16 dezembro 2008

OS ESTADOS PRINCIPESCOS DA ÍNDIA – 7

Ficou para último o caso do Estado Principesco de Caxemira (acima, a roxo e grená), que, nos casos dos 500+ Estados do Império das Índias, era o único deles em que, contrariando a tendência histórica quase milenar da conquista do subcontinente por uma casta guerreira muçulmana, devido a razões que seria fastidioso aqui detalhar, existia um monarca de religião hindu a governar uma região onde havia uma maioria da população (77,3%) de confissão muçulmana. Era um estado relativamente extenso com 222.000 km², mas relativamente pouco povoado, com um pouco mais de 4 milhões de habitantes.

Medido pela importância das salvas de canhão, o soberano de Caxemira tinha direito a 19, embora, quando se considerava que ele também era monarca de Jammu, tivesse direito às 21 da tabela máxima! Explique-se um pouco mais esta classificação artilheira, já aqui tanto falada: ia desde um máximo de 101 salvas, apenas conferido ao Rei Imperador (o monarca britânico) enquanto o máximo para os príncipes locais era de 21, depois a hierarquia estabelecia-se em números ímpares: 19, 17, 15, 13, 11, 9, até um mínimo de 3… Contudo o mínimo socialmente significativo era a categoria de 9 salvas.
Falando de coisas mais sérias, a Liga Muçulmana sempre considerou que o Estado de Caxemira seria uma das regiões constituintes indispensáveis do futuro país para os muçulmanos da Índia que ambicionavam. O nome desse país fora inventado apenas nos inícios dos anos 1930 e era formado pelas letras iniciais do Punjabe, da Afgânia (que era outra designação para a província conhecida normalmente por NWFP: Província da Fronteira Noroeste), de Caxemira (Kashmir em inglês), do Sindh e as finais de BalochisTÃO. Em inglês o jogo de letras resultava P-A-K-S-TAN: Paquistão.

Contudo, do ponto de vista formal, o destino de Caxemira quando da Independência e da Partição dependeria não das ambições dos líderes da Liga Muçulmana (ou do Partido do Congresso) mas da decisão do Maharaja Hari Singh (abaixo). Como acontecia em Jodhpur, Caxemira localizava-se numa zona que seria a fronteira entre a Índia e o Paquistão: podia optar. Como acontecia com Travancore, situava-se num dos extremos do subcontinente com a hipótese de se tornar independente deles dois. E tal qual se passava em Hyderabad, tinha dimensão suficiente para evadir às pressões a que o sujeitassem.
A 15 de Agosto de 1947 Hari Singh ainda não se havia decidido. E apesar de não ser o único a não o ter feito, no fundo acabava por ser o único Estado Principesco cuja evolução futura era, genuinamente, uma incógnita. É preciso perceber que a questão de Caxemira ainda hoje não se resolveu e, por isso, a narrativa dos acontecimentos que se sucederam têm uma forma distinta de ser contada conforme a nacionalidade do narrador: indiana ou paquistanesa. Em Outubro de 1947, perante o impasse (e mais um Standstill Agreement assinado entre as partes), o Paquistão ensaiou uma manobra para o contornar

Na perspectiva paquistanesa, depois de 15 de Agosto, a comunidade muçulmana de Caxemira estava a ser perseguida e expulsa do território e esse facto serviu de pretexto para que alguns chefes proclamassem a formação de um governo no exílio de uma Caxemira Livre (Azad Kashmir – bandeira abaixo). Para expandir a autoridade desse governo no terreno o Paquistão veio a servir-se de voluntários (mujahideens) pashtunes da província paquistanesa vizinha do Afeganistão (NWFP). E à medida que essas forças de voluntários progrediam no terreno a tensão subia cada vez mais.
Subia porque as próprias forças de defesa de Caxemira se mostravam ineficazes para conter aquela invasão; algumas desertaram até para o lado dos invasores; também subia porque os invadidos rapidamente descobriram e publicitaram que o apoio logístico dos voluntários estava a ser fornecido pelos militares paquistaneses; subia ainda porque o comportamento dos libertadores nas regiões libertadas deixava muito a desejar; subia finalmente porque, naquelas circunstâncias o Maharaja viu-se compelido a pedir auxílio ao único país que estava em condições de o ajudar: a Índia.

A intervenção indiana teve um preço: a assinatura do Acto de Adesão à Índia por parte de Hari Singh em 27 de Outubro de 1947. O conflito depressa perdeu aquela faceta inicial de faz-de-conta e caminhou para a uma fase do embate directo e assumido entre os exércitos indiano e paquistanês (abaixo). Entre Outubro de 1947 e 31 de Dezembro de 1948 a frente de batalha teve diversas configurações (a evolução pode ser acompanhada aqui). A que existia no último dia de 1948 passou a ser a fronteira na prática entre os dois países e a partir daí veio a ser designada pela sigla LOC (Line of Control).
O antigo Estado de Jammu e Caxemira apresenta-se desde então dividido entre uma região oriental sobre controlo indiano (compreendendo cerca de 40% do território e de 75% da população original, a laranja no mapa abaixo) e outra ocidental sobre controlo paquistanês (com a parte restante, a verde). As manobras diplomáticas e militares desenvolvidas por um lado e outro durante os últimos 60 anos transcendem o âmbito desta série, que se pretende circunscrever às vicissitudes associadas às Adesões dos Estados Principescos durante o período inicial da existência de ambos os países.

Mas, para além dos argumentos de ordem estratégica que costumam ser invocados para justificar o valor que os dois lados atribuem ao controle de Caxemira, há que reconhecer como é difícil atingir-se um consenso: para os paquistaneses, a pertença de Caxemira ao seu país é uma evidência, exemplificada no nome que o país adoptou; para a facção moderada dos indianos, a existência de um Estado maioritariamente muçulmano como Caxemira é a demonstração que a Partição foi um erro e que a ideia de Índia era muito mais vasta do que a de um Estado fundamentalmente para os hindus…

(Continua)

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