30 abril 2008

O REI DA ILHA

Muitas daquelas pequenas ilhas costumam ter o seu rei, personagem popular que se costuma destacar pelo exotismo do resto da pequena comunidade local. Ainda mais para Sul da Sicília, a Itália tem duas dessas pequenas ilhas, quase propositadamente concebidas para terem reis, que se chamam Pantelária (com 83 km² e 6.000 habitantes) e, aquela que nos interessa para contar a história deste rei, Lampedusa (com 25 km² e também 6.000 habitantes).
Vale a pena comparar a localização estratégica destas ilhas no centro do Mediterrâneo que é muito equivalente à de Malta (316 km² e 402.000 habitantes). Durante a Segunda Guerra Mundial, tivesse havido uma outra disposição combativa e uma outra utilização dos seus recursos por parte dos italianos e o controlo do Mediterrâneo Central que foi exercido pelos britânicos a partir da sua possessão maltesa ter-se-ia revelado muito mais difícil, senão mesmo impossível.

Lampedusa é uma ilha aprazível, que geologicamente pertence ao continente africano – está situada a pouco mais de 200 km das costas da Sicília, mas apenas a 115 km das costas da Tunísia. Para a alcançar, a viagem num barco vindo de Itália dura cerca de oito horas, mas vindo da Tunísia, a durção é sensivelmente metade desse tempo. O nome da ilha recorda-nos o autor do famoso livro O Leopardo, Giuseppe Tomasi di Lampedusa (1896-1957), que foi um descendente directo dos senhores feudais da ilha.
Mas a suserania daqueles foi posta claramente em causa durante a Segunda Guerra Mundial, A 10 de Junho, os Aliados, vencedores recentes da Campanha na Tunísia, haviam desencadeado uma ofensiva sobre a ilha de Pantelária que havia sido precedida de uma intensa campanha de bombardeamento de dez dias sobre a guarnição da ilha. Esta, comandada pelo Almirante Gino Pavesi, rendeu-se no dia imediato. A tese dos que defendiam a eficácia dos bombardeamentos parecia justificada.

A tese foi seriamente abalada quando, dois dias passados, a 13 de Junho, um piloto de um Swordfish britânico com dificuldades de orientação, o Sargento Sidney Cohen (abaixo), teve que fazer uma aterragem de emergência em Lampedusa e, mesmo sem a necessidade de qualquer bombardeamento prévio, a guarnição da ilha (uma companhia de 127 homens) se rendeu espontaneamente ao piloto recém-chegado… Escusado será dizer que, a partir daí, Cohen passou a ser conhecido como o Rei de Lampedusa Ao contrário de muitos outros feitos militares gloriosos, de que apenas se podem ouvir as descrições, é possível recorrer ao You Tube e às imagens de uma aterragem de um monomotor no actual aeródromo de Lampedusa para podermos reconstituir aproximadamente como teriam sido os momentos cruciais do Sargento Cohen, desde o alívio de salvar a própria vida num avião em dificuldades, à resignação de ser feito prisioneiro pelos italianos, à glória de ser considerado o conquistador da ilha…

29 abril 2008

MOMENTO AUTO CONGRATULATÓRIO E DE AGRADECIMENTO

Não sei se repararam, mas este blogue passou a apresentar-se com um novo ícone, personalizado: um H e um A. A quem tanto labutou pela sua criação, um grande obrigado...

KOSOVO – O GENERAL QUE NÃO VAI SER CONDECORADO

A TSF deu hoje grande relevo às declarações do Major-General Raul Cunha a respeito da política prosseguida pela União Europeia em relação ao Kosovo. A posição do entrevistado, que é o principal conselheiro militar da Missão da ONU estacionada naquele novo país, é extremamente crítica quanto ao comportamento que tem sido assumido por alguns dos países membros da União Europeia, nomeadamente os maiores países que a constituem.
Posso questionar-me, de forma cínica, que factor poderá estar por detrás da notoriedade dada precisamente nesta altura às opiniões daquele militar português. Tenho contudo de reconhecer que o Major-General não tem guardado as suas opiniões apenas para ele: já na altura da declaração unilateral da independência do Kosovo, em Dezembro de 2007, ele afirmara na SIC-Notícias que considerava o novo país economicamente inviável.
Admito que os interesses da ONU, cuja Missão militar Raul Cunha chefia e defenderá, coincidam apenas nos aspectos mais gerais mas não rigorosamente com os prosseguidos pela União Europeia. Mas a sua denúncia é que estes últimos, enquanto tal, parecem não existir sequer: o que existirá é um somatório de interesses geoestratégicos das maiores potências europeias, que estarão descoordenados e serão até provavelmente concorrentes entre si.
É muito provável que os próceres da integração europeia em Portugal não se mostrem muito interessados em refutar (pelo menos nas mesmas bases concretas...) as críticas produzidas pelo Major-General. Há escolhas de carreira óbvias: ao proferir aquelas declarações, aquele oficial general já deve estar desconfiado que terá prescindido de uma condecoração europeia idêntica à que distinguiu recentemente a emérita jornalista Teresa de Sousa...

