19 junho 2007

A LIÇÃO DE ESGRIMA

Não sei se ainda falo pelas gerações actuais mas creio que em cada miúdo há sempre um espadachim em potencial. E, em geral e passada a infância, todos ficamos com aquela imagem romântica dos mosqueteiros. Todos? Talvez não… Há ainda aquela minoria que, como me aconteceu, teve o privilégio de ter verdadeiras aulas de esgrima a sério. E dali formam-se dois grupos: os que continuam a gostar e os que deixam de gostar… E asseguro que um punhado de aulas de florete é capaz de dar cabo de muitas simpatias por Athos, Porthos e Aramis…

A fase inicial do ensino, onde se ensinavam as posições básicas era um completo desapontamento. A posição de em guarda era uma tortura, fazia lembrar a da firmeza só que de florete na mão, enquanto o instrutor nos dizia para estarmos descontraídos e à vontade, o que se tornava uma perfeita contradição porque ao mesmo tempo se passeava corrigindo as posições, nomeadamente a de segurar o florete em quarta*, o que normalmente nos deixava com os punhos doloridamente tortos como se nos tornássemos num aleijado…
E depois as aulas seguintes tornaram-se numa coreografia enfadonha e repetitiva: avançar, recuar, a fundo, em guarda, duplo passo, avançar, sexta, quarta… Mas era tudo por uma boa causa, tornava-se necessário aprender aqueles rudimentos e ter paciência até começar a combater para que aquilo tivesse piada, finalmente. E foi num desses combates, que seguia com toda a atenção de jurado**, que aprendi uma bela lição de vida que ainda recordo e que me foi fornecida involuntariamente pelos dois intervenientes.

Um esgrimia visivelmente muito melhor que o outro, só que este último era também muito maior que o primeiro e, naturalmente, o seu braço era muito mais comprido. Ganhou. O seu mérito consistiu em antecipar os ataques do seu adversário e esticar o braço simultaneamente quando o adversário o fazia: como era maior e o braço mais comprido, a ponta do seu florete tocava primeiro do que a contrária… Como noutras modalidades, também na esgrima outros factores podem ser muito mais importantes do que a habilidade…
Começar por ter o braço mais comprido passou a ser, para mim, uma expressão de quem parte para uma competição com uma vantagem tal que apenas é preciso que se limite a não cometer erros para que a venha a vencer. É o que acontece com António Costa e a próxima disputa para a Câmara de Lisboa, porque, desde o princípio, ele começou por ter o braço mais comprido do que os demais concorrentes. Surpresa seria se a sua lista conseguisse a maioria absoluta dos vereadores em disputa, que ele pede, mas que os resultados das sondagens tornam muito improvável…

* Se a memória não me estiver a atraiçoar sobre a designação das posições…
** Em competição, a pontuação dos toques de florete é feita automaticamente, mas ali fazia-se da forma tradicional, com um árbitro e mais quatro jurados.

Nota: Os meus agradecimentos ao Pedro Freitas, que espero que me desculpe por lhe ter fanado a fotografia do seu blogue, onde surge galhardamente de sabre na mão, o primeiro da esquerda (o Athos…) daquela réplica dos Três Mosqueteiros… Mas só o blogue dele possuí a fotografia precisa para enquadrar a história que contei...

1 comentário:

  1. Os franceses têm uma expressão idêntica (ter o braço comprido)que é "avoir le bras long".
    Mas o sentido é um pouco mais subtil, mais figurado, aplicando-se a alguém influente, com poder.
    Pode mesmo insinuar a existência de arranjinhos ou jogadas menos claras.
    Se Pinto da Costa fosse francês dir-se-ia dele que tem o "bras long"...

    ResponderEliminar

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.