05 abril 2007

OS “ALMEIDAS” DO JORNALISMO

Aconteceu uma vez mais ontem, mas é um fenómeno antigo de décadas. A fotografia acima foi retirada da série televisiva Yes, Prime Minister, a caminho de fazer vinte e cinco anos. E o ritual continua o mesmo. Processa-se assim: depois de identificado, o alvo é rapidamente cercado por microfones e outros adereços de recolha de som e, por muito que transmita todos aqueles sinais socialmente estabelecidos que demonstrem a intenção de não estabelecer contacto com a turba, ouve-se uma sucessão de perguntas para o ar, algumas mesmo com conteúdo descaradamente provocador, sinal que a técnica de provocar o bicho às vezes colhe dividendos… Afinal, quase todos se lembram do episódio do bolo-rei de Cavaco Silva, mas quase todos já se esqueceram do número de vezes que a jornalista insistiu em lhe fazer perguntas até ele encher (outra vez) a boca…

O alvo de ontem a que me estou a referir era José Sócrates a abandonar a Assembleia da República e, evidentemente, não estou a falar de uma vítima inocente (que também as há). Mas não cesso de me surpreender com a indiferença (e indulgência) com que todas aquelas repetitivas (e penosas) cenas da turba dos microfones são julgadas pelos seus colegas de profissão*. Quantas vezes de um episódio daqueles se conseguiu extrair uma notícia, quando o protagonista não está disposto a falar? Sendo muito poucas (como suspeito), qual a razão das insistências? Pela sua agressividade, displicência e auto-indulgência quanto ao seu próprio desempenho profissional, a malta do microfone que faz estas esperas faz-me lembrar aquelas más equipas nocturnas de recolha do lixo, ruidosas e que deixam os caixotes a três prédios de distância do local onde o levantaram…
Já foi época em que, pela Páscoa, esses trabalhadores do lixo (também conhecidos por “Almeidas”) andavam a bater às portas a pedir as amêndoas. Pelos vistos é actividade que já não compensa, porventura por causa da sua enorme falta de jeito no tratamento com os clientes que nós somos (falo pela experiência cá de casa), quando têm de andar a jogar às escondidas à procura do caixote do seu prédio no dia seguinte… E, por muito que os seus colegas de profissão se demitam de o afirmar, também aquela turba ululante de microfone em riste, em magote, a mandar bocas provocadoras para o ar, não creio que nos esteja a informar e é mesmo muito canhestra na forma como nos demonstra que o procura fazer: também não merecem as amêndoas da Páscoa…

O que não invalida que ache importante que José Sócrates se pronuncie sobre o assunto que ontem tanto afligia a turba: a questão da sua licenciatura. Obviamente, e como sempre acontece nestas circunstâncias, fá-lo-á quando e onde quiser…

* Significativo que, do resultado de uma pesquisa na Internet que realizei usando a expressão Journalists harassing (em inglês to harass significa incomodar, molestar, aborrecer), quase não houvesse referências aos incómodos que os jornalistas provocam, porque a esmagadora maioria se referia aos que os jornalistas sofrem…

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