27 abril 2008

SURPRESAS AGRADÁVEIS

É simpático constatar como a programação televisiva diversificada de um Sábado à noite ainda é capaz de nos vir a surpreender agradavelmente, como aconteceu ontem à noite, com uma série televisiva antiga da BBC (datada de 1999) que se intitula Warriors.
Trata-se da história pessoal de alguns militares britânicos que, a partir de 1992, foram destacados para a antiga Jugoslávia como Capacetes Azuis da ONU. O excelente trabalho da câmara acaba por criar no espectador uma empatia com as suas frustrações ao tornarem-se testemunhas impotentes dos massacres e das limpezas étnicas que ali tiveram lugar.
Se por diversas vezes já aqui alertei que os militares, em geral, não são preparados para desempenhar funções policiais, a série também levanta claramente muitas dúvidas que aqueles militares (apesar de serem profissionais) tivessem sido preparados e tivessem alguma utilidade naquelas funções e naquelas circunstâncias, como forças de interposição…
Resta adicionar que esta magnífica (mas pesada) série sobre guerra passou à 1 da manhã e no improvável canal SIC Mulher, precedendo o Dr. Phil… Se alguém quiser arriscar uma explicação para a compatibilidade da série com a lógica do resto da grelha de programação do canal, a caixa de comentários está à sua disposição...

BATER NO FUNDO

Bater no Fundo é uma expressão que tenho ouvido a ser usada (e abusada) a respeito desta crise que actualmente grassa dentro do PSD. Antes de produzir afirmações destas conviria fazer sondagens mais vastas para saber quão fundo o fundo pode ser noutras paragens.
Imagine-se que o PSD não está na oposição mas acabou de regressar ao poder, e que o presidente do partido é um especialista naquele tipo de contactos clandestinos que adivinhamos a Pinto da Costa, é dono de um enorme dispositivo informativo e mediático a seu favor como aquele que Francisco Balsemão possui e que profere afirmações públicas do mesmo cariz das de Alberto João Jardim…
Claro que, se não adivinharam já, a situação política e a pessoa existem mesmo: chama-se Sílvio Berlusconi e eu, se fosse italiano, estaria deveras preocupado. Porque, entre outras coisas, teria uma companhia aérea de bandeira que é um gigantesco buraco financeiro irreformável; ou porque teria uma administração pública pejada de fannulloni que bloqueiam todas as tentativas de reformas

Claro que com o mal dos outros podemos nós bem, mas então, aquela tradição irritante de invocar os outros não deve ficar reservada apenas para as comparações que nos põem na cauda da Europa… Porque, ao contrário do que acontece em Itália, em Portugal parece ainda haver (alguma) vontade de reformar a sociedade…

26 abril 2008

BICARBONATO PARA UMA DIVISÃO

A batalha pela ilha de Walcheren, que foi travada no Outono de 1944, não tem nada de especial que a distinga de muitos outros conflitos localizados que se travaram na Frente Ocidental entre unidades aliadas e alemãs naquela época. Como se pode observar pelo mapa acima, o objectivo dos Aliados era o de libertar o curso inferior do Rio Escalda da presença de tropas alemãs, para que pudessem vir a utilizar o porto de Antuérpia (que se situa a montante naquele Rio) para um melhor reabastecimento logístico das suas unidades combatentes.
Mas, se as unidades aliadas que estiveram envolvidas na Batalha – a 2ª Divisão Canadiana de Infantaria e a 52ª Divisão das Terras Baixas Escocesas – nada tinham que as distinguissem em particular, isso não se passava com a unidade defensora – a 70ª Divisão Alemã de Guarnição – que se notabilizava por ser composta quase exclusivamente por dispépticos – i.e., soldados com problemas digestivos vários. O rancho para os homens da Divisão era assim sempre de dieta, e aquela unidade ganhara no Exército alemão a alcunha de Weissen Brot (Pão Branco).
A cerimónia da rendição final da 70ª Divisão ficou à altura, em surrealismo, da sua reputação anterior. A 6 de Novembro de 1944, o seu Comandante, o General Wilhelm Daser (acima) que, como seria de esperar, também sofria do estômago (...), dispôs-se a render-se com os 2.500 homens que lhe restavam, mas, como se estava a fazer tarde, só o faria após uma reparadora noite de sono para si e para os seus homens… E os britânicos e canadianos que os cercavam (que eram apenas 250…) tiveram, por bom senso, que concordar com essas tréguas nocturnas...

25 abril 2008

O TV 7 de 28 de Abril de 1974

Muito melhor que os Capitães de Abril da RTP1, a RTP Memória preferiu passar no mesmo dia um programa de informação da época, intitulado TV 7 que fora transmitido a 28 de Abril de 1974. Apresentavam-no Luís Filipe Costa e Maria Margarida e, seguindo a estética televisiva criada 3 dias antes por Fialho Gouveia, além dos apresentadores andarem descontraidamente pelo cenário, tornava-se obrigatório acender e fumar um ou dois cigarros durante o programa...
Em contrapartida, naquela época embrionária do PREC, os convidados ainda tinham de se sentar… E aquele TV 7 estava repleto deles, que eram quase todos caras novas na televisão daquela época. Entre outros, Maria Lamas, Victor Wengorovius, Carlos Carvalhas, Blasco Fernandes, Arons de Carvalho e, o mais importante de todos, Baptista-Bastos, que, pasme-se, já então contava aquelas histórias sem propósito algum, mas que ainda usava gravata…
Ainda não foi desta que fiquei a saber onde Baptista-Bastos estava no 25 de Abril, mas fiquei a saber que estivesse onde tivesse estado, ainda estava de gravata e não de laço…

OUTRAS MANEIRAS DE COMEMORAR ABRIL...

