11 abril 2007

OS HÚNGAROS

Os húngaros ou magiares chegaram à Europa mesmo nos finais do Século IX d.C., atravessando os Cárpatos, instalando-se na que se designa actualmente por planície húngara, dominando os povos eslavos que estavam em curso de a repovoar depois da região ter servido consecutivamente, por séculos, como uma espécie de hall de entrada dos povos nómadas que invadiam a Europa vindos de leste (hunos, ávaros, etc.).

Como consequência dessa intrusão, embora não fosse perceptível na época, ficou cravada definitivamente uma cunha, separando os eslavos do norte (sorbes, polacos, checos, eslovacos) dos do sul (sérvios, croatas, búlgaros, eslovenos). A classificação do idioma húngaro coloca-o na família fino-ungríana (de um subgrupo não indo-europeu, portanto, como o são todos os idiomas latinos, germânicos e eslavos), sem qualquer tipo de proximidade com as de qualquer dos povos vizinhos. O seu parente mais próximo, na Europa, situa-se na.... Finlândia.

As planícies da Hungria (ou da Panónia, como ficara conhecida a região durante o período romano – em baixo o Lago Balaton, visto do espaço, situado sensivelmente no centro da planície) já tinham demonstrado as suas potencialidades como base de apoio a populações nómadas: antes da chegada dos magiares, já tinham servido de domicílio aos ávaros, e aos hunos, antes deles. A prática dos magiares pouco se diferenciava dos seus predecessores: raids contínuos sobre os territórios vizinhos, baseados na mobilidade das suas forças de cavalaria.
Nem é de estranhar que as suas forças incorporassem os descendentes de hunos e ávaros que tinham ficado na região da Panónia. Porque uma das características dos estados construídos por estes povos nómadas era a sua fragilidade: surgiam quase do nada, expandiam-se a uma velocidade prodigiosa, e depressa vinham a desaparecer, quando a sucessão de um líder corria mal, nesse mundo que estava baseado nas relações pessoais.

Os mesmos hunos que tinham aterrorizado a Europa, sob a chefia de Átila, podiam tornar-se quase inofensivos, mesmo auto-destrutivos, com o desencadear de uma guerra civil fratricida pela sucessão ao trono, entre os lugares tenentes do monarca desaparecido. Como acontecia com as guerras feudais do Ocidente, estas guerras civis corriam ao lado da maioria da população, embora esta estivesse sujeitas aos seus danos colaterais – para empregar uma expressão moderna.

Os historiadores militares modernos estimam que as planícies húngaras teriam condições para sustentar montadas para um máximo de 20.000 cavaleiros. Adicionando os dependentes isto poderá levar a uma estimativa um pouco superior às 100 mil pessoas, o que comparado com a população total das imensas áreas que controlavam apontaria para que os nómadas dominantes representassem apenas uma fracção ínfima da população total: talvez não chegassem aos 5% e de certeza absoluta não seriam mais de 10%.

Afinal, são percentagens muito semelhantes às que foram estimadas para os invasores germanos contemporâneos do Ocidente, como foram os casos dos francos ou dos visigodos. Ao dividirem o seu poder militar no decurso das guerras civis perdiam a massa crítica que lhes permitia deter a supremacia política e, como eram numericamente poucos, acabavam por vir a ser absorvidos a médio prazo pela maioria sedentária e a desaparecer enquanto povo. O comportamento dos magiares durante os primeiros 160 anos da sua presença na Europa pouco diferiu do dos seus predecessores. Em 955, sofreram uma derrota humilhante às mãos dos cavaleiros germânicos.

A sua superior mobilidade militar já não era o que tinha sido, o momento da expansão dos germanos para leste era outro e tudo fazia prever que o destino dos magiares seria idêntico ao que tinha acontecido aos hunos e avares: uma recordação. Só que algo aconteceu por volta do ano 1000 que mudou a história e a configuração actual do continente europeu: o rei dos magiares (Estêvão) converteu-se ao catolicismo, criando uma aliança com o Papa de Roma, que nessa altura precisava deles para contrabalançar o poder sempre crescente do Imperador Germânico.
O acontecimento deu aos magiares uma legitimidade política e religiosa que lhes tinha faltado (e aos outros nómadas, seus antecessores) até aí. A extensão do Reino da Hungria (as terras da Coroa de Santo Estêvão – em cima a fotografia da Coroa), como qualquer dos estados que foram construídos a partir da actividade de um exército de cavaleiros nómadas, era muito importante: correspondia aproximadamente aos territórios actuais da própria Hungria, da Eslováquia, da Croácia e da Transilvânia (parte da actual Roménia). E neles, os magiares propriamente ditos deveriam representar uma ínfima minoria, pouco mais do que o topo superior da pirâmide social.

