lugares do Mundo, por vezes havia demonstrações de uma crueldade arrepiante... Mas regressemos à Conferência de Berlim e a uma potência que nem lá foi (os Estados Unidos) e a outra que lá foi fazer figura de corpo presente (a Rússia). Ambas clamavam não ter interesses a manifestar em África e, por isso, podiam permitir-se pregar moral às outras no que diz respeito à conduta que elas deviam adoptar naquele continente...
Os Estados Unidos criaram uma ficção de país independente chamado Libéria em 1847, para onde se pretendia transferir os escravos para que eles retornassem a casa. Consistindo numa colónia em tudo, salvo no nome, e o bem-estar da população da Libéria actual (acima a bandeira) não se distingue particularmente dos seus outros países vizinhos por causa dessa evolução histórica sem passado colonial… Quanto aos russos, a adopção do marxismo-leninismo em 1917 foi um verdadeiro maná para o seu discurso moralizador dirigido aos domínios coloniais das restantes potências, estruturado em temos dialécticos. Tanto, que ainda hoje, desfeito o mito, esse discurso culpabilizante continua a manter os seus adeptos.
O imperialismo é tão antigo quanto a História da Humanidade. Nós, portugueses, já fomos colónia de cartagineses e romanos. A Corrida para África representou um momento anómalo nessa História, quando o desequilíbrio técnico e material entre uma região do Globo (Europa) e outra (África) era tão grande que permitiu que a primeira projectasse o seu poder sobre a outra, não só com um grande alcance, mas necessitando de tão poucos recursos que mesmo uma potência menor quanto Portugal permaneceu na Corrida. Mas, graças às duas potências morais, esse momento anómalo desapareceu e o que dele resta são sociedades em que o Grau de Influência Civilizacional dos antigos colonizadores é, geralmente, bastante baixo.

2 comentários:

  1. O meu aplauso,gostei do post e o
    "jornalismo caqui",se quisesse,
    aprendia nele ideias que lhe faltam

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