Em retrospectiva, apercebi-me que este blogue está a criar uma tradição em Abril em cima de uma outra tradição de Abril: a televisão repete pela enésima vez o filme Capitães de Abril e eu escrevo (mais) um poste denunciando que, ao contrário do vinho do porto, o filme de Maria de Medeiros continua a mesma merda de sempre… Confirmou-se ontem na RTP1, mas quem criou o slogan 25 de Abril Sempre!, não devia estar a pensar concretamente no filme...
É que se o espírito for o de criar efemérides em Abril a propósito de filmes merdosos que tivessem sido financiados pelo erário público sempre podiam reservar, além daquele a 25, o dia 1 de Abril (o tradicional Dia das Mentiras) para a reposição evocativa na televisão de Branca de Neve (é aquele filme - acima - onde o ecrã aparece todo preto…) da autoria de João César Monteiro. E faço meus os votos que Fascismo e Merdas destas nunca mais!

24 abril 2008

I DID! I DID! I SAW A PUSSYCAT!

Tweety até pode ser um passarinho simpático mas também é um passarinho céptico. Sempre que se encontra com o Gato Silvestre que o contempla salivando em antecipação, manifesta-nos as suas dúvidas sobre o que os seus olhos estão a ver: - Pareceu-me ter visto um gato… Será que era um gato?... Era, era! Era mesmo um gato
E o Conselho Nacional do PSD de ontem parece ter tido vários momentos de cartoon, desde a tentativa de promover a candidatura de Yosemite Sam Jardim, até a um verdadeiro momento Tweety colectivo, onde os conselheiros mostraram a sua incredibilidade se era mesmo Pedro Santana Lopes que se estava a propor regressar
Era, era! Queria mesmo regressar! Mesmo estando a fazer uma espécie de travessia do deserto, pelo menos na perseverança em regressar ao poder, Pedro Santana Lopes tem demonstrado uma determinação equivalente ao do Coyote que persegue incansavelmente o Bip-Bip

23 abril 2008

GALILEO

Deixem-me exprimir o meu cepticismo quanto ao conteúdo da notícia que nos informa que o Parlamento Europeu deu hoje autorização definitiva à implementação do sistema de navegação por satélites Galileo. A prática já demonstrou que o Parlamento Europeu costuma ser muito mais forte em proclamações do que na implementação de decisões.
Ser-me-ia mais confortável que a redacção da notícia contradissesse directamente uma outra, que foi publicada há cerca de seis meses naquele mesmo jornal, onde o Ministro dos Transportes alemão assegurava que Berlim nunca poderia apoiar as propostas da Comissão Europeia para financiar o sistema de navegação por satélite europeu Galileo.

Num dia em que um outro Parlamento aprova o Tratado de Lissabon, ao menos usemos a expressão alemã original Realpolitik com a devida propriedade: é que o controlo dos meios financeiros desta União reforçada, aquela que os deputados do PS e PSD hoje aplaudiram de pé, não reside em Estrasburgo, assim como as grandes decisões sobre política nacional não se tomam em São Bento...
Quanto àqueles que, até nestas coisas do GPS, abusam da ingenuidade quando ao propósito das objecções americanas, relembremos outras preocupações com tecnologias europeias do passado: por exemplo, com a poluição sonora causada pelo avião Concorde (1970), quando foi proibido pelo próprio Congresso de voar sobre os Estados Unidos e de assim explorar o mercado dos seus voos domésticos…

BALDUÍNO IV, O REI LEPROSO

Balduíno IV (1161-1185) foi o 6º Rei do Reino de Jerusalém, aquele que foi o mais importante estado fundado pelos cruzados no Médio Oriente em consequência do sucesso registado com a Primeira Cruzada em 1099: a Conquista de Jerusalém. Mas, como se comprova pelo mapa abaixo, as pequenas dimensões do estado faziam com que o título de Reino fosse mais exuberante do que a realidade, numa época medieval em que a posse de terras agrícolas eram o verdadeiro apanágio da prosperidade.
De entre o contingente de cruzados houve quem escolhesse regressar ao país de origem e quem optasse por se instalar definitivamente no Oriente. Foi o caso dos antecessores de Balduíno IV, o primeiro dos quais, que também se chamava Balduíno, era originário de Bolonha, no Norte de França. Como era prática da época na região de onde eram originários, ele foi escolhido pelos seus pares e coroado pelo Patriarca em Belém em 25 de Dezembro de 1100*, como Balduíno I de Jerusalém (na gravura abaixo).

