08 março 2008

TORTILLAS PARA OS DALTON

Que as relações fronteiriças latino-americanas são tradicionalmente assuntos bastante delicados já se sabia. No álbum Tortillas Para os Dalton, e precisamente por causa deles, o México esteve em vias de declarar guerra aos Estados Unidos e, no entanto, por essa vez, a culpa que os famosos bandidos estivessem em território mexicano nem tinha sido dos culpados tradicionais destes enredos - os Dalton ou, mais genericamente, o governo dos Estados Unidos.
O culpado fora um bandido mexicano chamado Emílio Espuelas (abaixo) que se especializara em raptos e resgates e que, ao avistar do outro lado da fronteira uma carruagem guardada (que levava os Dalton), julgou que ela transportava algo de precioso e resolveu fazer um raide ao outro lado da fronteira para a roubar. E foi assim que os famosos primos Dalton tiveram direito à sua primeira verdadeira experiência turística intercultural!
Gastronomicamente, a experiência parece ter-se revelado estimulante, especialmente para Averell Dalton (abaixo), que aprendeu a fazer a sua pergunta canónica (Quando é que se come?) no idioma espanhol (Cuacu mé kiki?), além de ter descoberto novos pitéus insuspeitados da culinária mexicana (P: Como é que se chama esta crosta deliciosa que está à volta dos frijoles? R: Chama-se tacho de barro, amigo...). Mas não nos desviemos do assunto…
Porque o assunto original girava à volta de relações fronteiriças delicadas, de incursões transfronteiriças, de raptos e de resgates, o que nos conduz directamente à Colômbia, à sua fronteira com o Equador, às FARC e à notícia, da semana passada, que o exército colombiano conduziu uma operação em território equatoriano* contra um acampamento das FARC donde resultou a morte de dezenas de guerrilheiros e de um dos seus dirigentes, Raul Reyes.
Mas o meu poste é dedicado ao tratamento informativo dado ao episódio pelo PCP que é digno, pela imaginação, de um René Goscinny. Assim, do ataque colombiano ao acampamento dos guerrilheiros, quais escuteiros travessos, resultou aquilo que é classificado como o assassinato de Raul Reyes, que devia andar por aquelas paragens de violão, feito animador cultural para cantar à noite junto à fogueira. E, claro, concluí-se que a culpa foi toda dos norte-americanos!
As FARC já são hoje mundialmente conhecidas: trata-se de uma organização criminosa que se rodeia de um papel celofane de ideologia revolucionária, e que demonstra ter um enorme poder, daqueles que só se conseguem adquirir num país que está tão desestruturado como a Colômbia. Para essa desestruturação contribuem os norte-americanos consumindo cocaína, mas não propriamente o seu governo, por muito que isso custe aos redactores do PCP
Depois de acabarem presos na primeira história em que aparecem, os Dalton são quase sempre representados em todas as aventuras seguintes envergando uma farda prisional às riscas amarelas e negras, frequentemente amarrados a grilhetas, obcecados pela evasão e unidos pelo seu ódio rábico a Lucky Luke. René Goscinny morreu em 1977, mas os seus Dalton parecem ser uma paródia cómica da malta do PCP que é encarregada de escrever aqueles textos…

* Facto que a Colômbia assumiu e pelo qual já pediu desculpa. Aliás, pelas notícias mais recentes, as divergências entre o Equador e a Colômbia parecem ter sido sanadas.

6 comentários:

  1. Estou certo que ambos temos um distanciamento total de todas as organizações ou estados que usam os diversos tipos de sequestro para conseguir os seus fins, sejam eles quais forem.
    Sem intuitos polémicos, o mesmo não se passa com a interpretação que ambos fazemos do papel do governo dos USA na situação da Colômbia, porque eu não creio que sejam os cocainómanos norte-americanos que obrigam às monocultura no país ou sustentam no poder o Sr. Uribe.
    A propósito, conhece as mais recentes declarações , em Paris, do filho de Ingrid Betencourt?

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  2. JRD:

    Não querendo iludir a sua questão, gostaria de centrar a conversa no teor central do poste, que fala de uma série de BD cómica, e da forma inacreditável como o PCP e o seu jornal noticiaram acontecimentos. E a minha pergunta é: reconhece-se no teor daquele comunicado e daquela notícia?

    É que esse é que é o assunto central do poste.

    Depois há o assunto muito mais vasto do problema colombiano e
    para não evadir a sua questão, não conheço as declarações do filho de Ingrid Betancourt.

    Mas note que nem a considero importante: apenas me socorro da sua imagem porque ela tem impacto; felizmente para ela, tem sido dada imensa publicidade à sua situação. Ao contrário de um número desconhecido de outros raptados pelas FARC...

