21 novembro 2008

À CARA PODRE...

Segundo René Goscinny (1926-1977), além de outras mais famosas, como as de Adam Smith (1723-1790), também Jesse James (1847-1882) parece ter tido a sua teoria económica sobre a distribuição de riqueza, inspirada numa interpretação muito pessoal da saga de Robin dos Bosques. Jesse James também reclamava roubar aos ricos para dar aos pobres, mas o seu conceito original de uns e outros, originou uma ruptura na doutrina que só veio a ter seguidores muito mais tarde, através daqueles grupos radicais armados que se especializaram em assaltar bancos para financiar a revolução
Mas é doutro tipo de descaramentos que eu quero aqui tratar hoje. Há várias expressões modernas que aprendi com os meus filhos, algumas que gosto mais que outras. Uma das que eu gosto mais é a locução à cara podre como sinónimo de descaramento sem vislumbre de embaraço. Pois foi à cara podre e com muita fleuma que João Rendeiro veio à televisão anunciar que o banco que dirige (Banco Privado Português) está num estado deplorável e que, já agora, se propunha utilizar uma linha de 750 milhões de Euros de Avales que o Estado prometera colocar à disposição dos bancos que estivessem em dificuldades.
O problema com a utilização dessa linha por parte dos vários agentes do sector bancário parecia estar a ser a vergonha e as repercussões de se ser o primeiro banco a pedir para a usar. O BPP e João Rendeiro perderam-na, avançaram e não foram modestos no pedir: é que 750 milhões são um montante desmesurado para a dimensão do banco em questão. E a questão não se esgota nesse abuso: é preciso perceber que tipo de banco é o BPP. O BPP é um banco que optou por trabalhar com uma clientela muito selecta (tem só 3.000 clientes) e que se especializou naquilo que se designa por gestão de fortunas
Vários vezes aqui critiquei Francisco Louçã e a demagogia tecnicamente incorrecta que ele por vezes emprega, que se torna imperdoável quando vinda de alguém doutorado em economia. Mas não foi o caso de ontem na AR, onde Francisco Louçã esteve muito bem ao confrontar Teixeira dos Santos com o carácter específico da actividade do BPP. Tal como acontecia com Jesse James, onde não havia diferença prática entre ricos e pobres (vários pobres quando se quotizam equivalem a um rico…), parece não se querer distinguir entre a segurança dos aforradores e dos bancos normais e a dos donos e gestores das grandes fortunas…
Ideologicamente, se se extrai da lógica do funcionamento do capitalismo que é nos períodos de expansão, através daqueles que têm mais espírito empreendedor e gosto pelo risco, que se acentuam as desigualdades sociais, também há que aceitar que é nos períodos de recessão que aqueles que foram mais ousados e que mais se expuseram perdem proporcionalmente mais, reduzindo essas desigualdades. Neste caso do BPP, em que seria talvez capaz de encontrar Louçã singularmente de acordo com aqueles que querem deixar funcionar o mercado, afinal são raros os casos que encontro na blogosfera que querem que ele, neste caso, funcione…

1 comentário:

  1. Caro António

    Provávelmente este governo SOCIALISTA vai ajudar o BPP, não achas? Coitadinhos dos "pobres" 3.000 clientes do banco ... Se isso acontecer, será interessante comparar a acção de um governo socialista (português)com um governo liberal (EUA), que deixou cair o Lehman Brothers ...

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