Como numa colónia europeia típica do Século XX naquelas paragens, a comunidade de origem europeia nunca foi numericamente significativa em qualquer daqueles estados, embora a ela pudessem pertencer quase todos os membros da elite: a politica, a militar e a religiosa. Mas a excepção seria a elite económica, porque os circuitos comerciais entre o oriente e o ocidente parecem ter permanecido em mãos locais. Mas também a própria elite de origem europeia se foi aculturando com o decorrer do tempo.
Balduíno I (1058-1118) morreu sem herdeiros. O trono passou para um primo seu, também chamado Balduíno (Balduíno II), que reinou de 1118 a 1131, mas que deixou apenas filhas, todas já nascidas no Oriente, a mais velha das quais veio a herdar o trono: Melisende (1105-1161). Mas o seu consorte, Fulco I (1089-1143), era um cruzado experiente originário da Europa. Foram os pais de Balduíno III (1130-1162), o quarto rei, cujas disputas com sua mãe (1150-1154) fazem lembrar as que Afonso Henriques tinha tido em Portugal com a sua…

Sem descendência, a Balduíno III sucedeu o seu irmão Amalrico I (1136-1174) e a este, seu filho Balduíno IV (1161-1185), o Rei Leproso, que se tornou rei ainda jovem (13 anos, abaixo uma gravura com a descoberta da doença), mas já se sabendo condenado. Para além dos tradicionais problemas criados pelos critérios de sucessão medievais – que podiam colocar o poder efectivo nas mãos de titulares incapazes de o exercer – as famílias reais destes estados tinham uma alta taxa de mortalidade associadas a baixas taxas de natalidade para as compensar…
Podem-se atribuir as responsabilidades do facto ao clima, talvez à consanguinidade ou ainda a um infeliz encadeamento de coincidências, mas Balduíno III morreu com 32 anos, Amalrico I com 38, Balduíno IV com 24 e o seu sucessor e sobrinho, Balduíno V, atingiu apenas os 9 anos (1177-1186). Compare-se esta fragilidade com a dos nossos monarcas contemporâneos: Afonso Henriques, que morreu com (uns excepcionais) 76 anos (1109-1185) ou Sancho I com (uns razoáveis) 58 anos (1154-1212)**.

Não fora o desaparecimento posterior do Reino de Jerusalém (1291) mais o desinteresse pela Causa da Recolonização da Terra Santa e Balduíno IV, mais a história de um leproso condenado à doença desde criança e que morreu no seu posto na defesa da cristandade, teria tido todas as condições para se tornar num outro mártir da causa cristã, tal qual aconteceu com Luís IX de França (abaixo, 1214-70), um outro Rei-Cruzado falecido por doença no cumprimento do dever (na Tunísia) e canonizado uns meros 27 anos depois da sua morte…
* A recordar a coroação de Carlos Magno pelo Papa no Natal de 800, mas completamente diferente da entronização de Afonso Henriques como Rei de Portugal daí a 40 anos…

** Além da longevidade, a diferença na natalidade também é notável. Sancho I teve mais 6 irmãos, dos quais apenas 2 irmãs alcançaram a idade adulta, e teve 11 filhos, 8 deles atingiram a idade adulta.

22 abril 2008

AS TASCAS DO BECO

É uma história antiga, mas permanece actual. Numa cidade de província, havia um daqueles becos sem saída onde se aglomeravam várias tascas que disputavam a clientela. Certo dia, uma das tascas resolveu autopromover-se, iniciando uma guerra publicitária:

A MELHOR TASCA DA CIDADE!

Respondeu a vizinha: A MELHOR TASCA PORTUGUESA!

E a outra, para não lhe ficar atrás: A MELHOR TASCA DO MUNDO!

Restava o dono da tasca do fundo, a última, que, sendo o último a ser lido pela potencial clientela, escolheu o melhor slogan: A MELHOR TASCA DESTE BECO!

Como se vê, confirma-se o ditado que diz que quem ri no fim ri melhor, e recentemente houve um sítio interessante para apreciar isso: na conferência de imprensa dada pelo treinador do Liverpool, o espanhol Rafael Benitez, ao apreciar a equipa do Chelsea, com quem a sua hoje se defronta para a Liga dos Campeões. Não há diferenças entre este Chelsea e o do ano passado, a não ser nas conferências de imprensa (de José Mourinho)... E prosseguiu: Eles estiveram na Final da Taça da Liga, estão nas meias finais da Liga dos Campeões e na corrida pelo título. É claro que têm muito bons jogadores.
Tudo isto tem a sua piada irónica, é espectáculo e entretenimento, uma disputa de egos, mas não nos esqueçamos que o futebol propriamente dito já não é para aqui chamado…

