03 dezembro 2007

ANANDA KRISHNAN

Suponho que ninguém tenha ouvido falar até agora deste senhor. Trata-se de um multimilionário, a segunda pessoa mais rica da Malásia (a revista Forbes atribui-lhe uma fortuna de 6 mil milhões de dólares*), e, embora seja uma pessoa muito discreta e procure comportar-se com a maior neutralidade política que lhe é permitida, é um exemplo que incorpora vários problemas da Ásia do futuro e da necessária repartição de esferas de influência que China e Índia ali terão que fazer.

Embora cidadão malaio (onde nasceu em 1938), a sua família é de origem tamil. Os tamiles são uma das grandes nações culturais indianas, precisamente a que se localiza no extremo sudeste do subcontinente e que está organizada num estado designado por Tamil Nadu (62 milhões de habitantes e 130.000 Km²). Mas também há uma minoria tamil no vizinho Sri Lanka com cerca de 4 milhões de pessoas. As origens familiares de Ananda Krishnan remontam precisamente a essa comunidade tamil do Sri Lanka.
A Malásia moderna continua tão etnicamente complexa como à data da independência (1957): grosseiramente, cerca de 65% da população são malaios (a população original), 25% são chineses e 10% indianos. Por causa da subversão ali desencadeada depois da Segunda Guerra Mundial**, as autoridades coloniais britânicas desenvolveram ali programas de discriminação positiva em favor da comunidade malaia. O problema é que as autoridades da Malásia independente mantiveram esses programas. Até hoje, a integração nacional na Malásia não tem progredido muito...

Tradicionalmente, as comunidades indianas no estrangeiro (África do Sul, Maurício, Fiji, Trinidad e Tobago) não se distinguiram pelo seu activismo político militante. A da Malásia não foi excepção. Preferem dedicar-se ao comércio e Ananda Krishnan pode ser considerado como o mais bem sucedido de todos os seus correligionários. A questão é que as novas gerações parecem não se estar a reconhecer no seu exemplo, preferindo protestar contra as medidas oficiais de discriminação a que continuam sujeitas, 50 anos depois da independência…
Mas, como se viu acima, a comunidade indo-malaia é bastante compósita quanto à sua origem e, significativamente, os radicais que lideram os protestos preferiram apostar na faceta religiosa: a coligação de organizações que os promove escolheu baptizar-se de Hindu Rights Action Force (Hindraf) e não Indian Rights Action Force… Cerca de 20% dos indianos da Malásia não serão hindus, mas sim muçulmanos (que é também a religião da esmagadora maioria dos malaios), cristãos e sikhs…

Por causa da guerra civil no Sri Lanka, o governo estadual de Tamil Nadu (os tamil serão cerca de 60 a 70% da população da comunidade indiana na Malásia) ganhou uma reputação de possuir uma política externa autónoma, que às vezes esquece as instruções vindas de Nova Deli… Mas também não é de excluir que o governo federal indiano conte precisamente com essa reputação… A verdade é que este aparecimento súbito do extremismo religioso hindu na Malásia é uma verdadeira novidade, sem que houvesse precedentes sérios.
Tradicionalmente, a comunidade mal comportada era a chinesa. Foi com base nela que arrancou a guerra subversiva (1948-60), e mais tarde houve outro momento crítico, quando chegaram à Malásia as ondas de choque da Revolução Cultural… E não se pode excluir que os acontecimentos sejam interpretados em Pequim como uma jogada indiana (e norte-americana) a que há que responder… À frente de Krishnan, o homem mais rico da Malásia (8 mil milhões de dólares) chama-se Robert Kuok Hock Nien… Alguém adivinha a que comunidade pertence?...

* Para comparação, na mesma lista Belmiro de Azevedo está muito lá para trás, com uns míseros 2,3…
** Um dos dois únicos casos em que os britânicos se orgulham de ter vencido uma guerra subversiva.

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