12 janeiro 2008

YES, PRIME MINISTER (2) – de UM CONFLITO DE INTERESSES até à DEFESA DA GRÃ-BRETANHA

Havia eu acabado precisamente de publicar o poste anterior sobre a prudência demonstrada por Vítor Constâncio a respeito dos sucessivos acontecimentos no BCP, quando dou por mim a ler um artigo precisamente dedicado a isso, saído no Público de hoje, assinado por Luís Campos e Cunha. É um texto corajoso, contra a corrente dominante, e sobretudo muito bem construído e persuasivo, capaz de impressionar, como se constata pela impressão deixada neste poste onde o autor retirou aquilo que do artigo considerava essencial. Contudo, e mantendo-me nos anglicismos do meu poste anterior, at the end of the day*, considero que os responsáveis dos órgãos de supervisão, como é o caso de Constâncio, não passam impolutos…

É pedagógico e salutar, mas fundamental, ler escrito que a primeira responsabilidade dos actos pertencem a quem os praticou (na metáfora empregue por Teixeira dos Santos, são eles o ladrão, e concordo com Campos e Cunha que nunca nos devemos esquecer disso) Em segundo lugar, ele assinala que existe um organismo de auditoria interna dentro do banco que nada tinha vindo a apontar. Para Luís Campos e Cunha isto é um primeiro mistério, mas convém elucidar quem o leia que esse órgão de auditoria normalmente depende dos órgãos de topo do banco, precisamente onde teriam lugar as pessoas que estão agora sob suspeita. Talvez essa auditoria interna só costume ser eficaz a partir de certos escalões da hierarquia para baixo...
Em terceiro lugar, Campos e Cunha lembra (e muito bem) que as contas do BCP são também certificadas por uma empresa de auditoria externa denominada KPMG e que essa organização externa também não assinalou nada… Mas posso arriscar afirmar que o BCP deve ser um dos principais, senão mesmo o principal cliente da KPMG em Portugal, e que não é boa política comercial indispor os responsáveis executivos do BCP que os contratam, mostrando ser uma organização particularmente metódica e inquiridora**. Quanto à pergunta (muito pertinente) de Campos e Cunha, porque ninguém fala da KPMG, apenas posso falar por mim: porque a inépcia da empresa não me lesou directamente, visto que não sou accionista do BCP***

Retornando à metáfora de Teixeira dos Santos, tendo já falado dos ladrões, dos guarda- nocturnos e dos funcionários da Securitas, falemos agora da polícia e dos agentes da autoridade propriamente ditos. E aqui Luís Campos e Cunha entra em plena justificação corporativa. Citemo-lo: (…) a CMVM e o BdP não certificam as contas dos bancos (…) partem dessa contabilidade auditada e certificada para a sua actividade e, se quiserem, fazem perguntas e inspecções. Mas qualquer pessoa ligada à supervisão, em qualquer parte do mundo, dirá que se uma empresa está determinada a fazer uma ocultação deliberada consegue enganar as autoridades de supervisão. Ou é apanhada pelas auditorias (…), ou há uma denúncia, ou passa incólume.
Descodificando, e mantendo até ao fim a metáfora de Teixeira dos Santos, como bem pretende explicar Campos e Cunha, afinal com esta polícia, se não houver denúncia, nem é questão de saber quem é o ladrão, é de nem saber sequer que houve roubo… Mas há um facto que ele se esqueceu de dar o devido destaque em todo o seu artigo: o de que quem é escolhido para encabeçar tanto a CMVM como o BdP o ser por razões políticas e portanto passíveis de serem julgados precisamente por esse mesmo critério… Como o próprio Campos e Cunha assinala, a meio da citação do parágrafo anterior: (…) e, se quiserem, fazem perguntas e inspecções. Não o tendo querido, independentemente do apreço pelo carácter dos visados, haverá um preço a pagar por essa (não) decisão…

O facto de uma das vítimas colaterais de todo o processo poder vir a ser o próprio Ministro das Finanças em exercício, só o torna ainda mais embaraçoso. Mas assumir assim administrativamente que as autoridades financeiras de supervisão em Portugal não podiam ter feito nada neste caso, faz lembrar mais um daqueles famosos diálogos do Yes, Prime-Minister:
Sir Humprey: - Bernard, qual é a finalidade da nossa política de defesa?
Bernard: - Defender a Grã-Bretanha.
Sir Humprey: - Não, Bernard! É fazer com que as pessoas acreditem que a Grã-Bretanha está defendida.
Bernard: - Os russos?
Sir Humprey: - Não, os russos não, os britânicos! Os russos sabem que não está…

Adoptando a ironia, também aqui se corre o risco de vir a descobrir – com a gravidade que se adivinha... – que a CMVM e o BdP (organismos sob tutela governamental…) apenas existiam para nos fazer crer que o mundo dos negócios estava sob controlo. Os operadores que nele laboravam é que sempre souberam que não estava… Agora mais a sério, e referindo-me à forma como Luís Campos e Cunha termina o seu artigo: as pessoas que ele considera decentes e corajosas também comentem erros graves e dispensa-se a petulância de quase querer passar pelo único que, na defesa das suas opiniões, não se envolve em guerras partidárias e lutas de sociedades semi-secretas.

* Expressão que se poderá traduzir por, ponderando todos os factores.
** Foi precisamente isso que aconteceu com a Arthur Andersen, uma das cinco maiores empresas de auditoria do mundo que auditava as contas da Enron, escândalo a que Campos e Cunha também faz referência no seu artigo. Aliás, nessa época (2001) e a esse propósito foi produzida muita literatura sobre as falhas enormes onde assentavam os sistemas de controlo das empresas cotadas em bolsa.

*** Não deixa de ser uma pergunta extemamente pertinente a que 0s accionistas principais do BCP e a própria KPMG poderiam responder... Mas ele há tantas perguntas pertinentes sobre assuntos misteriosos que permanecem ainda hoje por responder... Por exemplo, porque nunca ninguém escrutinou e comentou o trabalho desenvolvido pela Eurosondagem nas últimas eleições presidenciais e ela continua por aí à solta?

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