DO DÓLAR PARA O PETRÓLEO PARA O PÃO…

Depois de meses consecutivos em que a comunicação social arranjava as explicações mais estapafúrdias para o aumento encadeado do preço do petróleo já se aceita agora uma outra explicação bastante mais consequente, adiantada inicialmente em surdina e sem grande acolhimento (por mim também): a de que o petróleo estava (e continua…) a ser usado como um investimento financeiro. Desenvolvendo em linguagem de leigos: embora mal distribuído, se há coisa que não falta neste mundo é dinheiro, e se a angústia de maioria é como o obter, a angústia de uns poucos é a de saber em que é que devem converter todo aquele dinheiro que possuem para que não fiquem mais pobres
Estamos numa época má para esses poucos. Durante anos, aqueles poucos que eram estrangeiros estiveram convencidos que nos Estados Unidos eram gente séria porque, nos próprios Estados Unidos, os poucos que eram de lá naturais andavam convencidos que o seu próprio património imobiliário era valiosíssimo... Afinal não era, e uma das coisas que sofreu com essa descoberta foi a reputação da própria moeda norte-americana: agora saiu de moda possuir dólares, que se desvalorizam quase quotidianamente em comparação com outras divisas (o euro, o iene ou a libra, por exemplo) e é preferível aos poucos convertê-los em qualquer coisa: petróleo, por exemplo…
Surpreende-me francamente que não tenha havido ninguém de entre os excelentes quadros do Banco Mundial que ousasse fazer uma analogia entre aquilo que agora já se reconhece estar a acontecer no mercado petrolífero com o que pode estar a acontecer no mercado dos cereais. Segundo aquele organismo, o aumento da cotação dos cereais no último ano, que se cifrou em 130% no trigo, 87% na soja, 74% no arroz ou 31% no milho, deveu-se ao aumento da procura, ao mau tempo em alguns países produtores que reduziu as suas colheitas e à redução das áreas cultivadas, que foram reconvertidas para a produção de biocombustíveis.
Com a devida humildade, todas aquelas explicações prestadas pelo Banco Mundial não me convencem. Embora possa suspeitar das razões políticas pelas quais organismos com aquelas responsabilidades não queiram assumir a analogia entre o comportamento do mercado dos cereais e o do petróleo, o raciocínio é simples. Aqueles poucos angustiados quanto à aplicação as suas fortunas tendem a tornar-se prudentes depois das épocas de euforia como as que atravessámos. De entre a miríade de bens que consumimos, há aqueles que continuarão a ser indispensáveis: os alimentares. Investir neles, será melhor aposta que no petróleo e será isso que alguns estarão a fazer…

Como no caso do petróleo, no caso dos cereais daqui a alguns meses veremos…

21 abril 2008

A FOTOGRAFIA DA MINISTRA DA DEFESA

Presidente do Governo: José Luis Rodríguez Zapatero
Vice-Presidente e Ministra da Presidência: María Teresa Fernández de la Veja
Vice-Presidente e Ministro da Economia e Fazenda: Pedro Solbes Mira
Ministro dos Assuntos Exteriores e Cooperação: Miguel Ángel Moratinos Cuyaubé
Ministro da Justiça: Mariano Fernandéz Bermejo
Ministra da Defesa: Carme Chacón Piqueras
Ministro do Interior: Alfredo Pérez Rubalcaba
Ministra do Fomento: Magdalena Alvarez Arza
Ministra da Educação e Ciência: Mercedes Cabrera Calvo-Sotelo
Ministro do Trabalho e Imigração: Celestino Corbacho Chavez
Ministro da Indústria, Turismo e Comércio: Miguel Sebastián Gascón
Ministra do Meio Ambiente, Meio Rural e Marinho: Elena Espinosa Mangana
Ministra das Administrações Públicas: Elena Salgado Méndez
Ministro da Cultura: César Antonio Molina Sánchez
Ministro da Saúde e Consumo: Bernat Soria Escoms
Ministra da Habitação: Beatriz Corredor Sierra
Ministra da Ciência e Inovação: Cristina Garmendia Mendizábal
Ministra da Igualdade: Bibiana Aído Almagro
Este é o elenco do actual governo espanhol seguindo escrupulosamente a hierarquia com que é apresentada no site oficial da Presidência do Governo. Entre os 18 nomes, há 9 homens e 9 mulheres. Esse rigoroso equilíbrio (tão propagandeado…) entre sexos na composição governamental torna-se muito mais duvidoso quando se vêem as pastas que foram atribuídas a uns e outras. Já se sabe que os ministérios nem teoricamente são todos iguais: há uns mais iguais que outros e se o orçamento atribuído a cada um for uma medida dessa igualdade é nítido como na lista acima uma hipotética adição dos orçamentos dos ministérios em que o titular é masculino (a começar pelo da Economia e Finanças…) superaria a soma resultante do agrupamento dos ministérios das suas colegas (a terminar no da Igualdade…).
Depois, há a fotografia acima que tem feito o encanto da esquerda folclórica, o da Ministra (da Defesa) espanhola, Carme Chacón, grávida e com roupa a condizer, a passar revista às tropas. A fotografia é indiscutivelmente simbólica, mas disso não passa. O que já cheguei a ler aqui na blogosfera sobre a fotografia é que se torna quase doloroso, tal é a superficialidade… É que o mundo da igualdade entre sexos tem que ser analisado muito para além das imagens… A França teve durante cinco anos (2002-2007) uma Ministra da Defesa, chamada Michèle Alliot-Marie (abaixo - ela é actualmente a Ministra do Interior e do Ultramar…), sem que se tenha notado que Daniel Oliveira ou Ana Gomes se tivessem posto aos pulos de alegria por esse facto… Terá sido porque não lhe deu para engravidar durante o período que ocupou o cargo?
Pessoalmente, considero que não será controverso antecipar que uma gravidez irá provocar uma ausência prolongada no desempenho de qualquer cargo, ministerial ou outro, na pasta da Defesa ou em outra qualquer… É um factor a considerar na nomeação de uma titular, designadamente em cargos de carácter político… Que a ostentação disso seja razão para Ana Gomes elogiar Zapatero nem me merece qualquer comentário…Tanto a Finlândia (Tarja Halonen) como o Chile (Michelle Bachelet) têm presidentes que são mulheres. Mas é só nisso que são iguais; dispenso-me de explicar as diferenças do papel da mulher na sociedade e na política dos dois países. Quem se empolga assim com minudências produzidas para propaganda, legitima a atitude daquelas corporações norte-americanas que não são sexistas nem racistas: têm uma Vice-Presidente preta…

Nota Final: Reparem que fiz como Zapatero: também tive o cuidado de equilibrar os sexos entre as referências a autores de trivialidades sobre este assunto (Ana Gomes e Daniel Oliveira)...

