02 setembro 2007

A COREIA DE RELANCE

A impressão, muito difundida, que a Coreia é uma espécie de pigmeu que está entalado entre os dois gigantes do Extremo Oriente (China e Japão) está essencialmente errada. A China – de quem os coreanos não gostam – é, de facto, em termos de área (9.600.000 Km²) e de população (1.322 milhões de habitantes) um dos dois colossos do continente, só comparável à Índia, mas a distância que medeia entre as dimensões do Japão – de quem os coreanos ainda gostam menos… – com uma área de 378.000 Km² e 127 milhões de habitantes, e as de uma hipotética Coreia unificada (220.000 Km² e 72 milhões de habitantes*) são muito mais pequenas e transformariam os dois vizinhos em rivais.

A divisão da península em dois estados gémeos, as Coreias do Norte (120.000 Km² e 23 milhões de habitantes) e do Sul (100.000 Km² e 49 milhões de habitantes), resultado directo das repartições entre potências (Estados Unidos e União Soviética) efectuadas em 1945, também pode ser enganadora: repare-se que, embora a área dos dois estados seja sensivelmente a mesma, a Coreia do Sul tem – quase sempre teve – mais do dobro da população do que o Norte. As diferenças de potencial económico** entre os dois países ainda são superiores às demográficas. Apesar da escassez de dados fiáveis, uma fotografia nocturna da península vista do espaço dará uma boa ideia da diferença dos dois níveis de vida…
São as suas forças armadas (1.100.000 efectivos – 4º lugar mundial!) e o programa militar nuclear que permite à Coreia do Norte equilibrar um pouco o potencial estratégico quando em comparação com o estado vizinho e irmão do Sul (com apenas 700.000 efectivos). Em muitos dos aspectos culturais, as opiniões são quase unânimes em considerar que existe uma grande homogeneidade e semelhança entre a população dos dois estados, apesar da separação política que já dura há mais de 60 anos: antes disso a história foi comum, o idioma é idêntico, apesar das normais variantes dialécticas num país daquela dimensão e o alfabeto, que é específico do idioma coreano, é idêntico dos dois lados da fronteira.

O desígnio nacional da reunificação, que se podia proclamar em voz alta quando era impossível de se concretizar durante a Guerra-Fria, passou a ser abordado com muito mais cautela quando a reunificação passou a ser exequível depois do fim da mesma. A história das reunificações recentes (a da Alemanha, mas também a muitas vezes esquecida do Vietname) têm demonstrado como, mesmo existindo os factores estruturais que costumam aproximar a população dos dois lados, existem muitos outros factores menores, que são frequentemente acessórios, mas que produzem um enorme atrito na fluidez dessas relações. Um exemplo disso poderá ser o crescimento recente do cristianismo na Coreia do Sul.
Em termos religiosos, as duas Coreias têm evoluído de maneira diversa. A repressão às actividades religiosas no Norte é a expectável num regime que ainda suscita as dúvidas sobre o seu carácter democrático em Bernardino Soares… A sociedade no Sul parece ter-se ocidentalizado: a maioria da população (45%) não professa qualquer religião, mas o cristianismo (que era quase residual em 1945 e se concentrava paradoxalmente no Norte) é seguido por 28% dos coreanos, ultrapassando aqueles que seguem as religiões asiáticas tradicionais como o budismo (22%). O que estas percentagens não mostram é o zelo missionário dos cristãos coreanos, que se pôde ver com o episódio recente dos reféns capturados no Afeganistão

Esta tendência recente parece ser mais um daqueles episódios em que uma nação parece querer reforçar os seus traços de identidade adoptando uma religião que a distinga ainda mais dos seus vizinhos: na Ásia, isso aconteceu recentemente em Timor. Só que, ao fazê-lo, também se acentuam as diferenças entre Sul e Norte… Afinal, parecem ser factores de formação e comportamento que fazem com que actualmente, 16 anos passados sobre a reunificação da Alemanha, ainda faça algum sentido empregar as designações Wessis e Ossis… O exemplo alemão tem estado a ser muito bem aproveitado pelos dirigentes coreanos para resistir a decisões emocionais, estas coisas das reunificações levam sempre tempo e custam muito dinheiro…
Afinal, antecipando a dimensão dos sacrifícios que os dirigentes sul-coreanos terão de pedir às suas populações, atente-se que a República Federal da Alemanha original era maior e mais rica do que a Coreia do Sul, a República Democrática Alemã era menor do que a Coreia do Norte e que as diferenças de desenvolvimento económico dos dois lados da fronteira parecem ser, apesar de tudo, muito mais acentuadas no caso asiático. Será cínico, mas a boa decisão no curto e médio prazo para quem dirija a Coreia do Sul será a de proclamar as melhores expectativas e intenções na reunificação futura da península, enquanto se apoia e se fazem genuínos votos de longa vida para o Querido Líder, Kim Jong-Il...

* Numa escala europeia, apenas a Rússia e a Alemanha (unificada) são maiores que essa Coreia reunificada.
** A economia sul-coreana é a 12ª ou 13ª mundial e a 3ª ou 4ª asiática depois do Japão, da China e, eventualmente, da Índia. O que representa a economia norte-coreana só se pode conjecturar...

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