O processo pelo qual o idioma magiar se veio a impor como língua popular é um daqueles mistérios sobre o qual há muita especulação, mas há poucas certezas. As elites magiares tinham um peso proporcional em relação à sociedade muito idêntico às dos francos em França ou à dos visigodos em Espanha. Mas, tanto em França como na Espanha, as suas populações continuaram a empregar maioritariamente idiomas latinos, como hoje se constata. Uma hipótese é que a elite magiar pudesse contar com a aderência das camadas populares de origem asiática (hunos e ávaros), com quem a sua língua era, vagamente, aparentada.

Mas a grande maioria da população seria, concerteza de outras origens – eslavas, possivelmente. A legitimidade religiosa do seu estatuto de senhores feudais também não é de desprezar. Mas isso também aconteceu noutros locais e a camada popular não mudou o seu idioma corrente por causa disso. Outras hipóteses se podem levantar. E uma pode-se excluir: a sua condição de língua oficial; por muito paradoxal que possa parecer, a língua oficial do Reino da Hungria, até meados do século XIX (1844) foi o... latim!
Claro que a alfabetização do século XIX pode ter operado aqui milagres, como aconteceu aliás em outros países, por essa mesma altura. Mas a consolidação do idioma magiar como língua popular é, de certeza absoluta, anterior a isso. Já durante o século XVI, quando os Turcos atacaram, conquistaram e dominaram uma parcela importante do Reino Húngaro, a língua magiar, em condições adversas, nas terras sob o domínio otomano, manteve, apesar de tudo, o seu estatuto de língua importante de comunicação, como se constatou quando essas terras voltaram a ficar sob o controle dos Habsburgos.

Sob a monarquia dos Habsburgos, os húngaros vieram a desempenhar o papel de uma das traves mestras indispensáveis à sua sustentação. O condomínio de poder entre alemães (austríacos) e húngaros dava a estes últimos uma sensação de proeminência na condução dos destinos do Império que seria certamente despropositada em função da realidade étnica que o Império representava – uma verdadeira Torre de Babel*. Os seus vizinhos eslavos e romeno não estavam dispostos a perdoar-lhes essa atitude e, no seguimento do ajuste de contas da 1ª Guerra Mundial (Tratado de Trianon), despojaram a Hungria de uma parcela substancial dos seus antigos territórios, deixando, no processo, muitos húngaros étnicos, fora das suas fronteiras nacionais. Veja-se em baixo os contornos da Hungria histórica de 1918 e as parcelas dela que foram cedidas aos estados vizinhos.
É por isso que, na actualidade, de entre os treze milhões de húngaros existentes na Europa, cerca de 20% residem fora da Hungria: serão talvez quase dois milhões na Roménia, ultrapassam o meio milhão na Eslováquia e os 400 mil na Jugoslávia actual e há mais de uma centena de milhar a viverem na Ucrânia. Dentro das fronteiras húngaras, representam uma maioria esmagadora (94%), coabitando com minorias ciganas (talvez 3%, mas o recenseamento e identificação das comunidades ciganas é sempre problemático), alemãs e eslovacas.

Do ponto de vista religioso, a identidade religiosa, que tão importante foi para o processo de consolidação e definição do Reino Húngaro, perdeu progressivamente o seu significado; não se pode dizer que haja uma religião nacional húngara: 55% da população afirma-se católica, 26% protestante (sobretudo calvinista) e 1% judaica (tal como na Roménia ou na Polónia, também aqui os judeus ou foram exterminados durante a Segunda Guerra Mundial ou emigraram depois dela); os restantes declararam não professar nenhuma religião.

*No recenseamento de 1910, identificavam-se os seguintes grupos étnicos dentro do Império Austro-Húngaro (de acordo com o idioma empregue e com os valores expressos em milhões): 12,3 alemães, 10,0 húngaros, 6,5 checos, 5,1 polacos, 4,1 ucranianos, 3,3 romenos, 2,9 croatas, 2,0 sérvios, 2,0 eslovacos, 1,4 eslovenos, 0,9 italianos, 0,6 bósnios muçulmanos e 0,4 diversos. A adição dos dois grupos maiores e dominantes (alemães e húngaros) ainda era minoritária (44%) para o conjunto imperial.

4 comentários:

  1. Adoro a Hungria, quero lá voltar!

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  2. também adoro,mas nunca estive lá.sou húngaro mas nasci na alemanha e vivo na brasil

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  3. numm fala nem dhum local(PAÍS)

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  4. Merece TODO,todo o respeito e admiração o talvez único povo que conseguiu pôr barreiras a entrada cultural nociva da Roma XX de.C. = EUA

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