20 abril 2008

AVANTE: DOS PROBLEMAS DOUTRINÁRIOS AOS PROBLEMAS JORNALÍSTICOS

Devo começar por confessar que nunca fui leitor do Avante. Sou-o mais agora porque ele passou a estar disponível on-line. E tornou-se um gosto porque há formas de cobrir certos assuntos que só ali se conseguem ler. Como é o caso, num exemplo assinalado pelo blogue Câmara Corporativa, da curiosidade do regozijo manifestado pelo jornal pela vitória do Partido Comunista do Nepal (Maoista) nas recentes eleições constituintes ali realizadas.

Mas estas fraternidades recentes entre Partidos Comunistas irmãos acabam por levantar outros problemas para além das divergências quanto à interpretação do marxismo-leninismo ou do desconforto quanto à valia doutrinal do maoismo: um deles é a ignorância completa de quem escreve no Avante em (por assim dizer...) nepalismo, i.e., sobre as realidades e os protagonistas da vida política nepalesa….
Escreve-se no Avante: «Este é um voto para a República Federal Democrática», considerou Pachandra Path, presidente do Comité Central do PCN (m) citado pela Agência France Préss.

Que a agência de notícias francesa AFP, que apenas difunde as notícias que interessam ao grande capital, desconheça que o líder do PCN (m) tenha o nome de guerra de Prachanda (e não Pachandra, como ali se escreve) aceita-se: são os defeitos inerentes do sistema capitalista… Que a mesma agência tenha confundido a pessoa (Pushpa Kamal Dahal, de seu nome verdadeiro) com a linha ideológica do partido (Prachanda Path, em tradução directa mas mal copiada do inglês…), será culpa desse agente da desinformação capitalista mundial que dá pelo nome de Wikipedia conjugada com um jornalista pressionado por causa do sistema de exploração do homem pelo homem
Agora, o que já não se percebe é como o órgão central de um Partido Comunista irmão, com tantos laços ideológicos a uni-los, acabe por publicar uma sucessão de erros como aqueles… Num jornal que contém no seu cabeçalho um orgulhoso Proletários de todos os países, UNI-VOS!… nem se percebe. Como país, os proletários do Nepal não contam?...

Ou estamos perante um daqueles casos de adepto de clube que a torcer, é um grande torcedor, agora não sabe lá muito bem qual é a composição da equipa?...

DE UMA INGENUIDADE DE JOÃO E MARIA

João e Maria é o título de uma música de Sivuca, com letra de Chico Buarque, tocante pela sua inocência infantil:
Agora eu era o herói
E o meu cavalo só falava inglês
A noiva do cowboy
Era você
Além das outras três

Eu enfrentava os batalhões
Os alemães e seus canhões
Guardava o meu bodoque
E ensaiava um rock
Para as matinês

Agora eu era o rei
Era o bedel e era também juiz
E pela minha lei
A gente era obrigada a ser feliz

E você era a princesa
Que eu fiz coroar
E era tão linda de se admirar
Que andava nua pelo meu país

Não, não fuja não
Finja que agora eu era o seu brinquedo
Eu era o seu pião
O seu bicho preferido

Sim, me dê a mão
A gente agora já não tinha medo
No tempo da maldade
Acho que a gente nem tinha nascido

Agora era fatal
Que o faz-de-conta terminasse assim
P´ra lá deste quintal
Era uma noite que não tem mais fim

Pois você sumiu no mundo
Sem me avisar
E agora eu era um louco a perguntar
O que é que a vida vai fazer de mim
A reportagem sobre Cuba da autoria de Fernando Alves que a TSF passou esta manhã parecia-me, no espírito, a verdadeira versão ajustada da infância para a juventude da letra de João e Maria, mas destinada especialmente àqueles que hoje rondam os 60 anos e que naquela altura quiseram revolucionar o Mundo.
Conheço quem, enquadrando-se nesse perfil, tenha querido tirar a limpo recentemente aquela realidade dos seus sonhos de juventude e tenha de lá saído completamente desapontado; afinal, dizia-me, nós aqui (Portugal – PREC) falávamos de 48 anos de fascismo e eles lá vão a caminho dos 50 de revolução e é aquela miséria…
Ou fazendo minha a crítica no Blasfémias da parte de alguém que provavelmente não pertencerá à geração de Fernando Alves que se quer deixar deliberadamente embevecer pelas brincadeiras revolucionárias do passado: As proibições são obsoletas? Como se tivessem sido actuais? Como se tudo aquilo alguma vez tivesse feito sentido?

