22 janeiro 2007

A JANELA INQUEBRÁVEL

A empresa tinha acabado de mudar os seus escritórios para dois pisos altos de um edifício novo de arquitectura arrojada. Entre as inovações, contavam-se umas amplas janelas do chão ao tecto, onde o pessoal, que trabalhava num open space central com a circulação a fazer-se pelo exterior, tinha medo de se abeirar, quer fosse pelas vertigens (causa mais provável), quer fosse pelo receio de que, tropeçando, o vidro se partisse e se caísse de um enésimo andar (causa oficialmente invocada).

Para resolver os problemas dos receios do pessoal quanto à segurança dos materiais foi convocada uma sessão com um engenheiro encarregado de esclarecer as dúvidas do pessoal. Ora os engenheiros não são geralmente pessoas dadas a grandes exercícios de oratória e este, chegada a hora do início da sessão, equipou-se de joelheiras, cotoveleiras e capacete, pôs-se num extremo do andar, atravessou-o a correr com a toda a velocidade em direcção a uma das janelas do lado oposto, onde chocou com estrondo e com toda a força…

- Senhoras e senhores, a sessão está concluída… Infelizmente, mesmo esta imaginativa demonstração não chegou para resolver o problema de fundo: o inconfessável problema das vertigens e a empresa acabou por mudar de escritórios uns anos mais tarde… Desta história há duas facetas que vale a pena destacar: a eficácia de uma demonstração directa quando bem feita; embora possa acabar por se vir a revelar ineficaz porque não se está a lidar com a verdadeira causa do problema.

Falando de um outro assunto, vale a pena realçar a pertinência de um poste relativo ao modismo que se tem instalado na blogosfera de se escrever a propósito de tudo o que está na berra, sintetizado (com felicidade) nas expressões pensamento instantâneo ou opinião pronta a servir. Concorda-se com o conteúdo por que se nota, de facto, que parece que se instalou em muitos blogues uma certa propensão para se escrever de forma imediatista – e simplista – sobre quase tudo.

Só que depois, já no final do texto e entre parêntesis, há uma espécie de aditamento de desagravo, sobre a incoerência de como a mesma atitude ser fortemente censurada, quando é feita por jornalistas na imprensa tradicional. E aí a minha concordância esvai-se, porque não acompanho a analogia e dali parece insinuar-se que será o despeito ou a inveja que motivará essa crítica. Ora, eu não pago nada para ler umas trivialidades num blogue qualquer sobre o QREN enquanto pago as que leio no jornal (que devem ser) escritas por profissionais…

Acredito que seja embaraçoso para a classe que, utilizando o mesmo suporte de expressão (o blogue) se possa à vezes concluir que o que foi produzido por amadores tem mais categoria do que o produto de profissionais formados. E, além disso, pessoalmente, creio que, nesses assuntos, a retórica não sustentada nem impressiona… No caso da parte final desse poste, onde se fala do jornalismo como actividade interpretativa, convém esclarecer que o bónus da interpretação estará no leitor que concederá (ou não…) ao jornalista a categoria para aceitar a que foi feita…

Pela positiva, suponho que a melhor solução para os jornalistas estará em fazer como o engenheiro desta história, que demonstrou na prática a resistência da janela, neste caso com a demonstração da qualidade literária e de conteúdos do material que eles vão produzindo… Ou então, noutra hipótese, nem isso será solução, porque a verdadeira causa do problema é outra e não há demonstração que lhe valha: os blogues prenunciam a extinção dos jornalistas enquanto profissão especializada…

1 comentário:

  1. Tal como a canção que diz "video killed radio stars".
    Nada se perde, nada se cria...

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