11 novembro 2007

DO VIETNAME PARA A ÁFRICA PORTUGUESA – 7

Por muito que haja a censurar ao comportamento pessoal de Richard Nixon, há que reconhecer que conduziu com sucesso, conjuntamente com Henry Kissinger, o processo que levou à assinatura do cessar-fogo e à retirada dos Estados Unidos do Vietname. Mas, para a obter, utilizou, como nunca antes fora feito, o poderoso dispositivo militar norte-americano em benefício dos objectivos políticos que verdadeiramente lhe interessavam – no caso, o ritmo e o grau de cedências dos norte-vietnamitas à mesa das negociações. Precisamente no lado oposto, há imenso a elogiar do ponto de vista pessoal a Marcello Caetano. Mas, se como já se reconheceu atrás, a sua tarefa era muito difícil, também é preciso reconhecer que nela fracassou fragorosamente.
A implementação de soluções específicas para a luta contra-subversiva, adoptadas conforme as características do Teatro de Operações, o que se tornava uma solução flexível e benéfica em si, acabou por ter o efeito perverso – muito por culpa também da fragilidade política de Marcello Caetano – de pôr os antigos Comandantes-Chefes (mais Spínola e Kaúlza de Arriaga do que Costa Gomes) a sonhar alto quanto às suas possibilidades políticas futuras na metrópole. Mas vale a pena reler hoje as propostas contidas no livro Portugal e o Futuro, o livro assinado por António de Spínola e que, publicado em 1974, tanta celeuma provocou. São ingénuas, apontando para um modelo federal que o General de Gaulle experimentara em França 15 anos antes – e fracassara
Que se discutisse com seriedade modelos de transição que haviam fracassado havia 15 anos é simbólico do grau de ingenuidade e da falta de preparação política da sociedade portuguesa em geral, que irá explicar (em parte) as convulsões do PREC. As fases terminais dos conflitos, entre 1974 e 1975, serão decididas nas metrópoles – embora no caso vietnamita a expressão a metrópole norte-americana tenha um sentido figurado... Mas as situações assemelham-se: imersas em problemas internos, elas desinteressam-se de um problema que as havia acompanhado há mais de um decénio… Não fossem esses problemas, nunca a superpotência mundial se permitiria assumir assim às claras um fracasso militar que debilitou inexoravelmente a sua imagem em todo o mundo…
E, afinal, o que poderia ter corrido de forma diferente num caso e noutro? Já atrás respondi que, em minha opinião, numa primeira fase, durante os primeiros anos, pouco ou quase nada. Depois, viu-se a diferença entre ser uma sociedade aberta e democrática e não o ser. O que em Portugal era discutido em surdina podia sê-lo nos Estados Unidos abertamente, por muito que isso desagradasse ao poder. A política norte-americana para o Vietname mudou, porque podia ser mudada. A portuguesa não, a não ser que se mudasse de regime, o que não é a mesma coisa que mudar de protagonista… Acreditar que seria Marcello Caetano a fazê-lo tem muito daquele espírito sofredor lusitano que está à espera até à última jornada para que a selecção se consiga qualificar…
Mas se sociologicamente parece haver uma espécie de fatalismo associado a cada povo – os norte-americanos parecem ter tornado a repetir tudo de novo no Iraque desde 2003… – estes dois casos dão que reflectir sobre o peso que a influência dos fantasmas terá na conduta dos homens indecisos quando têm que decidir… Terá sido o caso provável da influência do pensamento de Salazar na conduta de Marcello Caetano e foi também o caso de Lyndon Johnson, que chegou a confessar que tivera sonhos onde se imaginava acusado de trair o compromisso de John Kennedy para com o Vietname*… Parece ser uma explicação simples demais, mas há uma lição histórica, velha de milénios, que afirma que nunca é bom que sejam os mortos a governarem os vivos…

* Lyndon Jonhson and the American Dream, de Doris Kearns.

4 comentários:

  1. Interessantíssima série de posts sobre as guerras coloniais. Parabéns.

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  2. Podemos, com boa vontade, deitar uns pingos de ideologia, mas a mola real do 25 de Abril foi a reivindicação salarial dos capitães do quadro.
    Caetano, em 24 de Abril, recusou dar-lhes os aumentos pretendidos, na convicção de que o golpe lhe seria favorável. Enganou-se ou foi enganado.
    A guerra durou tantos anos porque convinha aos oficiais superiores que ganhavam bem, tinham ainda "lucros laterais" e desejavam comissões sucessivas.
    Cruzei-me com um Spínola furioso, nos corredores da Cova da Moura.
    O meu chefe explicou-me então que Spínola viera da Guiné para exigir 10 mil homens e arrasar "aquilo", pondo fim à guerra.
    Como militar sério, recusava-se a prolongar o faz-de-conta que dava jeito a outros.
    Não o apoiaram e talvez tenha nascido ali (em 1972) o "Portugal e o Futuro"...

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  3. Gostei deste estudo comparativo entre o que ocorreu nos EUA e Portugal em relação, respectivamente, aos conflitos no Vietname e na África Portuguesa. Tanto na forma como no fundo. O facto de ter sido apresentado em 7 posts sucessivos, correspondendo a outros tantos "capítulos" escritos sobriamente e de forma sucinta, permitiram uma leitura rápida e, ao mesmo tempo, foi criando interesse pelos episódios que se seguiriam, ou seja, um certo suspense. Em termos de substância, registo os pontos que foram escolhidos (essenciais) para conseguir uma comparação clara, evitando uma narração muito complexa, com o risco de ser bastante confusa para o leitor. Pena que assuntos destes com semelhante abordagem não abundarem na blogosfera.
    LS

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  4. Muito obrigado pelos comentários elogiosos.

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