23 novembro 2008

COMO O EXÉRCITO PORTUGUÊS SE ARMOU DEPRESSA E EM FORÇA

Quando começou a Guerra Colonial em 1961, a arma individual usada pelas forças armadas portuguesas ainda era a espingarda Mauser 98k (abaixo), uma arma de repetição que usava munições 7,92 x 57 mm, e que fora adoptada como arma regulamentar pela Wehrmacht alemã 25 anos antes. Uma das prioridades foi assim a da obtenção no mais breve espaço de tempo de armas automáticas, embora não se pudesse esquecer a questão da necessidade de assegurar o previsível fluxo elevado de munições e sobressalentes.Nessa época, já se fabricava em Portugal munições do calibre NATO (7,62 x 51 mm) e foi entre as armas que utilizavam essa munição que se procurou encontrar a nova arma individual de infantaria. As duas concorrentes eram o FAL (Fuzil Automático Ligeiro), de origem belga, que datava de 1953 e a ligeiramente mais recente G-3 (Gewehr – espingarda – 3) que era de origem alemã, mas que fora inicialmente desenvolvida por técnicos alemães em Espanha, e de que se havia iniciado a produção em 1959.Enquanto se procediam ao concurso e aos testes das duas armas, cuja vitória prometia ser um apetitoso contrato para o fornecimento de mais de 100.000 armas que teriam de ser fabricadas em Portugal, o cliente impôs uma cláusula de empréstimo de alguns milhares de armas para equipar entretanto as suas forças que já estivessem, ou vias de virem a estar, empenhadas em qualquer dos três Teatros de Operações ultramarinos. E foram essas armas emprestadas as primeiras a substituírem as veneráveis Mauser. Os belgas emprestaram 12.500 FAL (alguns deles através da África do Sul) e os alemães 8.000 G-3 e, posteriormente, depois de terem vencido o concurso, emprestaram 15.000 FAL suplementares, porque o FAL fora uma arma usada pela Bundeswehr antes da adopção da G-3. Por isso, houve uma fase de transição em que a arma mais comum no exército português até foi o FAL. Havia razões para isso: os FAL podiam ser usados livremente, enquanto as G-3 tinham sido emprestadas ao abrigo de acordos NATO e só podiam ser usadas às escondidas... É por isso que, para espanto de alguns veteranos, as G-3 apareceram desde muito cedo (Verão de 1961), mas apenas nos Teatros de Operações discretos, como era então o da Guiné, enquanto as mesmas armas permaneciam escondidas em Teatros de Operações mais mediáticos como era o caso do de Angola. Mesmo nas imagens de propaganda havia o cuidado de mostrar os soldados armados de FAL (acima), até que os volumes da produção nacional (que se iniciou em finais de 1962) legitimassem o aparecimento das G-3.
Um problema semelhante ocorreu com as tropas pára-quedistas, originalmente armadas com o AR-10 (acima), precursor da M-16, de origem norte-americana (calibre 5,56 x 45 mm). Depois de um jogo de gato e rato e das repetidas insistências norte-americanas para que o material por si fornecido não fosse utilizado na Guerra Colonial, mas também por conveniência logística (ninguém mais usava aquela munição), as tropas pára-quedistas vieram por sua vez a adoptar também as G-3, na versão com coronha retráctil (abaixo). Entretanto, também o Corpo de Fuzileiros adoptara as G-3 e, para o bem e para o mal, a arma ficou para sempre associada de forma indelével à Guerra Colonial. Aquelas 100.000 armas – que afinal vieram a ser bastantes mais: em 1965 já havia 140.000 – passaram por muitas centenas de milhares de mãos muitas vezes em circunstâncias bem difíceis... Como símbolo, na Revolução dos ditos, os cravos nunca teriam ultrapassado a simbologia de flores bonitas de primavera se não tivessem sido depositados na alma do cano de uma G-3

6 comentários:

  1. e os P2V5 também estavam escondidos
    em Cabo Verde fazendo umas incursões pela Guiné,até um dia,lá
    para os meus lados,em que metralharam umas canoas que cambavam o rio Corubal,zona amarela
    ,onde além de civis guineenses iam
    também militares NF.
    Abraço

    ResponderEliminar
  2. Havia muito outro material de origem norte-americana mais difícil de esconder, nomeadamente aeronaves como o P2V5 ou os caças F-84 e F-86.

    Tornou-se um paradoxo que, naquela época, não se pudessem usar nem adquirir equipamentos de origem norte-americana, porque eram eles os que possuiam o melhor material e o mais testado em cenários de contra-subversão, por causa da Guerra do Vietname onde estavem envolvidos...

    Um caso típico era o helicóptero UH-1 Huey que era muito superor ao Alouette III com que a Força Aérea portuguesa tinha que se contentar.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Meu caro A. Teixeira, as tropas Para-Quedistas estavam equipadas não com as Armalite AR-15 de calibre 5,56x45mm NATO, mas sim, com as AR-10 em 7,62x51mm NATO. Foram trocadas pelas HK G3 de coronha retráctil sim, mas porque encravavam demasiadas vezes em acção. Necessitam estar sempre super-limpas, senão encravam. Ainda hoje, as derivadas dessa AR-10 dão problemas quando comparadas com as Kalashnikov, Galil, HK, entre outras. :)
      Mas, tudo o resto está muito bem escrito. Adorei o artigo.
      Um abraço,
      Nuno Ramos.

      Eliminar
    2. https://en.wikipedia.org/wiki/AR-10

      Eliminar
  3. Tem toda a razão. Já está corrigido. Obrigado. Um abraço

    ResponderEliminar
  4. Olá, como o posso contactar (e-mail)?

    Tiago Fonseca
    tiago.fonseca@live.com

    ResponderEliminar

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.