«SIDESHOWS» DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL (7) – A BATALHA DE DAKAR

Depois do Armistício firmado entre franceses e alemães a 25 de Junho de 1940, a percepção britânica de quais seriam as ameaças mais prováveis que incidiriam sobre o Reino Unido era extremamente influenciada pelas análises da Royal Navy. É que Winston Churchill, acabado de chegar ao cargo de Primeiro-Ministro (desde Maio) transitara directamente de Ministro do Almirantado* para a chefia do governo… E o pesadelo da Royal Navy era a hipótese que a Marinha de Guerra francesa, apesar das várias cláusulas preventivas do Armistício, pudesse vir a cooperar com a Wehrmacht na Invasão de Inglaterra

Nas tentativas para impedir aquilo que veio a revelar-se uma paranóia, os britânicos desencadearam duas operações militares de sucesso medíocre e que vieram a revelar-se um clamoroso desastre político, apenas disfarçado pela continuação dos acontecimentos. A primeira operação militar desenrolou-se a 5 de Julho de 1940, numa base naval francesa da Argélia, chamada Mers-el-Kébir, que já havia mencionado colateralmente num outro poste, a segunda operação foi esta Batalha de Dakar, outro fiasco, mas com o condimento da disputa política interna entre a França Livre (de Gaulle) e o Estado Francês (Pétain)…

Além das bases navais de Brest e Toulon em França e da de Mers-el-Kébir, Dakar, no Senegal, era uma outra das bases onde ficara convencionado que as unidades navais francesas ficariam internadas até ao fim das hostilidades (naquela época, entre alemães e britânicos). Por outro lado, o movimento da França Livre fundado por de Gaulle tinha, por esta altura, uma expressão ridícula. Tanto, que nos princípios de Agosto de 1940, fora um enorme golpe de propaganda que as autoridades da África Equatorial Francesa (AEF**) se desligassem da obediência a Vichy e passassem a reconhecer a autoridade gaullista.

Mas, como base logística e fonte de recursos, a AEF continha apenas cerca de 3 milhões de nativos e menos de 6.000 europeus... O objectivo mais desejável dos gaullistas era o de aliciar a muito mais importante África Ocidental Francesa (AOF***), cuja capital era Dakar. Em vez de tentar atraí-los com aquelas manobras de bastidores, que costumam ser tão do agrado da cultura francesa, por sugestão de Churchill a de Gaulle, juntou-se o útil ao agradável: uma expedição francesa para persuadir a administração colonial de Dakar, apoiada numa frota britânica que estava mais interessada nos navios da base naval…

De Gaulle aproveitou as suas Memórias para ridicularizar Churchill e sacudir responsabilidades, descrevendo-o a profetizar como a operação de Dakar decorreria sem problemas, terminando à noite num agradável jantar entre conversores e convertidos, com brindes à vitória aliada… É óbvio que não aconteceu nada daquilo, mas a ironia de de Gaulle não faz esquecer que ele não sai de toda a história isento das suas culpas. A frota britânica era interessante, mas não imponente: 1 Porta-aviões, 2 Couraçados, 5 Cruzadores e 10 Contratorpedeiros, acompanhando uma força de desembarque de 8.000 homens.

Depois de Mers-el-Kébir, a presença da frota britânica ao largo não era propriamente uma ajuda à delegação enviada a terra por de Gaulle. A composição desta, escolhida de entre o que de Gaulle podia seleccionar de entre a nata da sociedade francesa, também parecia constituída de propósito para irritar os representantes tradicionalmente experimentados da escola da Administração Colonial Francesa**** que os aguardavam em terra. Os membros da delegação nem saíram do cais e, quando resistiram à ordem de reembarque, foram alvejados com uma rajada de metralhadora que feriu o neto do Marechal Foch

Houve depois uma tentativa de desembarque empregando o batalhão da Legião Estrangeira da França Livre. As reconstruções históricas pretendem que terá sido de Gaulle, perante a resistência, a ordenar que desistissem para que não corresse mais sangue francês... A realidade foi outra: o desembarque fracassou e a mítica Legião Estrangeira falhou na sua missão… Seguiu-se um duelo naval, entre as peças de terra (abaixo), as dos navios ancorados e as dos que entretanto zarparam com a frota britânica, com perdas para os dois lados. Dois ultimatos endereçados ao Governador-Geral Pierre Boisson foram por este olimpicamente ignorados…

Acumulando 600 baixas entre marinheiros e soldados do corpo expedicionário, o Almirante Cunningham decidiu finalmente retirar-se. A eventualidade de um futuro novo entendimento entre franceses e britânicos passou de remota a impossível. Para o francês médio, o episódio consagrou a imagem de de Gaulle como uma marioneta dos ingleses. A AOF só veio a abandonar a obediência a Vichy em Dezembro de 1942. Mas a vingança de de Gaulle serviu-se fria: Pierre Boisson continuou em funções e só passado quase um ano (em Novembro de 1943) é que ele foi julgado em Argel e condenado à demissão com perda da pensão de reforma…

* O título do cargo é First Lord of the Admiralty, que se pode traduzir por Primeiro Lorde do Almirantado. Funcionalmente pode-se equipará-lo ao de um Ministro da Marinha.
** Chade, Congo, Gabão e a actualmente designada República Centro-Africana.
*** Benim, Burkina Faso, Costa do Marfim, Guiné-Conakry, Mali, Mauritânia, Níger e Senegal.
**** Como exemplo da meritocracia em vigor, o Governador-Geral da AEF que se pronunciara a favor da França Livre chamava-se Félix Éboué, era negro, embora originário da Guiana Francesa (América do Sul), e neto de escravos.

