27 junho 2008

A ESTRUTURA SOCIOLÓGICA DA POPULARIDADE DE ANTÓNIO DE SPÍNOLA

Segundo uma teoria original que me foi explicada, uma parte dos erros políticos cometidos por António de Spínola depois do 25 de Abril deveram-se a uma percepção deficiente da sua parte quanto à popularidade que ele armazenara entre os portugueses (e entre os guineenses, acrescente-se) quando na Guiné. Enquanto comandou aquele Teatro de Operações, Spínola tornou-se conhecido (e também popular) por visitar as unidades no mato (acima), falando com os soldados, ouvindo as suas queixas e procedendo, de quando em vez, a medidas justiceiras de substituição de comandos com grande espavento.

Esta última medida não lhe granjeava grande popularidade junto do corpo de oficiais (como seria de esperar…), o que se veio a agravar ainda com o tratamento preferencial dado a um grupo de oficiais que lhe era próximo (depois conhecido pela designação de oficiais spinolistas…) para cujos critérios de admissão – dizia-se – se contava, para além dos naturais casos de mérito, com a frequência do Colégio Militar e/ou a origem da Arma de Cavalaria. Vir-lhe-iam depois a custar caro dentro do MFA, mas essas acusações de um favoritismo descarado eram questões corporativas a resolver entre os profissionais.
No que se referia aos amadores (i.e., os milicianos), com o tempo tornou-se evidente um padrão nas visitas de Spínola: entre a obrigatoriedade de falar com o Comandante da unidade, um Tenente-Coronel (no caso de um batalhão) ou um Capitão (no caso de uma companhia), e o desejo de cativar as bases (o Zé soldado), parecia nunca lhe sobrar tempo para mostrar interesse pelos outros graduados da unidade, tanto oficiais como sargentos, onde os milicianos normalmente costumavam estar em maioria. E eram esses os quadros que, depois de desmobilizados, estariam destinados a liderar a sociedade civil…

Numa eventual contagem de votos que tivesse havido logo em 1974, os votos de um antigo soldado e de um antigo graduado teriam o mesmo peso. Mas, nas manobras e contra-manobras de formação da opinião pública no Verão de 1974, a neutralidade, senão mesmo a hostilidade dos segundos em relação à figura de Spínola tornaram os apelos populistas deste, culminados no da manifestação da Maioria Silenciosa (abaixo) de 28 de Setembro, numa verdadeira exibição gratuita da sua impotência. Por essa altura, parecia que eram os comunistas que já tinham as massas populares devidamente enquadradas...
Mudando de assunto, vai para aí uma grande indignação depois de umas afirmações proferidas pelo Ministro da Agricultura Jaime Silva, a respeito das orientações ideológicas de alguns dirigentes de duas organizações de agricultores, a CNA (de extrema esquerda) e a CAP (da direita conservadora). Segundo o que se lê, parece que aquela constatação constituiu coisa grave e que a indignação do PCP e do PP é infinita. A coisa deve ter tido tal gravidade que a notícia que agora circula é que o próprio José Sócrates desautorizou Jaime Silva assumindo ele próprio a condução das negociações.

Muito menos amplificada mediaticamente, mas não menos indignada, parece ser a reacção do presidente do Conselho de Reitores das Universidades às afirmações do Ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, a respeito da incapacidade dos reitores não conseguirem gerir as suas Universidades com as dotações orçamentais que lhes foram atribuídas para este ano. Neste caso, até ver e apesar da vontade manifestada pelos reitores, José Sócrates não mostrou qualquer vontade de assumir a condução das negociações. Considerando a interpretação que dei ao episódio histórico acima contado, parece-me que Sócrates faz mal.
Como outrora Spínola se terá esquecido do efeito multiplicador da sua popularidade e boa imagem junto dos quadros milicianos do seu exército, também Sócrates, que anda agora atrás de camionistas (acima), agricultores ou taxistas, não se deve esquecer desse mesmo efeito junto das elites do seu país. É que assim Jaime Silva parece sair desautorizado por dizer o óbvio e Teixeira dos Santos parece sair impune por proferir um paradoxo: se aqueles que são os nossos melhores quadros intelectuais se queixam que não conseguem gerir as suas instituições com aqueles orçamentos, então quem conseguirá?

