14 novembro 2007

O PODER AERONAVAL SOVIÉTICO

Sucintamente, ao longo da sua história e como se pode constatar vendo um mapa, a Rússia nunca foi uma potência marítima e a sucessora União Soviética também não. Na eventualidade de uma III Guerra Mundial, a União Soviética seria a potência continental e o papel que a Marinha Soviética teria de desempenhar seria o de dificultar o exercício da supremacia no mar por parte da potência marítima, os Estados Unidos.
Repetindo precisamente o que acontecera nas duas Guerras Mundiais anteriores com britânicos e alemães, competiria aos norte-americanos manter as vias marítimas abertas e aos soviéticos, através do recurso à arma submarina, bloqueá-las. Esta é a essência do grande quadro estratégico do período da Guerra-Fria, por isso os soviéticos tinham imensos submarinos e por isso os norte-americanos tinham imensos porta-aviões…

Uma das descobertas posteriores ao fim da Segunda Guerra Mundial é que as aeronaves são a melhor plataforma de luta anti-submarina. Os porta-aviões podem ter aquelas virtudes de projecção de poder à distância através daqueles combates naqueles filmes do estilo TopGun, mas uma das razões principais, e menos conhecida, para que haja tantos é o seu papel como bases de apoio para as armas anti-submarinas mais eficazes.
Foi essa ignorância da opinião pública que permitiu à NATO atribuir um significado desmesurado ao aparecimento do primeiro porta-helicópteros soviético em 1967, o PKR Moskva. As iniciais PKR são a abreviatura de Protivolodochny Kreyser (Cruzador Anti-Submarino) e, desta vez, os russos não estavam a dissimular: era mesmo essa a função do navio e a da frota de helicópteros que o equipava - 18 Kamov Ka-25.

Mas os mitos criados pela Segunda Guerra Mundial, com as gigantescas batalhas aeronavais travadas no Pacífico entre americanos e japoneses, só faziam realçar a capacidade ofensiva dos flat-tops(1) junto da opinião pública ocidental que se interessava por esses assuntos. E a ocasião apresentava-se boa demais para que, nos Estados Unidos, não se aproveitasse para solicitar um aumento de meios para fazer face à nova ameaça
Na realidade, os serviços de informações ocidentais sabiam como a União Soviética, mais preocupada no desenvolvimento da arma submarina se deixara atrasar décadas no ramo tecnologicamente muito sofisticado da guerra anti-submarina. Por outro lado, as informações que os serviços de informações soviéticos iam colectando apontavam que, em caso de conflito, a superioridade soviética sob a superfície seria desafiada…

Ao contrário das Guerras Mundiais precedentes, em que os enfrentamentos se fizeram entre a armada submarina e a armada de superfície, os cenários para a próxima Guerra incluiriam um conflito directo entre as armadas de submarinos dos dois lados. E é por causa desta evolução que os soviéticos passaram a perceber que também estariam sob uma ameaça submarina e que a importava combater.
Mas a verdade é que a Marinha foi sempre a última prioridade entre os ramos das Forças Armadas soviéticas. Isso não invalida que o Almirante Gorshkov, que a dirigiu durante quase 30 anos (1956-85), gozasse de uma publicidade e notoriedade no Ocidente que, possivelmente, não teria na sua terra natal... As suas ambições e proclamações eram ideais para o reforço dos orçamentos anuais da US Navy

Quando a classe seguinte apareceu, em 1975, o PKR Kiev, um Cruzador Anti-Submarino muito maior que a classe anterior (42.000 tons. em vez de 18.000) foi a histeria total… Por um lado, pela época em que apareceu (os norte-americanos haviam acabado de perder o Vietname…), por outro, porque a nova unidade continha os primeiros aviões embarcados soviéticos (Yaklovev Yak-38) e tinham logo capacidade VTOL (2)!
Na verdade, os cruzadores soviéticos eram navios concebidos para várias funções simultaneamente e, como as fotografias mostram, nem aproveitavam todo o espaço disponível a bordo para a pista de aviação. Uma boa parte do seu armamento eram mísseis para ataque a outros navios e o conjunto do poder de fogo, quer em quantidade quer em qualidade, não se podiam comparar a qualquer porta-aviões ocidental (3).

Mas a propaganda da ameaça aeronaval soviética tinha de ter imensa força. Tanta que se desenhavam cenários da ocupação soviética da base naval da baía de Cam Ranh no Vietname, que fora desocupada pelos norte-americanos depois de 1975. À falta de fotografias assinalando uma presença naval soviética significativa, faziam-se desenhos da base, imaginando-se a presença de unidade anfíbias (em primeiro plano), prestes a invadir os países vizinhos…
(1) Flat-top é uma designação iniciática baseada na aparência dos porta-aviões, que se pode traduzir por topo plano (flat), referindo-se à pista, normalmente ao longo de toda a extensão do navio que encima os porta-aviões e porta-helicópteros.
(2) VTOL: Vertical take-off and landing (descolagem e aterragem vertical).
(3) Franceses e britânicos incluídos
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4 comentários:

  1. Já antes, em 1905, a Rússia sofreu uma derrota humilhante com o Japão e perdeu a sua frota do Pacífico.

    PS: para béns atrasados pelos dois anos.

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  2. Ainda aproveitarei uma oportunidade para tentar aqui descrever compactamente o pesadelo logístico que foi a transferência (via rota do Cabo) da Frota Russa do Báltico para o Extremo Oriente.

    Conhecendo-o, percebe-se porque a Batalha de Tsushima estava, de antemão, praticamente perdida pelos russos...

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  3. Caro António

    Fiquei satisfeito com esta tua incursão pela temática naval. No entanto não posso deixar de referir a ausência de comentários à componente nuclear naval, instalada em submarinos, e que era uma ameaçãa muito mais poderosa e destructiva para os EUA, do que os Porta-Helicópteros ou Porta-Aviões soviéticos. Aliás uma eventual III Guerra Mundial, poderia ir muito mais além, na utilização das forças navais, do que combates de superfície ou contra e entre submarinos.

    Um abraço

    Pedro Cabral

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  4. Caro Pedro:

    Embora nunca tenha visto o que vou escrever assim sistematizado, deixa-me dizer que considero que não há uma “componente nuclear naval”. Num conflito nuclear (entre superpotências) só existe um Teatro de Operações… que é global – nem terrestre, nem naval, nem aérea, nem espacial…

    Mal seja desencadeado esse conflito, pelas suas consequências, todas as outras formas de confrontação mais convencionais tornam-se secundárias. Nesse tipo de conflito nuclear, há os vectores (bombardeiros e mísseis – recuperáveis os primeiros, irrecuperáveis os segundos…) que transportam as bombas nucleares e há as plataformas (estáticas ou móveis) de onde esses vectores são lançados – um dos tipos de plataformas são precisamente os submarinos que lançam os SLBM.

    Mas isso é guerra nuclear, a tal que, segundo os Jogos de Guerra, terminava sempre num impasse designado por MAD (Destruição Mútua Assegurada). Aqui falei de cenários de guerra convencional – e da propaganda norte-americana que também era mentirosa...

    Um abraço

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