19 abril 2008

«SIDESHOWS» DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL (6) – A CAMPANHA DAS ALEUTAS

Se houver um sítio realmente apropriado neste mundo para Judas ter perdido as suas famosas botas são as ilhas Aleutas. Trata-se de um arquipélago de ilhas de origem vulcânica, com a disposição de um rosário de cumes de uma cordilheira que assenta numa grande falha tectónica que, partindo do Alaska, vai perder-se no meio do Oceano Pacífico. Algumas dezenas das ilhas do arquipélago (que são mais de 300 no total) contêm vulcões activos. Com um clima assemelhando-se ao da Islândia, não surpreende que a população local seja escassa: eram cerca de 8.000 no censo de 2000.

Embora pertencente aos Estados Unidos, não fora a famosa expansão, a colonização interna e o mito da fronteira que assim tornara o extenso arquipélago norte-americano. Não havia nada de épico na transacção que em 1867 os norte-americanos haviam acertado com os russos, comprando-lhes o Alaska e, com ele, as ilhas Aleutas por 7,2 milhões de dólares. Não deixava por isso de ser um território verdadeiramente norte-americano (ao contrário de outras possessões coloniais) e foi contando com isso que os japoneses fizeram os seus planos de guerra.

Para os princípios de Junho de 1942, quando o Japão ainda detinha a iniciativa da Guerra, o seu Estado-Maior Imperial concebeu um ataque simultâneo de duas forças anfíbias protegidas por forças aeronavais: um dos alvos era o atol de Midway, à volta do qual se travou a Batalha Aeronaval que tem o seu nome (4 de Junho) e que é considerada um dos pontos de viragem da Segunda Guerra Mundial no Pacífico; o outro alvo eram as ilhas de Attu e Kiska, situadas no extremo ocidental (acima) da cordilheira de 1.900 km de extensão das ilhas Aleutas.

Ao contrário de Midway, em Kiska e Attu (6 e 7 de Junho) a vitória foi japonesa – e nem chegou a haver uma verdadeira resistência norte-americana. Os problemas começaram foi depois e primeiro para os japoneses. É que todos os reabastecimentos das guarnições tinham que ser importados e transportados à mão (e Attu tem 893 km²…) em condições meteorológicas horríveis: um pesadelo logístico. Os norte-americanos estabeleceram um verdadeiro bloqueio naval aos comboios de reabastecimentos japoneses, que precisavam de escoltas poderosas.

Num desses encontros, travou-se a quase desconhecida Batalha Naval das ilhas Komandorski* (27 de Março de 1943), provavelmente a última batalha naval travada nos termos clássicos entre armadas de grandes potências (com duelos de artilharia e torpedos, mas sem intervenção de meios aéreos). O resultado da batalha foi inconclusivo, os norte-americanos – em desvantagem material – tiveram a sorte do seu lado, mas parte dessa sorte foi consequência das cautelas do Almirante japonês com os meios aeronavais norte-americanos – que, por acaso, daquela vez não existiam…

De qualquer modo, passado pouco mais de um mês, em 11 de Maio, os norte-americanos desembarcaram em Attu. Dada a extensão da ilha, os japoneses haviam decidido não se opor aos desembarques mas entrincheirarem-se nas montanhas donde lançaram um contra ataque suicida final em 29 de Maio, num local que ficou conhecido como a Baía do Massacre… Os norte-americanos só fizeram 28 prisioneiros, mas, de entre as quase 4.000 baixas sofridas, menos de metade haviam sido causadas directamente pelos japoneses. O frio, acidentes e doenças haviam feito o resto…

Para que se evitasse uma repetição do mesmo, o desembarque de 15 de Agosto em Kiska foi precedido e acompanhado de um bombardeamento maciço das unidades navais que acompanharam as forças anfíbias (norte-americanas e canadianas) que ali desembarcaram. Estragando o enredo do final desta história, os japoneses haviam evacuado prévia e camufladamente a ilha… Mesmo assim, entre mortes causadas por fogo amigo, por armadilhas deixadas para trás pelos japoneses ou por acidentes e doença chegou-se a um total de 313 mortos e quase 3.000 baixas…

Ainda hoje se especula sobre quais seriam as intenções japonesas ao conquistar aquelas duas ilhas. Há quem afirme que era um ataque para dispersar a atenção dos norte-americanos da ofensiva sobre Midway; há quem defenda que se destinava a criar um ponto de defesa avançado contra quaisquer ataques contra o Japão vindos por aquele flanco norte**. O que não levanta dúvidas é o potencial de combate e os efectivos que cada antagonista empenhou: no final da Campanha do lado dos Aliados haviam sido 144.000, do lado do Japão 8.500…

* A Batalha Naval travou-se a 160 km a Sul das ilhas Komandorski que eram soviéticas, potência que era então neutral naquele Teatro de Operações.
** Pessoalmente prefiro a primeira explicação. A segunda, tendo em consideração os enormes problemas logísticos com que os dois lados se defrontaram, parece uma daquelas explicações de estratega que esquece as realidades por detrás dos mapas e que acha que eles são iguais a tabuleiros de xadrez