10 outubro 2008

O OCASO DE UMA ERA?

Em qualquer boa iniciação à cadeira de Marketing cai bem justificar-se a especialidade contando a história dos primórdios da indústria automóvel nos Estados Unidos que, quando devidamente contada, com os bons, os melhores e um certo fundo moral, como os norte-americanos apreciam, acabava por se tornar numa espécie de fábula de La Fontaine – parecida com A corrida da lebre e da tartaruga, mas retocada.
A lebre, no caso, é a Ford Motor Company (acima), empresa que a partir de 1908 tinha começado a produzir o seu Modelo T em série, com a produção pela primeira vez (no sector) organizada por linhas de montagem (abaixo), o que permitira reduzir os custos de produção de tal forma que tornara um automóvel – que era até então um produto de luxo – acessível à classe média norte-americana.

O Ford T veio a tornar-se um enorme sucesso de vendas, foi produzido durante quase 20 anos (entre 1908 e 1927) e tornou-se um modelo que, contado o número de veículos que dele foram construídos, apenas perde à escala mundial para o VW Carocha. Significativamente, a Ford era uma organização virada para dentro, para o aperfeiçoamento dos processos de produção e da redução dos seus custos.
É nessa filosofia que se compreende uma famosa frase atribuída a Henry Ford, o fundador da empresa: Qualquer cliente pode obter um Ford T da cor que ele quiser, desde que seja em preto*. Mas a contrapartida desse aperfeiçoamento industrial também se traduziu numa descida significativa do preço de venda a público do carro. Durante a década de 1920, esse preço equivalia a pouco mais de ¼ do preço original de 1908...

Era nesse momento que se apresentava a tartaruga, a General Motors (GM), empresa fundada em 1908 e que fora crescendo discretamente à sombra do colosso Ford, a partir da reunião de diversos pequenos construtores (abaixo): Buick, Cadillac, Chevrolet, Pontiac,… mais tarde a Opel e a Vauxhall, no estrangeiro. Ao contrário da Ford, na GM a filosofia era diferente: preocupavam-se com os desejos dos consumidores…
Na GM estudava-se marketing, procurava-se ajustar a oferta aos desejos dos clientes, pintavam os carros de cores diferentes, ofereciam crédito, cada marca estava vocacionada para um tipo de cliente distinto – os chamados segmentos de mercado. E, para provar como essa era a abordagem correcta, a história terminava com a GM a ultrapassar a Ford nas vendas, como veio a ocorrer no final dos anos 20.

Se a General Motors ultrapassou a Ford, esta reagiu rapidamente e, durante décadas, as duas empresas, especialmente depois de 1945, permaneceram os dois colossos indisputados da indústria automóvel à escala mundial. Quando me contaram a fábula (já nos finais da década de 70) esse status quo começara a ser perturbado pelos construtores europeus e japoneses, nomeadamente pela Toyota.
Actualmente, quanto a volumes de produção, a história é diferente, a Toyota desalojou a GM do primeiro lugar e a Volkswagen intercalou-se no terceiro lugar entre os dois rivais. Mas é a sua saúde financeira a causa das maiores preocupações. Numa época de Crise como esta, onde nada se pode dar por adquirido, será que os Estados Unidos têm de se preparar para abdicar dos seus dois maiores construtores automóveis?...

* Na realidade, durante os anos iniciais de produção e também durante os anos finais (então devido à concorrência) os Ford T foram produzidos noutras cores que não o preto.

1 comentário:

  1. O Sr. Henry ter-se-á certamente inspirado num “Democrata” de nome Thomas Jefferson e nos seus escravos pretos, antes da Ford variar em matéria de cor.
    No mundo de hoje, também a cor já não é imagem de marca da escravidão. Qualquer uma serve desde que sejam escravos.

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