29 março 2007

OS GENERAIS DE HAIG

Afirmar que a Primeira Guerra Mundial (1914-18) foi muito diferente da Segunda (1939-45) será um truísmo ou uma platitude, para usar um daqueles sinónimos de banalidade que, de quando em vez, José Pacheco Pereira gosta de desenterrar e que eu tanto gosto de glosar. Normalmente, a Segunda Guerra é muito mais conhecida, por ter durado mais tempo, por ter sido mais recente, por se ter desenvolvido por uma área geográfica muito maior, por ter envolvido mais contendores e pelo maior grau de destruição material e humana que provocou.

Sobretudo, porque as interpretações estratégicas que transformam as duas grandes conflagrações do Século XX num mesmo conflito, com um armistício intercalar de 21 anos e uns reajustamentos menores de alianças, fazem, a esta distância temporal crescente, cada vez mais sentido. E, à luz dessa interpretação, a importância da Primeira Guerra Mundial (paradoxalmente concebida na altura como a Guerra que iria acabar com todas as guerras…) esvazia-se perante o carácter verdadeiramente decisivo que a Segunda veio a assumir.

E contudo, algo se perdeu nos 25 anos que distam os inícios das duas guerras, porque existe muito mais inocência, generosidade, muito mais criação artística entre os que participaram na Primeira Guerra Mundial do que os da geração seguinte. Para nos cingirmos apenas à literatura, a Segunda Guerra não viu aparecerem grandes livros de denúncia como O Fogo de Henri Barbusse (França – 1916), nostálgicas como A Oeste Nada de Novo de Erich Maria Remarque (Alemanha -1929) ou sarcásticas como Adeus a Isso Tudo de Robert Graves (Grã-Bretanha – 1929).
Mas é dos comandantes militares britânicos dessa Primeira Guerra que este poste pretende tratar. Que, curiosamente, parecem ter sido rejeitados, mesmo pelo seu próprio poder político vencedor: o título de um dos livros recentemente publicados a esse respeito (2006 – veja-se acima) chama-se precisamente os Generais de Haig (Douglas Haig - o comandante chefe dos exércitos do império britânico em França desde 1915, em destaque na capa do livro e na fotografia inicial, com a ordenança preparando-lhe o casaco). Ora, os livros do mesmo tipo sobre a guerra seguinte chamam-se os Generais de Churchill (em baixo), os Generais de Hitler ou os Generais de Estaline
A figura de Douglas Haig pode ser vista, de certa forma, como um fardo de que há que preservar a imagem, dadas as circunstâncias do Reino Unido ter chegado em vantagem ao tal armistício de 21 anos (1918-39). No entanto, é visível, entre os principais pensadores militares britânicos do período entre guerras, que as opiniões sobre ele variaram entre a ausência de grandes comentários (sempre passível de interpretação…) de J.F.C. Fuller, e uma crítica severíssima de B.H. Lidell Hart sobre a forma como Haig conduziu muitas das grandes operações ofensivas durante a Guerra.
De uma forma menos sustentada intelectualmente, mas muito mais arrasadora, a relativamente recente série televisiva cómica Blackadder Goes Forth (1989 – na foto de cima) representa através de um hipotético general Melchett a imbecilidade de um general encerrado na sua mansão, distante dos seus homens e das condições quotidianas da guerra das trincheiras. Numa das cenas, apontando para um mapa estendido em cima de uma mesa no meio da sala, Melchett mostrava a progressão das suas unidades desde o início da ofensiva. Blackadder perguntou-lhe qual era a escala do mapa. 1:1 foi a resposta…

O que se torna extremamente significativo concluir de um livro como Os Generais de Haig é que Douglas Haig era afinal um produto típico da sua classe, membros de uma aristocracia de uma sociedade onde os melhores talentos tendiam a preferir a muito mais prestigiada Royal Navy. Entre o elenco dos comandantes dos exércitos britânicos (Allenby, Byng, Birdwood, Gough, Horne, Monro, Plumer e Rawlinson – em baixo, juntos em 11 de Novembro de 1918, dia do Armistício) predominam os talentos medianos, numa situação de empate e impasse táctico que exigia como resposta, para além da aplicação e método, muita imaginação.

O contraste é grande com os perfis e biografias dos comandantes da geração seguinte (Wavell, Alanbrooke, Montgomery Alexander, Auchinleck, Wilson, Percival ou Slim), os tais Generais de Churchill, que tinham uma preparação técnica e uma formação básica incomparavelmente superiores aos dos seus homólogos da grande guerra anterior. Muitas vezes a nostalgia impede-nos de ver quanto a evolução técnica tem tornado os cargos (neste caso concreto, os de alto comando) progressivamente cada vez mais exigentes.

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