    E nesta altura gosto de fazer uma pausa, para ver se alguém me explica o fenómeno destes raptos à luz do marxismo-leninismo...

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  3. Não sou um conhecedor nem tão pouco apreciador de Banda Desenhada. É um deficit assumido, lamento mas não posso acompanhar o registo.
    Ainda não conhecia o comunicado/notícia do Avante, mas não me revejo nele, apesar de não ter dúvidas em concordar com outros comentários sobre outros assuntos. Não sou preconceituoso porque sou livre.
    Talvez não me tenha expressado convenientemente, pensava que o meu primeiro parágrafo era suficientemente claro. Admito o abuso, porque estou em casa alheia, mas na dicotomia Farc/Uribe-governo norteamericano, optei por enfatizar a vertente que me pareceu ser desvalorizada.
    Além do mais os seus excelentes posts, são tão vastos que tenho que ser selectivo quando comento e opto pelo que "mais me convém", desde que não saia do enquadramento. Creio que é justo.

    Já agora aqui vai:
    http://noticias.uol.com.br/ultnot/efe/2008/03/06/ult1808u114108.jhtm

    Cumprimentos
    jrd

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  4. Feita a tal pausa, agradecendo-lhe os elogios que me endereçou, confesso-lhe que, do que conheço do regime colombiano, ele também não goza da minha particular simpatia. Ainda para mais porque, ao contrário do que escreveu, não creio que o regime precise de ser sustentado pelos Estados Unidos para subsistir.

    Os regimes latino-americanos em geral (há alguns mais democráticos, há outros disfarçados de democracias formais e outros que nem isso) são muito mais resistentes do que se pensa e já mostraram que subsistem perfeitamente, bastando os Estados Unidos mostrarem-se passivos.

    E arrisco-me a afirmar que aquelas sociedades geram fenómenos sociológicos marginais, de combate ao poder central, como serão os casos das FARC (que reclamam ser marxistas-leninistas), o “Sendero Luminoso” peruano (maoistas) ou o Primeiro Comando da Capital (PCC) brasileiro (de que já aqui falei - que esse nem é nada…).

    Antigamente, a análise de política internacional do PCP, gostasse-se ou não dela, tinha um Norte e estava estruturada: em qualquer cenário alinhava-se com os interesses geopolíticos da União Soviética. Hoje, anda à toa, porque só tem um Sul: o de estar sempre ao contrário dos interesses geopolíticos dos Estados Unidos.

    É esse desnorte que os leva a cometer uma data de disparates, como produzir elogios velados a terroristas religiosos como Bin Laden ou a organizações sem qualquer ética como são estas FARC. Sabe que a Máfia siciliana também lutou contra o fascismo italiano? Isso não é razão para que o PCI a elogiasse publicamente, não acha?

    A conversa esticou-se um bocadinho fora do programa mas, creia-me, é sempre um prazer discordar de si...

    Cumprimentos

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  5. Se ninguém ainda disse , digo eu, que as pequenas discordâncias são a melhor maneira de se chegar a eventuais acordos.
    Peço-lhe que não considere como elogios as referência que faço ao seu blogue,são poucos os que visito regularmente e não obstante a subjectividade da avaliação, sou mesmo exigente e selectivo na minha escolha e procuro ser frontal e honesto na apreciação.
    No bth posso, dentro da linha que há muito defini, manifestar com à vontade as minhas concepções –generalistas. Em casa alheia “comporto-me” ou então espreito e desando.
    O seu último comentário forneceu-me tantas pistas que, mesmo pesando as minhas limitações, seriam capazes de me levar longe, a dar a volta ao mundo .
    Vamos certamente, sem pressas, ter mais oportunidades para discretear sobre os assuntos.
    Apenas lhe digo que, para mim, os USA nunca agiram (agem) com passividade, têm é maneiras diferentes de se mostrarem activos, consoante a conjuntura e o capataz de serviço, exemplos: Baptista, Somoza, Stroessner, Papa Doc ou então Videla, Pinochet, Castelo Branco ou ainda Uribe, Calderon, etc.

    Vidé sff:

    http://bonstemposhein.blogspot.com/2007/03/pradaria-j-no-o-que-era.html


    Mudando a agulha ( mas pouco).Creio que estamos de acordo se disser que o terrorismo, todos os terrorismos, pintados de vermelho ou negro , com estrela, estrelas ou estrelinhas, são excrescências da humanidade.
    A Máfia -(demo-cristã (?)- lutou contra o fascismo, também o os Talibãs lutaram e com que apoios, contra o comunismo.
    De facto, tudo isto é muito relativo. Desculpe o tempo que lhe tomei
    Cumprimentos

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