Vozes anónimas sussurrarão sarcasticamente que para o conseguir o que é preciso mesmo é ser-se titular de um certo tipo de licenciatura, incluindo a indispensável cadeira de Inglês Técnico… É fácil de adivinhar a origem de tais comentários, mas recuperando Spínola e os pormenores ridículos, lembremo-nos da rapidez com que o monóculo e o pingalim (por causa deles Spínola era tratado original e simpaticamente pela alcunha de Caco Baldé* ou simplesmente Caco…) passaram de acessórios excêntricos para adereços ridículos

* Caco em alusão ao monóculo e Baldé trata-se de um apelido muito comum entre os fulas, etnia guineense que apoiara quase unanimemente os portugueses.

7 comentários:

  1. O monóculo e o pingalim passaram a ser usados por Spínola depois das suas visitas de estudo à frente leste alemã durante a invasão à Rússia (com a divisão Azul, diz-se); eram adereços usados pelos oficiais de cavalaria da velha guarda prussiana, pelo que começou a usá-los (dando-lhe já um certo ar de marechal, como se prevesse o futuro).
    Mas essa versão cusa-me algumas dúvidas, porque "Caco" era a alcunha que já trazia do Colégio Militar; aliás,sempre que conhecia alguém que lá tivesse andado, mesmo algum jovem cabo, impunha-lhe logo que, em ocasiões privadas, o tratasse por Caco ou pelo número que tinha usado no Colégio.

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  2. Mais um poste de excelência. Um hino à inteligência.

    Relativamente ao senhor do monóculo, limito-me a um (H)ELP e chega, não tenho pachorra para mais.
    Já o Sr. Silva –este– diz disparates mas, há sempre um mas, pensando bem, nunca se sabe se andam para aí uns senhores a querer trocar de jeep e não me refiro à CNA, como é óbvio.
    Quanto à “vontade” dos Reitores é óbvio que Sócrates terá dito, parafraseando o conhecido vendedor da Tvi: uma pessoa não se “licenceia” para isto…

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  3. João Pedro:

    As suas contribuções para estas caixas de comentários são tão específicas (e preciosas...), que me obrigam a "mostrar" o que deixei de parte, por não ter interesse para o objectivo do poste.

    Sobre a passagem de Spínola pelo Colégio Militar apenas sei que teve o nº33 e que pertencia ao curso de 1920 (nº 33/20) e que chumbou um ano, pois só de lá saiu em 1928.

    Por curiosidade, refira-se que Spínola pertencia ao mesmo curso de entrada de um outro oficial general que normalmente não se refere que, para além de Costa Gomes (nº 254/24), também faltou à cerimónia da "Brigada do Reumático": o Almirante Tierno Bagulho, o nº 298/20. Também ele foi demitido...

    Resta dizer, como prova de como o generalato português dessa época era uma casta fechada que se conhecia desde há muito tempo, que o orador, como oficial mais graduado, da dita cerimónia foi o General Leite Brandão... o nº 245/22.

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  4. E com todos estes ex-alunos do CM, cometi a indelicadeza de não agradecer nem o sorriso da Maria do Sol, nem os elogios do JRD.

    As minhas desculpas.

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  5. Eu que estive na guerra colonial, em Angola, nunca tive outra interpretação acerca da estratégia populista de Spínola no espaço da guerra que não fosse a aplicação da chamada "Acção Psicológica" que fazia parte do programa de formação militar para a guerra em todas as colónias. O que terá distinguido particularmente o gen. Spínola é que este levava a questão a sério... - talvez porque levasse especialmente a sério a causa colonialista.

    O que terá grangeado o prestigio de Spínola nas vésperas do 25 de Abril foi o seu livro "Portugal e o Futuro". Depois, a adesão ao MFA.

    E o que o tornou indesejado foi a sua pretensão de concentrar poderes e desviar a Revolução dos objectivos progressistas que prosseguia. Para já não falar do seu papel no ELP.

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  6. Mal sabe quanto o sorriso merece agradecimento! :)
    É que o sorriso poupou... que lhe contasse como, no dia 25 de Abril de 1974, no largo do Carmo em Lisboa, eu quase ia fazendo saltar o monóculo do General...
    :)

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