04 junho 2008

SAVONAROLA

O modelo que se comenta estar a servir de inspiração, ainda que involuntária, a Francisco Louçã nasceu em 1452, na cidade de Ferrara. A sua família de origem, não pertencendo às elites urbanas, era suficientemente remediada para ter conseguido que ele tivesse ido estudar e conseguido – Savonarola era um estudante bem acima da média – uma formação superior em Filosofia. De acordo com a tradição, mais do que os clássicos como Platão e Aristóteles, o filósofo que mais o influenciou terá sido São Tomás de Aquino.

Depois, seguindo a recomendação paternal, haveria que assentar e passar a ser mais prático, obtendo uma outra formação superior em Medicina. No entanto, segundo consta de uma história que não se sabe se será verdadeira ou terá sido reconstituída à posteriori para justificar o resto da sua vida, a sua vida pessoal foi fortemente afectada pela rejeição de uma apaixonada que pertencia à família aristocrática florentina dos Strozzi. Em 1475, com 23 anos, Jerónimo Savonarola tornou-se monge na Ordem dos Dominicanos.
A aplicação demonstrada no estudo da Teologia mostrou à hierarquia da Ordem que o jovem Savonarola era um quadro promissor. Entre 1479 e 1481 foi continuar os seus estudos para Ferrara. E em 1482 veio a ser colocado em Florença como leitor no Mosteiro de São Marcos. Recorde-se como estamos numa época anterior à invenção da imprensa e da alfabetização maciça, mesmo entre as classes com posses. Savonarola era o orador que explicava as escrituras e pregava a purificação e a renovação da Igreja aos fiéis.

Numa das versões, foi o sucesso de Savonarola como orador que levou os Médici, os detentores do poder na cidade, a moverem as suas influências para o fazer retornar a Ferrara. Noutra, mais verosímil, esta primeira passagem de cinco anos (1482-1487) de Savonarola por Florença passou quase totalmente desapercebida. Fosse qual fosse a verdade, o que é certo é que ele retornou a Florença passados três anos (1490), com uma pregação melhorada. ainda mais carregada e com elementos de conteúdo oracular e apocalíptico.
Uma dessas previsões era a de que, brevemente, um poderoso soberano, um novo Ciro, desceria dos Alpes para saquear e castigar os dissolutos italianos. Também previsível e mais importante para o que veio a suceder em Florença do que aquelas profecias de Savonarola foi a morte do velho Lourenço-o-Magnífico em 1492, a quem sucedeu seu filho, Pedro-o-Jovem. O enfraquecimento consequente do regime florentino, não o ajudou a resistir à invasão de Itália que Carlos VIII, Rei de França, promoveu em 1494.

A 17 de Novembro de 1494 Carlos VIII de França entrou solenemente em Florença e esse terá sido o dia 1 do Ano I do regime da Florença teocrática do presciente Jerónimo Savonarola, que antecipara a chegada do poderoso soberano vindo do outro lado dos Alpes. A Guerra que ali levara Carlos VIII era outra, envolvendo as esferas de influência que França e Aragão (Catalunha) possuiriam na península italiana. Mas em Florença a guerra do novo poder revolucionário era contra as práticas e os costumes dissolutos.
470 anos antes dos Guardas Vermelhos da Revolução Cultural chinesa de Mao Zedong (acima), Savonarola recrutou uma força animada de um fervor semelhante entre a juventude florentina. Tão revolucionários e iconoclastas uns quanto outros, também no Século XV, sob o impulso moral de Savonarola, os jovens vasculhavam as casas particulares à procura de objectos chocantes ou prejudiciais à moral para os confiscar. Foram feitas fogueiras com espelhos e caixas de maquilhagem, cartas de jogar e dados, pinturas e livros, etc.

Mas foi a geopolítica e não os excessos do seu regime que abateram Savonarola. O sucesso excessivo da campanha de Itália do seu protector Carlos VIII acabou por criar uma enorme coligação contra o Rei francês e, por consequência, contra si, o seu aliado principal na Itália central. A coligação incluía o Imperador Germânico Maximiliano I, os Reis Católicos, Fernando e Isabel e o Papa, Alexandre VI. Apesar de todos os defeitos, Alexandre (abaixo) era o superior de Savonarola que não era um reformador revolucionário como Huss, Lutero ou Calvino.
Por efeito da diplomacia e das manobras das potências da coligação, todas as conquistas italianas de Carlos VIII esfumaram-se em 1495 e Savonarola, isolado, veio a ser excomungado por Alexandre VI em Maio de 1497. Caracteristicamente, o episódio da sua deposição também foi acompanhado de uma cenografia adequada em benefício da opinião pública florentina. Um monge franciscano, a soldo do Papa, desafiou Savonarola para um Juízo de Deus (uma prova de fogo) a que o próprio franciscano também se submeteria.

Esse Juízo de Deus decidiria se a excomunhão lançada sobre Savonarola era ou não justa, se ele seria ou não um enviado de Deus… A notícia do desafio correu logo a cidade e Savonarola viu-se enredado numa armadilha da qual não podia fugir. O Juízo foi marcado para 7 de Abril de 1498 e construiu-se um estrado de madeira que, depois de ser incendiado, os dois competidores (Savonarola far-se-ia representar por um dos seus mais fieis partidários) deveriam percorrer por duas vezes em chamas: uma em cada sentido.
O dia chegou e, perante a expectativa geral, a prova não teve lugar. No dia seguinte, a oposição devidamente municiada com a ausência de Savonarola lançou os boatos necessários para que o fizessem prender com a concordância da população indignada. O monge dominicano foi interrogado com os devidos requintes de tortura que o fariam confessar tudo o que se entendesse. Mas foi devido a essa confissão que Savonarola teve o privilégio de ser enforcado antes de ser queimado na fogueira a 23 de Maio de 1498…

3 comentários:

  1. Excomungado já Louçã foi, há muito tempo e provas de fogo tem-nas de 15 em 15 dias no Parlamento diante de um papa-deputados feroz como é o primeiro-ministro.
    Se Savonarola vivesse hoje talvez predissesse que uma convulsão social pode não estar longe e que acontecerá, primeiro, em França.
    Para alastrar.
    Louçã tem um perfil de inquisidor, mas faz falta quem agite o pântano...

    ResponderEliminar
  2. Já Garcia Pereira compara-se a Giordano Bruno:)

    Mas há um pormenor que não compreendi: escreveu que Carlos VIII de França entrou em Itália com o apoio de Aragão, e que contra ele se levantou uma aliança constituída, entre outros, pelo Papa, o Sacro Império e os Reis Católicos. Mas nessa altura Castela e Aragão não estavam já unidos, pelo casamento de Isabel e Fernando? Como é que podiam ser adversários em facções diferentes?

    ResponderEliminar
  3. João Pedro:

    Escrevi que a Guerra que levara Carlos VIII a Itália era a que se enquadrava na disputa entre França e Aragão pelas respectivas esferas de influência.

    Os Estados do Papa desempenhavam um papel de "amortecedor" na Itália central entre as regiões de influência francesa (a Norte) e as de influência aragonesa (a Sul).

    Desde o princípio, França e Aragão eram os principais contendores e a invasão de Carlos VIII terminou mesmo com a conquista de Nápoles, capital das possessões aragonesas em Itália.

    Era "sucesso" a mais para os outros interessados, como o Papa e o Imperador Germânico, que tinha as suas possessões austríacas.

    Talvez não se entenda bem, mas a referência que lhe faço é lateral, porque o destaque do poste vai para a Guerra de Savonarola contra o luxo, a imoralidade, erc.

    ResponderEliminar